Foto: Presidente Francês Emmanuel Macron chega com o Chefe do Estado Maior do Exército, General François Lecointre, antes da cerimônia militar do Dia da Queda da Bastilha na Praça da Concórdia em Paris, em 14 de julho de 2020. (Foto: Thomas Samson/AFP via Getty Images) |
Um grupo de generais da reserva alertou em uma carta aberta que a França está degringolando para uma guerra civil por conta do fiasco do governo em controlar a migração em massa e ao gradual avanço tentacular do islamismo no país. A carta, que conta com amplo apoio popular segundo institutos de pesquisa, também alerta sobre o marxismo cultural, o multiculturalismo descontrolado e a expansão das zonas proibidas na França.
O alerta veio em meio a uma onda de ataques jihadistas, entre eles a decapitação de um professor cometida por jovens, nenhum deles estava no radar dos serviços de inteligência franceses. A carta também surgiu durante a indignação pública generalizada em relação ao comprometimento do sistema de justiça francês com o politicamente correto, conforme evidenciado pela recusa de levar às barras da justiça um imigrante africano do Mali que, aos bramidos de "Allahu Akbar" ("Alá é Grande"), invadiu a casa de uma judia idosa, assassinou-a e a jogou da varanda.
O colapso na segurança combinado com a incapacidade ou falta de vontade do governo em tomar providências, projetou a líder do período conservador União Nacional (Rassemblement National), Marine Le Pen, para o primeiro lugar, à frente do presidente Emmanuel Macron nas pesquisas para as eleições presidenciais marcadas para abril de 2022.
A carta aberta publicada pela revista francesa Valeurs Actuelles (Valores Atuais) em 21 de abril, dirigida ao establishment político francês, foi assinada por 20 generais da reserva, 100 altas autoridades e mais de mil membros do exército. Uma tradução da carta, que pede a volta ao patriotismo francês, diz o seguinte:
"Sr. Presidente":
"Senhoras e Senhores Membros do Governo,"
"Senhoras e Senhores Membros do Parlamento,"
"A situação é grave. A França corre perigo. Ela está sendo ameaçada por inúmeros perigos letais. Nós que, mesmo na reserva, continuamos soldados da França, não podemos, nas atuais circunstâncias, permanecer indiferentes à sorte de nosso belo país."
"Nossas bandeiras tricolores não são apenas pedaços de pano. Elas simbolizam a tradição daqueles que, através dos séculos, seja qual for a cor da pele ou religião, serviram a França e deram a vida por ela. Nessas bandeiras encontramos em letras douradas as palavras: 'Honra e Pátria.' Hoje, nossa honra denuncia a desintegração do nosso país."
"Desintegração que, por meio de uma espécie de antirracismo, tem um único objetivo: criar divisão, até ódio, entre as comunidades em nosso solo. Hoje, alguns falam em racismo, indigenismo e teorias "descolonialistas", e ao fazerem uso destes termos, militantes fanáticos cheios de ódio procuram desencadear uma guerra racial. Eles desprezam nosso país, nossas tradições e nossa cultura e, ao procurarem apagar nosso passado e nossa história, querem vê-lo relegado à lata de lixo da história. Com tal objetivo, destroem estátuas e distorcem palavras e frases centenárias, tudo com o intuito de detonar nossas glórias militares e civis de outrora.
"Desintegração que, juntamente com o islamismo e as hordas suburbanas (Hordes de Banlieue), leva ao desprendimento de grandes partes de nossa nação para transformá-las em territórios sujeitos a dogmas contrários à nossa Constituição. Todo francês, independentemente da sua crença ou nenhuma crença, deveria se sentir em casa na França continental (l'Hexagone), não pode e não deve existir nenhuma cidade ou distrito onde as leis da República não se aplicam."
"Desintegração que, quando o ódio tem precedência sobre a fraternidade durante as manifestações dos coletes amarelos (Gilets Jaunes) contra o governo, quando o governo usa a polícia como milícia de um lado e bode expiatório de outro frente aos cidadãos franceses que escancaram o desespero e a desesperança. Tudo isso enquanto mascarados se infiltram nos protestos, saqueiam empresas e ameaçam aqueles próprios policiais. No entanto, a polícia só segue as diretrizes, muitas vezes contraditórias, estabelecidas por vocês, detentores do poder."
"Os perigos se multiplicam, a violência aumenta a cada dia. Quem poderia, dez anos atrás, imaginar que um dia um professor seria decapitado ao sair da escola? Nós, servidores da nação, que sempre estivemos dispostos a pagar com a própria vida pelo nosso país, não podemos ficar de braços cruzados diante de tais atos."
"É imperativo que os líderes de nosso país tenham coragem suficiente para erradicar perigos desta natureza. Para tanto, muitas vezes basta que se cumpra, com determinação, as letras da lei. Não se esqueçam que, assim como nós, a grande maioria dos nossos concidadãos está exasperada com a sua covardia e seu comprometedor silêncio."
"Conforme salientou certa vez o Cardeal Mercier, Primaz da Bélgica: 'quando a prudência está em toda parte, a coragem não está em lugar nenhum.' Senhoras e senhores, parem de se equivocar, a situação é grave, o trabalho que temos pela frente é desafiador, não percam tempo e saibam que estamos dispostos a apoiar políticas para salvaguardar a nação."
"Por outro lado, se nada for feito, o descaso continuará se alastrando, inexoravelmente, por toda a sociedade. Um belo dia, haverá uma explosão e nossas fileiras na ativa serão forçadas a intervir e cumprir a perigosa missão de proteger nossos valores civilizacionais e salvaguardar a vida dos nossos concidadãos."
"Assim sendo, não é possível continuar fazendo corpo mole. Senão, amanhã a guerra civil acabará com este crescente caos e haverá milhares de mortes, pelas quais vocês detentores do poder serão responsáveis."
Reações na França
A carta, publicada no 60º aniversário do fracassado golpe contra o governo de Charles de Gaulle, provocou duras críticas do governo francês.
O Primeiro Ministro Jean Castex ressaltou que a carta vinda de figuras militares era "contrária a todos os nossos princípios republicanos, à honra e ao dever das forças armadas".
A ministra da Defesa, Florence Parly, prometeu punir todos os signatários da carta que ainda estejam servindo no exército. "Dois princípios imutáveis norteiam a ação dos militares em relação à política: neutralidade e lealdade", postou ela em um tuíte.
A ex-ministra da Justiça da França, Rachida Dati, agora prefeita da 7ª circunscrição de Paris, concordou com o conteúdo da carta, mas ressaltou que os militares não devem se envolver na política. Em uma entrevista para a rádio France Info, Dati, filha de imigrantes muçulmanos, enfatizou:
"O que está escrito nesta carta é um retrato da realidade. Quando se tem um país atormentado pela guerra de guerrilha urbana, quando se tem uma constante e altíssima ameaça terrorista, quando se tem um número crescente de fragorosas e flagrantes desigualdades, quando se tem uma parcela de patriotas que estão rompendo com a sociedade, não dá para dizer que o país está indo bem."
"Hoje a polícia virou alvo de terroristas e eu considero que a polícia não conta com apoio suficiente, inclusive de instituições e principalmente do judiciário. Temo que um dia a polícia irá se esfacelar e, se isto acontecer, nós iremos para muito além da desintegração da sociedade."
A candidata à presidência Marine Le Pen endossou a carta, mas também ressaltou que a mudança deverá ocorrer por meio de um processo político democrático, não por meio de intervenção militar. Em um artigo publicado pelo Valeurs Actuelles em 23 de abril, ela salientou:
"Como cidadã e como política, assino embaixo a sua análise e compartilho com a sua desolação. Tal qual vocês, acredito que é dever de todos os patriotas franceses, onde quer que estejam, defender a recuperação e até, porque não dizer, a salvação do país..."
"As recentes declarações do Presidente da República sobre o seu projeto de 'desconstruir a história da França' mostram de fato que esses nocivos desvios não são resultado de um momento de perplexidade e sim de uma direção política impulsionada por considerações ideológicas fundamentalmente corruptoras."
"Seus temores expressados corajosamente não podem empacar no estágio da indignação por mais fortes que sejam. Eles requerem, em uma democracia, a procura de uma solução política que deve se materializar por meio de um projeto alternativo a ser validado pelos eleitores franceses."
"Este é o objeto da minha abordagem política e da minha candidatura à Presidência da República cujo objetivo é de um governo de União Nacional (un gouvernement d'Union nationale)"
"Altas autoridades e personalidades da sociedade civil já se juntaram a nós. Convido-os a juntarem-se à nossa ação de participar na próxima batalha (campanha presidencial), que com certeza é uma batalha tanto política quanto pacífica, mas que é acima de tudo a batalha pela França."
O sentimento expresso na carta aberta, ao que tudo indica, conta com amplo apoio popular, de acordo com uma nova pesquisa de opinião. A enquete da Harris Interactive realizada para a televisão LCI em 29 de abril descobriu que 58% dos entrevistados apoiam os militares que assinaram a carta. Praticamente um em cada dois (49%) disseram que as forças armadas deveriam intervir para preservar a ordem, mesmo sem a solicitação do governo.
A enquete também descobriu que:
- 86% concordam com a afirmação de que em certas cidades e distritos as leis da República não são aplicadas;
- 84% concordaram que na França a violência cresce a cada dia;
- 74% concordaram que na França existe uma forma de antirracismo que agrava o ódio entre as comunidades;
- 73% concordaram que a sociedade francesa está se desintegrando;
- 62% concordaram que, ao pedir à polícia e à gendarmaria para que interviessem durante os protestos dos coletes amarelos (Gilet Jaune), o governo provocou uma perda de confiança na força pública;
- 45% concordaram que a França está à beira de uma guerra civil.
Enxurrada de ataques jihadistas
A carta aberta e a resposta de Le Pen apareceram em meio a uma enxurrada de pelo menos nove ataques consecutivos de jihadistas na França, todos cometidos por pessoas desconhecidas dos serviços franceses de inteligência e que, portanto, não eram suspeitas de terem sido radicalizadas e, consequentemente, não constavam em nenhuma lista de jihadistas suspeitos. Os ataques sugerem que as autoridades francesas perderam o controle do monitoramento de radicais islâmicos no país.
No último ataque, cometido em 23 de abril de 2021, um jihadista tunisiano de 36 anos que entrou na França ilegalmente em 2009, mas obteve visto de residência em dezembro de 2020, matou a facadas uma funcionária do departamento administrativo de 49 anos de uma delegacia de polícia em Rambouillet, cidade pacata perto de Paris. Testemunhas o ouviram dizer "Allahu Akbar" durante o ataque. Ele foi baleado e morto pela polícia. A mulher deixa duas filhas órfãs, de 13 e 18 anos.
O ataque recente de grande repercussão ocorreu em 16 de outubro de 2020, quando um migrante checheno de 18 anos decapitou Samuel Paty, um professor de história e geografia de 47 anos em Éragny, um subúrbio de Paris. Paty foi assassinado depois que uma garota muçulmana de 13 anos, que estava cabulando aula, ansiosa para evitar que seu pai descobrisse que ela havia sido suspensa inventou uma história de que Paty mandou os alunos muçulmanos deixarem a sala de aula para que ele pudesse mostrar ao restante da classe "uma fotografia do Profeta nu". Um total de dez jihadistas, entre eles um imã, o pai de um aluno e dois alunos da escola de Paty, foram indiciados pelo crime. Paty deixa órfão um menino de cinco anos.
Enquanto isso, em 14 de abril, a mais alta corte judicial da França, o Cour de Cassation (Supremo Tribunal),deliberou que Kobili Traoré, um migrante de 32 anos do Mali, que, em 4 de abril de 2017, assassinou aos berros de "Allahu Akbar", a idosa Lucie Attal-Halimi (também conhecida como Sarah Halimi), uma judia de 65 anos, e a jogou para fora da varanda, não pôde ser julgado porque ele supostamente teve um "surto delirante" induzido pelo consumo de maconha e que, portanto, não tinha pleno gozo de suas faculdades mentais.
A decisão gerou protestos em massa em Paris e em outras cidades francesas. Posteriormente, o presidente Emmanuel Macron pediu uma mudança na lei francesa para resolver o problema. Em entrevista concedida ao jornal Le Figaro ele salientou: "consumir narcóticos e depois 'ficar doidão' não deveria, na minha opinião, livrá-lo de sua responsabilidade criminal."
Em resposta à carta aberta dos generais franceses, Macron também prometeu tomar duras medidas contra os jihadistas suspeitos.
Em 28 de abril, o primeiro-ministro Jean Castex ressaltou que o governo planeja apresentar um projeto de lei ao Parlamento visando obter autoridade permanente para ordenar as empresas de telecomunicações a monitorarem não só os dados das transmissões telefônicas como também os sites acessados por seus usuários em tempo real. Algoritmos do governo iriam alertar autoridades governamentais do serviço de inteligência quando caírem no pente fino de determinados critérios, como por exemplo um usuário da Internet visitando uma sequência específica de páginas.
Enquanto isso,pesquisas de opinião mostram que Marine Le Pen venceria o primeiro turno da eleição para presidente marcada para 9 de abril de 2022 e que Macron derrotaria Le Pen por apertada margem no segundo turno em 15 de abril. Isso significa que os dois primeiros colocados estão tecnicamente empatados e que os potenciais ataques jihadistas a serem realizados de hoje até o dia das eleições muito provavelmente irão atrair mais eleitores para Le Pen.
Em recente entrevista concedida ao Financial Times o ex-ministro da economia, Arnaud Montebourg, salientou que Le Pen poderá derrotar Macron devido ao caráter "esnobe" do atual presidente e às políticas "oligárquicas" que alienaram eleitores e alavancaram a popularidade de Le Pen. "Macron é odiado porque ele é arrogante", ressaltou Montebourg. "De modo que ele não é o 'baluarte'. Ele é o 'cara' que irá içar Madame Le Pen ao poder."
Em uma recente análise realizada pela Fundação Jean-Jaurès, um think tank ligado ao Partido Socialista, previu que Le Pen poderá derrotar Macron se um número suficiente de eleitores se abstiverem de votar no segundo turno:
"Quando perguntamos à população francesa o que ela sente ao ver ou ouvir Emmanuel Macron, as quatro emoções que mais se destacam são extremamente negativas. Os sentimentos que se sobressaem são: 'raiva' (28%), 'desespero' (21%), 'nojo' (21%) e 'vergonha' (21%) que os franceses pensam em Macron... Não podemos ignorar o fato de que ele é particularmente odiado por uma parcela substancial do eleitorado..."
"Os simpatizantes republicanos expressam emoções ainda mais negativas em relação a Emmanuel Macron do que em relação a Marine Le Pen. Com certeza, esta rejeição a Emmanuel Macron, vista em grande parcela da população, prejudicaria o presidente sainte com vistas a uma segunda rodada".
Uma enquete do Ifop (Instituto Francês de Opinião Pública) publicada pelo jornal Journal du Dimanche em 24 de abril constatou que 86% dos entrevistados disseram que a segurança — terrorismo e delinquência — será o tema central das próximas eleições. O problema da segurança saltou 26 pontos desde maio de 2020, segundo o Ifop.
Os Subúrbios são Criadouros do Extremismo Islâmico
Estima-se que a população muçulmana da França já tenha chegado à casa dos seis milhões ou seja cerca de 9%, a grosso modo, de acordo com um recente levantamento do instituto de pesquisa Pew Research. Ninguém, a bem da verdade, sabe qual é o número exato de muçulmanos na França e, até mesmo o Pew admite que "a França não fez nenhum censo em relação à religião desde 1872."
O que se sabe, no entanto, é que milhões de muçulmanos que se encontram na França não aparecem nas estatísticas oficiais. O analista francês Yves Mamou explica:
"este número (seis milhões) sequer leva em conta a população muçulmana que imigrou para a França do Norte da África nos anos 1960 e início dos anos de 1970. Há alguns milhões deles, ninguém sabe exatamente quantos. Eles se tornaram franceses muito cedo e, para os demógrafos, seus netos e bisnetos não são mais considerados imigrantes. Estes muçulmanos estão, ao contrário, integrados nas estatísticas como cidadãos franceses nascidos de pais franceses. Eles são muçulmanos, mas camuflados do radar das estatísticas."
De qualquer maneira, o Pew estima que num "cenário de migração zero", a população muçulmana da França crescerá 12,7% em 2050, num "cenário de migração média", a população muçulmana da França deverá aumentar para cerca de 13 milhões de habitantes e representar 17% da população francesa. Em um "cenário de alta migração", a população muçulmana da França ultrapassará um quinto da população total.
Muitos muçulmanos da França vivem em subúrbios com alto índice de pobreza e alta criminalidade, chamados de Banlieues, terrenos férteis para o fundamentalismo islâmico, não raramente chamados de zonas proibidas por conta do perigo que representam para a polícia e demais representantes da autoridade estatal.
O presidente Macron tem reduzido substancialmente projetos para reabilitar os banlieues e, contrariando as expectativas, apelou aos prefeitos locais e grupos da sociedade civil para que encontrem soluções nos movimentos de base. O fracasso de Macron de melhorar as condições de vida nos subúrbios foi condenado por líderes de todas as vertentes políticas.
Marine Le Pen observou que Macron não tratou dos problemas da imigração e islamismo:
"praticamente nenhuma palavra sobre a imigração, nenhuma palavra sobre o fundamentalismo islâmico. Sabemos perfeitamente que estes problemas são em parte a origem das dificuldades nos subúrbios. A recusa de enxergar a realidade é condenar a si próprio ao fracasso."
Cerca de seis milhões de pessoas, cerca de um décimo da população da França, vivem em 1.500 bairros classificados pelo governo como Zonas Urbanas Sensíveis (zones urbaines sensibles, ZUS)
Em outubro de 2011, um relatório histórico de 2.200 páginas: "Subúrbios da República"("Banlieue de la République") constatou que muitos subúrbios franceses estão se tornando "sociedades islâmicas separadas", isoladas do estado francês, onde a lei islâmica está rapidamente tomando o lugar do direito civil francês. O relatório revela que imigrantes muçulmanos estão cada vez mais rejeitando os valores franceses, preferindo enveredar pelo islamismo radical.
Os autores do relatório alertaram que a França está à beira de uma grande explosão social por causa do fracasso dos muçulmanos de se integrarem à sociedade francesa.
Soeren Kern é colaborador sênior do Gatestone Institute sediado em Nova Iorque .