Uma ação coletiva movida na Espanha acusa o governo de deliberadamente colocar em risco a segurança pública ao incentivar a população a participar de mais de 75 passeatas de feministas em 8 de março para comemorar o Dia Internacional da Mulher, em meio à pandemia do coronavírus. Foto: uma manifestação no Dia Internacional da Mulher, 8 de março de 2020 em Madri, Espanha. (Foto: Pablo Blazquez Dominguez/Getty Images) |
O governo espanhol, formado pela coalizão de socialistas e comunistas, está sendo processado por suspeição de negligência na forma de lidar com a pandemia do coronavírus. O governo está sendo acusado de colocar seus ignóbeis interesses ideológicos acima da segurança e do bem-estar da população, agravando na esteira, desnecessariamente, a crise humanitária que já toma conta da Espanha, atrás somente da Itália, país mais castigado da Europa.
Uma ação coletiva movida em 19 de março acusa o governo espanhol, extremamente ideológico seja lá qual for a régua de medição, visto que o Podemos, parceiro comunista da coalizão fundado com capital inicial fornecido pelo governo venezuelano, deliberadamente colocou em risco a segurança pública ao incentivar a população a participar de mais de 75 passeatas de feministas, realizadas por toda a Espanha em 8 de março para comemorar o Dia Internacional da Mulher. Os comícios realizados em todo território nacional visavam protestar contra o perene bicho-papão do governo: o pretenso patriarcado da civilização ocidental.
Centenas de milhares de pessoas participaram dessas passeatas, inclusive com a presença de badalados, como o vice-primeiro ministro da Espanha, bem como a esposa e mãe do primeiro-ministro, além da esposa do líder do Podemos, que já deram positivo com respeito ao Coronavírus 2019 (COVID-19). Não se sabe quantas pessoas foram infectadas pelo vírus em consequência dos comícios.
O processo, no qual participam mais de 5 mil querelantes, acusa o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez e seus representantes nas 17 regiões autônomas da Espanha de "prevaricação", termo jurídico espanhol que significa mentir e enganar. Segundo consta, o governo estava tão determinado em garantir que as passeatas das feministas ocorressem em 8 de março que subestimou deliberadamente os alertas sobre a pandemia. A título de exemplo, alguns desses alertas:
- Setembro de 2019. O Global Preparedness Monitoring Board, um painel internacional de especialistas convocado pelo Banco Mundial e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), emitiu um alerta sobre uma "ameaça real e verdadeira de uma pandemia extremamente letal causada por um patógeno respiratório altamente transmissível que poderia matar de 50 a 80 milhões de pessoas e destruir cerca de 5% da economia mundial.
- 31 de dezembro. A China alertou a OMS sobre inúmeros casos de uma pneumonia atípica em Wuhan, cidade portuária onde residem 11 milhões de pessoas na província central de Hubei. Tratava-se de um vírus até então desconhecido.
- 7 de janeiro. A China identificou o novo coronavírus como a causa de uma misteriosa doença em Wuhan.
- 21 de janeiro. A OMS confirmou a transmissão do vírus entre humanos.
- 29 de janeiro. Cooperativas farmacêuticas da Espanha alertaram que as farmácias estavam ficando sem estoque de máscaras devido a um salto na demanda. As vendas de máscaras aumentaram 3.000% em janeiro em relação ao mesmo período do ano anterior.
- 30 de janeiro. O diretor geral da OMS declarou o surto do coronavírus uma emergência de saúde pública que requer atenção internacional.
- 31 de janeiro. O primeiro caso que se tem notícia sobre o COVID-19 na Espanha foi confirmado em La Gomera, Ilhas Canárias, onde o teste de um turista alemão deu positivo e ele foi internado em um hospital local.
- 12 de fevereiro. A Mobile World Congress, a maior feira de celulares do planeta, que atrai mais de 100 mil participantes de 200 países, foi cancelada por medo do coronavírus. A estimativa da perda financeira para Barcelona e para o setor da indústria hoteleira da cidade gira em torno de US$560 milhões.
- 24 de fevereiro. Mais de mil hóspedes e funcionários do hotel Costa Adeje Palace em Tenerife, Ilhas Canárias, foram colocados em quarentena, depois que um cidadão italiano testou positivo para COVID-19.
- 27 de fevereiro. Um homem de 62 anos de Sevilha testou positivo para COVID-19. Ele foi o primeiro caso de transmissão comunitária do vírus na Espanha. O homem disse que ele provavelmente foi infectado durante uma conferência do setor bancário em Málaga, onde se sentou ao lado de um parceiro que tinha saído de férias e ido para as Ilhas Canárias onde teve contato com pessoas da Ásia. Os médicos salientam que o diagnóstico foi de "grande importância" porque provou que o COVID-19 estava circulando na Espanha sem que ninguém soubesse.
- 2 de março. O Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças aconselhou os países europeus a cancelarem eventos com grande concentração de pessoas para evitar a transmissão do coronavírus.
- 2 de março. A Agência Espanhola de Medicamentos enviou uma carta aos distribuidores farmacêuticos para que restringissem a comercialização de máscaras e que impedissem a sua distribuição nas farmácias espanholas. O objetivo da agência, segundo orientação do Ministério da Saúde, era garantir o fornecimento de máscaras para hospitais e centros de saúde num momento em que o número de casos confirmados estava começando a se multiplicar. A medida bloqueou as vendas para farmácias espanholas, bem como as vendas para o exterior.
- 3 de março. O ministério regional da saúde em Valência comunicou que a primeira fatalidade em virtude do coronavírus na Espanha ocorreu em 13 de fevereiro. As autoridades sanitárias ficaram sabendo que ele havia contraído o vírus somente 19 dias após a sua morte, claro indício de que as autoridades espanholas foram lerdas em entender o surto. Uma vez que os casos de coronavírus que vão a óbito duram entre duas e oito semanas, fora o período de incubação de 14 dias, é possível que o homem tenha sido infectado no início de janeiro.
- 3 de março. As autoridades espanholas decretaram que partidas de futebol e basquete com grandes aglomerações fossem realizadas a portas fechadas, sem público, para conter a propagação do coronavírus.
- 6 de março. O Ministério da Saúde da Espanha recomendou: "o princípio da precaução deve prevalecer. O surgimento de um vírus até agora desconhecido significa que medidas de precaução devem ser tomadas com base no conhecimento científico existente sobre os vírus".
Em 7 de março, malgrado os alertas, a mais alta autoridade do governo espanhol em coronavírus, Fernando Simón, assegurou em uma entrevista coletiva à imprensa nacional que não havia perigo em participar dos comícios em 8 de março. "Se o meu filho me perguntasse se ele poderia ir, eu lhe diria para fazer o que bem entendesse", salientou ele.
O intrépido jornalista Matthew Bennett radicado na Espanha, descobriu que o governo espanhol não divulgou novos casos de coronavírus entre os dias 6 a 9 de março, ao que tudo indica, para minimizar frente à população o perigo de participar dos comícios.
Em 9 de março, quando o número de casos confirmados de coronavírus dobrou em um só dia em Madri, a Presidente da Comunidade Autônoma de Madri, Isabel Díaz Ayuso, determinou o fechamento de todas as escolas da capital, no mínimo por duas semanas. A medida do governo regional pegou o governo central de surpresa e na prática o forçou a agir.
- 10 de março. O Ministro da Saúde da Espanha, Salvador Illa, especialista em filosofia catalã, sem experiência na área da medicina, ressaltou: "a situação de hoje poderá ser diferente da de ontem, ela está mudando e continuará a mudar até superarmos essa situação".
- 11 de março. O governo espanhol admitiu que já sabia em 8 de março, antes dos comícios das feministas, que o surto do coronavírus estava fora de controle em Madri.
- 12 de março. O primeiro-ministro Sánchez, ao se defender das críticas por ter autorizado o prosseguimento das passeatas, ressaltou que seu governo estava respondendo à "dinâmica" do coronavírus, "adaptando-se" "de hora em hora" às recomendações dos especialistas da área.
- 14 de março. O governo central decretou estado de emergência em todo território nacional, o que na prática isolou 46 milhões de pessoas por no mínimo 15 dias. Todas as viagens não essenciais foram proibidas e as pessoas ficaram confinadas em suas casas, exceto em casos de emergência ou para comprarem alimentos ou medicamentos. Todas as escolas e universidades do país estão fechadas.
- 29 de março. A quarentena, a mais rigorosa de toda a Europa, foi prorrogada até 11 de abril.
O processo foi encaminhado ao Supremo Tribunal da Espanha por conta da imunidade do primeiro-ministro.
O Artigo 404 do Código Penal prevê uma pena de 9 a 15 anos de inelegibilidade para qualquer cargo público para funcionários públicos condenados por crime de prevaricação.
Víctor Valladares, advogado em Madri responsável pela ação, adiantou:
"o resultado das convocações às manifestações e sua aprovação direta pelas delegações governamentais e pela inércia do governo central presidido pelo acusado, o primeiro-ministro Pedro Sánchez, não poderiam ser mais antagônicas frente à determinação da UE em seu informe. Por que não foi emitida uma diretiva para impedir qualquer tipo de evento com grande aglomeração? "
Enquanto isso, a Associação de Médicos e Profissionais da Saúde de Madri (AMYTS) e a Confederação dos Sindicatos dos Médicos (CESM) também entraram com ações judiciais contra o governo. A petição inicial exige que os governos federal e local forneçam aos hospitais de Madri máscaras, óculos de proteção e contentores de resíduos hospitalares num espaço de 24 horas.
O blogueiro espanhol Elentir, que administra o blog Contando Estrelas, um site politicamente perspicaz, fundamental para entender a política espanhola contemporânea, escreveu:
"conforme descobrimos com 16 dias de atraso, a primeira morte pelo coronavírus ocorreu em 13 de fevereiro na Espanha. Diante do risco de cancelamento das grandes mobilizações de feministas marcadas para o domingo, 8 de março, Fernando Simón comentou: 'não dispomos de recomendações específicas sobre a suspensão do comício de 8 de março.'"
"Em 9 de março, um dia após as passeatas das feministas, o Ministro da Saúde, Salvador Illa, recomendou expressamente a todos os portadores de doenças crônicas ou múltiplas patologias que não saíssem de casa, exceto em caso de emergência. Ele disse isso imediatamente após os comícios das feministas ocorridos em 8 de março."
"Honestamente, parece piada que o governo tenha esperado até agora, indubitavelmente por razões políticas, para emitir esse comunicado. O governo socialista/comunista mais uma vez colocou seus interesses políticos acima do bem comum. Esse flagrante pouco caso deveria resultar em demissões".
As críticas à maneira do governo espanhol lidar com a crise do coronavírus também vieram de membros do próprio Partido Socialista. Em 22 de março Juan Luis Cebrián cofundador do jornal El País, órgão conhecido por refletir a posição oficial do Partido Socialista, escreveu:
"as lágrimas de crocodilo derramadas por tantos líderes políticos que afirmavam que ninguém poderia imaginar algo como o coronavírus não faz nenhum sentido. Não é que não havia aqueles que imaginavam algo assim: a bem da verdade eles previram isso e alertaram para isso com todas as letras. Sem a menor sombra de dúvida, houve negligência por parte de vários ministros da saúde e de seus superiores e na França três médicos já entraram com uma ação na justiça contra o governo por esse mesmo motivo. A consequência é que hoje a maioria das nações ocidentais está sobrecarregada quanto à sua capacidade de combater a epidemia, reagiram tarde e de forma errada. Faltam: leitos hospitalares, profissionais da saúde, respiradores e transparência nas informações oficiais."
"Em 24 de fevereiro, a OMS alertou oficialmente sobre a probabilidade de enfrentarmos uma pandemia. Apesar disso e sabendo da magnitude da ameaça, já totalmente reconhecida em inúmeros países, praticamente nenhuma medida foi tomada em relação à maioria dos possíveis cenários. No caso da Espanha, incentivou-se a participação popular em manifestações gigantescas, promoveu-se a realização de grandes festivais populares, atrasou-se o financiamento urgente de pesquisas, minimizou-se a ameaça e até a autoridade oficial ainda hoje encarregada de dar as recomendações científicas ousou dizer entre sorrisos que não havia nenhum risco para a população."
"Não é hora de abrir um debate sobre o assunto, mas é legítimo assumir que, além das responsabilidades políticas, os cidadãos... terão o direito de exigir reparação legal se houver negligência por culpa".
A Espanha é um dos países europeus mais castigados pelo vírus: em 29 de março, mais de 80 mil pessoas foram diagnosticadas com a doença do coronavírus 2019 (COVID-19) e mais de 6.500 morreram em decorrência dela. O verdadeiro número de pessoas infectadas pode ser dez vezes maior devido à falta de testes em casos assintomáticos. À medida que a pandemia avança, a Espanha está prestes a ultrapassar a Itália como o país mais atingido da Europa.
Soeren Kern é colaborador sênior do Gatestone Institute sediado em Nova Iorque.