A tomada do Afeganistão pelo Talibã está prestes a desencadear uma onda jamais vista de migrantes afegãos rumo à Europa. Foto: candidatos a asilo afegãos desembarcam de um avião destinado à evacuação do Afeganistão, na base aérea Torrejon de Ardoz na Espanha, em 24 de agosto de 2021. (Foto: Pierre-Philippe Marcou/AFP via Getty Images) |
A tomada do Afeganistão pelo Talibã está prestes a desencadear uma onda jamais vista de migrantes afegãos rumo à Europa, que se ajeita para a chegada de centenas de milhares em potencial, quem sabe até milhões, de refugiados e migrantes do país devastado pela guerra.
O ministro do Interior alemão, Horst Seehofer, manifestou mau agouro, ao estimar que um contingente humano de até cinco milhões de pessoas tentarão deixar o Afeganistão rumo à Europa. Tal legião de migrantes, caso se confirme, fará a crise migratória de 2015, quando mais de um milhão de pessoas da África, Ásia e Oriente Médio se encaminharam para a Europa, parecer ser fichinha se comparada a esta.
Desde 2015, cerca de 570 mil afegãos, quase exclusivamente rapazes, solicitaram asilo na União Europeia, de acordo com estimativas da própria UE. Em 2020, o Afeganistão foi o segundo maior núcleo de candidatos a asilo na UE, ficando atrás apenas da Síria.
Os afegãos, muitos dos quais que tiveram extrema dificuldade em se assimilar ou se integrar na sociedade europeia, foram responsáveis por centenas, senão milhares, de ataques sexuais contra mulheres e meninas europeias nos últimos anos. A chegada à Europa de outros milhões de afegãos pressagia considerável convulsão social batendo na porta.
Os 27 estados membros da União Europeia estão, para variar, divididos sobre a maneira de se prepararem para o dilúvio migratório que já já despontará no horizonte. Os líderes de alguns países dizem ter a obrigação humanitária de acolher um grande número de migrantes afegãos. Outros argumentam que chegou a hora dos países islâmicos arcarem com o fardo.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, braço administrativo da União Europeia, salientou que a UE tem a "responsabilidade moral" de acolher aqueles que fogem do Talibã. Líderes de muitos estados membros da UE discordam.
Na Áustria, que nos últimos anos acolheu mais de 40 mil afegãos (o segundo maior contingente na Europa depois da Alemanha, que acolheu 148 mil afegãos), o chanceler Sebastian Kurz asseverou que seu país não acolherá mais afegãos. Em entrevista concedida ao canal de TV austríaco Puls 24, ele ressaltou que a Áustria já havia "contribuído enorme e desproporcionalmente" em relação ao Afeganistão:
"sou categoricamente contra o acolhimento de outro contingente de migrantes. Isso não acontecerá enquanto eu for chanceler. Receber pessoas que depois não conseguem se integrar é um monumental problema para nós como país."
Em uma declaração conjunta o ministro do interior da Áustria, Karl Nehammer e o ministro das relações exteriores Alexander Schallenberg, defenderam a deportação para países islâmicos de afegãos que estão ilegalmente no país, já que de acordo com a legislação da UE, eles não podem ser deportados de volta para o Afeganistão:
"caso seja impossível deportá-los por conta das restrições que nos foram impostas pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos, deverão ser consideradas alternativas. Centros de deportação na região ao redor do Afeganistão seriam uma possibilidade. Isso requer a força e o apoio da Comissão Europeia."
Em entrevista à agência de notícias APA, Nehammer insistiu que as deportações devem ser vistas como uma questão de segurança e não como uma questão humanitária:
"é fácil preconizar o banimento das deportações para o Afeganistão e por outro lado ignorar os previsíveis movimentos migratórios. Aqueles que precisam de proteção devem recebê-la o mais próximo possível de seu país de origem.
"A proibição integral da deportação é um fator de atração para a migração ilegal e só faz aumentar o imprudente e cínico negócio dos contrabandistas e, portanto, do crime organizado.
"Na qualidade de ministro do Interior, sou o responsável nº1 pelas pessoas que vivem na Áustria. Acima de tudo, isso significa proteger a paz social e o estado de bem-estar no longo prazo."
Schallenberg adiantou:
"a crise no Afeganistão não está se desdobrando numa redoma. Mais cedo ou mais tarde, o conflito e a instabilidade na região se espalharão para a Europa e, por conseguinte, para a Áustria."
Uma sondagem de opinião publicada pela Österreich 24 revelou que quase três quartos dos entrevistados apoiam a linha dura do governo austríaco frente à migração afegã. A enquete vinculou o apoio a um processo criminal que abalou o país ocorrido em Viena no qual quatro afegãos drogaram e estupraram uma menina de 13 anos que foi estrangulada, desmaiou e veio a óbito.
Na Alemanha, a migração do Afeganistão virou assunto do dia em face das eleições federais marcadas para 26 de setembro. Paul Ziemiak, secretário geral da União Democrática Cristã (CDU), partido da chanceler alemã Angela Merkel, salientou que a Alemanha não deveria adotar a política de migração de portas abertas adotada em 2015, quando ela autorizou a entrada no país de mais de um milhão de migrantes oriundos da África, Ásia e Oriente Médio. Em entrevista concedida à emissora alemã n-tv, ele enfatizou:
"temos plena convicção que 2015 não deveria se repetir. Não temos condições de resolver o problema do Afeganistão com a migração para a Alemanha".
Armin Laschet, candidato a chanceler da CDU, permaneceu em silêncio quanto à questão afegã, bem como Olaf Scholz candidato a chanceler pelo Partido Social-Democrata (SPD). Na contramão, Annalena Baerbock, candidata a chanceler pelo Partido Verde, conclamou a Alemanha a acolher bem mais do que 50 mil afegãos. "Temos que nos adaptar a isto", salientou ela em entrevista à rede de TV ARD.
Nesse ínterim, criminosos afegãos, entre eles estupradores e traficantes de drogas, que haviam sido deportados para o Afeganistão agora voltaram para a Alemanha em voos destinados à evacuação. Logo após o desembarque em solo alemão, de pronto solicitaram asilo. "Não há nada de novo nisto, que deportados da Alemanha voltem ao país," ressaltou um porta-voz do ministério do interior.
Na França, o presidente Emmanuel Macron defendeu uma resposta europeia coordenada para evitar a migração em massa do Afeganistão:
"a desestabilização do Afeganistão provavelmente aumentará o adoidado fluxo migratório para a Europa... A Europa por si só não terá condições de arcar com as consequências da situação. Temos que planejar e nos proteger do estouro da boiada que colocará em perigo aqueles que fazem parte dela e fomentam o tráfico de todos os tipos."
Marine Le Pen, que disputa cabeça a cabeça o primeiro lugar com Macron nas pesquisas de opinião na corrida para as eleições presidenciais francesas marcadas para abril de 2022, realçou que a França deveria dizer "não" à migração em massa de refugiados afegãos. A petição no site de seu partido diz, "Afeganistão: NÃO a uma nova autoestrada migratória!" -assinala:
"estamos plenamente cientes das tragédias humanas e da flagrante angústia de alguns dos legítimos refugiados. Mas o direito de asilo não deve continuar sendo, como é agora, o Cavalo de Troia da imigração maciça, descontrolada e imposta do islamismo e, em alguns casos do terrorismo, como foi o caso de certos jihadistas envolvidos nos ataques de 13 de novembro de 2015 (data em que uma série de ataques jihadistas coordenados ocorreram em Paris, nos quais mais de 130 pessoas foram mortas e outras de 400 ficaram feridas.)
"Prefeitos de grandes cidades já anunciaram a intenção de acolher refugiados. Em nossa opinião, é obviamente um risco aos nossos patrícios."
"O que importa para nós em primeiro lugar é a proteção de nossos compatriotas."
Enquanto isso, cinco afegãos transportados de avião para a França estão sendo monitorados pelas unidades antiterrorismo por suspeitas de ligações com o Talibã, de acordo com o ministério do interior francês. Um deles, que trabalhava para a embaixada francesa em Cabul, admitiu, mediante interrogatório, ter cuidado anteriormente de um posto de controle do Talibã. Outros 20 afegãos levados para a França estão sendo investigados por fraudes relacionadas a asilo.
Na Grécia o governo, temendo a repetição da crise migratória de 2015, construiu uma cerca de 40 km e instalou um novo sistema de vigilância na fronteira com a Turquia para impedir que migrantes afegãos avancem rumo à Europa. De uns anos para cá, a Grécia tem sido um importante portão de entrada para a Europa de migrantes da África, Ásia e Oriente Médio.
O Ministro da Ordem Pública Michalis Chrisochoidis salientou:
"não podemos esperar passivamente o impacto despontando no horizonte. Nossas fronteiras permanecerão seguras e invioláveis".
O ministro da migração e asilo da Grécia, Notis Mitarachi, ressaltou que a UE precisa "dar o recado certo" para evitar uma nova crise migratória "que a Europa não tem condições de aguentar. Ele sublinhou: "nosso país não será o portão de entrada para a Europa de migrantes afegãos ilegais."
Na Itália, o primeiro ministro Mario Draghi pediu ao Grupo das 20 maiores economias que realizem uma reunião de cúpula para tratar da situação no Afeganistão. O jornal italiano La Repubblica observou:
"para Draghi, o G20, tem valor estratégico: é neste fórum que se pode e deve chegar a um compromisso que una não só as forças de um Ocidente que sairam espancadas da sua missão de vinte anos no Afeganistão, mas também e acima de todos aqueles países como China, Rússia, Arábia Saudita e Turquia que têm interesses e influência no autoproclamado estado islâmico".
No Reino Unido, o primeiro ministro Boris Johnson, apresentou ao parlamento um plano para receber 20 mil migrantes afegãos:
"devemos lidar com o mundo como ele é, aceitando o que alcançamos e o que não alcançamos.."
"Não mandaremos ninguém de volta para o Afeganistão e nem, a propósito, permitiremos que venham indiscriminadamente do Afeganistão a este país."
"Queremos ser generosos, mas temos de cuidar da nossa própria segurança."
Na Turquia, o governo está construindo um muro de 295 km ao longo da fronteira com o Irã para evitar uma nova enxurrada de migrantes do Afeganistão. O presidente turco Recep Tayyip Erdoğan salientou ser "inevitável" uma nova onda migratória se o Afeganistão e o Irã não conseguirem proteger suas fronteiras. Ele ressaltou que a Turquia não se tornará um "depósito de refugiados" para os afegãos em fuga:
"faz-se necessário lembrar aos nossos amigos europeus o seguinte fato: a Europa, que virou o centro de atração de milhões de pessoas, não pode ficar fora do problema dos refugiados afegãos fechando cruelmente suas fronteiras para proteger a segurança e o bem-estar de seus cidadãos. A Turquia não tem nenhuma obrigação, responsabilidade ou dever de ser o armazém de refugiados da Europa."
Enquanto isso, milhares de migrantes afegãos estão chegando nos países europeus, como Bélgica, Croácia, Dinamarca, Estônia, Finlândia, Hungria, Irlanda, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Polônia, Portugal, Sérvia e Suécia, entre outros.
Albânia, Macedônia e Kosovo (para visualizar clique aqui, aqui e aqui) concordaram em abrigar temporariamente centenas de afegãos que trabalharam com forças militares ocidentais para a manutenção da paz e agora estão ameaçados pelo Talibã.
A Espanha enfatizou que iria acolher temporariamente até 4 mil migrantes afegãos em duas bases militares usadas pelos Estados Unidos.
A Eslovênia , que atualmente detém a presidência rotativa de seis meses da UE, realçou que a União Europeia não permitirá uma escalada na migração afegã. O primeiro ministro Janez Janša tuitou:
"a #EU não abrirá nenhum corredor europeu 'humanitário' ou de migração para o #Afghanistan. Não permitiremos que o erro estratégico de 2015 se repita. Só ajudaremos aqueles que nos ajudaram durante a #NATO Operation. E os membros da UE que protegem nossas fronteiras da União Europeia."
Enquanto isso, dezenas de migrantes afegãos estão encurralados ao longo da fronteira entre a Polônia e a Bielorrússia. A Polônia e os países bálticos da Estônia, Letônia e Lituânia disseram que a prática do presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, de levar migrantes ao outro lado de suas fronteiras é um ato de "guerra híbrida". Lukashenko está sendo acusado de vingança pelas sanções impostas pela UE em relação à controvérsia em torno da sua reeleição e da violenta repressão contra dissidentes.
O primeiro ministro da Polônia Mateusz Morawiecki salientou que embora se compadeça com os migrantes afegãos, afirmou que eles eram "uma ferramenta nas mãos do Sr. Lukashenko" e que a Polônia não capitulará a "esse tipo de chantagem".
Soeren Kern é colaborador sênior do Gatestone Institute sediado em Nova Iorque .