O governo chinês está boicotando redes de lojas do ramo do vestuário do Ocidente por estas manifestarem preocupação quanto ao trabalho forçado em Xinjiang. O pivô da contenda gira em torno de denúncias segundo as quais o governo chinês está forçando mais de 500 mil uigures e outras minorias étnicas e religiosas muçulmanas a colherem algodão em Xinjiang, que produz 85% do algodão da China representando um quinto na cadeia mundial de suprimentos da commodity. Cerca de 70% da colheita nos campos de algodão da região é feita manualmente. Foto: mulheres colhendo algodão manualmente em Hami, Xinjiang, em 20 de setembro de 2015. (Foto: STR/AFP via Getty Images) |
O governo chinês está boicotando varejistas do ramo do vestuário do Ocidente por estes manifestarem preocupação quanto ao trabalho forçado em Xinjiang, a maior região da China. As empresas estão sendo pressionadas a deletarem de seus sites qualquer referência sobre políticas corporativas no tocante aos direitos humanos, voltarem atrás nas decisões de pararem de comprar algodão produzido em Xinjiang e removerem mapas que retratem Taiwan como país independente.
A escalada na contenda veio após a União Europeia e o Reino Unido terem, em 22 de março, engrossado fileiras com os Estados Unidos e Canadá no sentido de impor sanções contra autoridades chinesas por abusos aos direitos humanos em Xinjiang, remota região autônoma no noroeste da China.
Especialistas em direitos humanos afirmam que pelo menos um milhão de muçulmanos se encontram detidos em campos de internamento, que podem chegar a 380, onde são submetidos à tortura, estupros em massa, trabalho forçado e esterilizações.
Empresas ocidentais que fazem negócios na China enfrentam gradativa e incessantemente um dilema intragável: como defender os valores ocidentais e se distanciar dos abusos dos direitos humanos sem provocar retaliação do governo chinês e perder o acesso a um dos maiores mercados e com maior expansão do planeta.
O pivô da contenda atual gira em torno de denúncias segundo as quais o governo chinês está forçando mais de 500 mil uigures e outras minorias étnicas e religiosas muçulmanas a colherem algodão em Xinjiang, que produz 85% do algodão da China representando um quinto na cadeia mundial de suprimentos da commodity. Cerca de 70% da colheita nos campos de algodão da região é feita manualmente. As denúncias de trabalho forçado afetam todas as cadeias de suprimento do Ocidente relacionadas à matéria-prima do algodão de Xinjiang. Tanto a União Europeia quanto os Estados Unidos importam mais de 30% de seus suprimentos de vestuário e têxteis da China.
Em outubro de 2020, a Better Cotton Initiative (BCI), influente grupo sem fins lucrativos que promove a produção sustentável do algodão, suspendeu o licenciamento do algodão de Xinjiang, citando denúncias e "escalada quanto ao risco" de trabalho forçado. Desde então a asserção foi retirada do site da BCI e, desconcertantemente, também não está mais acessível no Arquivo da Internet.
Depois que a BCI parou de licenciar a produção de algodão de Xinjiang, seus afiliados, que contam com mais de 1.800 integrantes, abrangendo toda a cadeia de suprimentos globais do algodão, entre os quais se encontram Adidas da Alemanha, Burberry do Reino Unido, varejistas suecos H&M e IKEA e Nike dos EUA, informaram que deixarão de usar o algodão proveniente de Xinjiang, em conformidade com as orientações do grupo.
Na época, a H&M, o segundo maior varejista de moda do mundo, postou a seguinte declaração em seu site:
"O Grupo H&M está muito preocupado com as denúncias de organizações da sociedade civil e da mídia compreendendo acusações de trabalho forçado e discriminação de minorias étnico-religiosas na Região Autônoma Uigur de Xinjiang (XUAR). Proibimos explicitamente qualquer tipo de trabalho forçado em nossa cadeia de suprimentos, independentemente do país ou região..."
"Nós não trabalhamos com nenhuma indústria de confecções localizada em XUAR e não fornecemos produtos daquela região. Divulgamos de forma transparente nomes e locais das plantas, indústrias e fiações que constam da nossa lista que é de conhecimento público dos fornecedores, continuaremos agindo desta maneira e aceleraremos ainda mais essa transparência para nossa cadeia global de suprimentos."
"Além disso, conduzimos uma investigação em todas as indústrias de confecções com as quais trabalhamos na China, com o objetivo de assegurar que os funcionários estejam empregados de acordo com nosso Compromisso de Sustentabilidade e que cumpram nossas normas concebidas para os trabalhadores migrantes."
A declaração, em grande medida despercebida na época, foi tirada do fundo do baú após o anúncio de sanções da UE. A Liga da Juventude Comunista, movimento juvenil do Partido Comunista Chinês, emitiu o seguinte comunicado em uma postagem no Weibo, o Twitter chinês : "disseminar boatos com o objetivo de boicotar o algodão de Xinjiang e ao mesmo tempo fazer dinheiro na China? Até parece!
A ira em torno do banimento do algodão de Xinjiang por parte da H&M rapidamente se transformou num frenesi nas redes sociais chinesas onde muitos conclamaram um boicote nacional à empresa. Aplicativos de mapas e de transporte compartilhado bloquearam a H&M. As principais plataformas de comércio eletrônico chinesas descartaram a marca em suas plataformas. Proprietários de imóveis furiosos rescindiram contratos de aluguel e forçaram a H&M a fechar algumas de suas 500 lojas na China, o quarto maior mercado da empresa, atrás da Alemanha, Estados Unidos e Grã-Bretanha.
A represália nacionalista chinesa logo se expandiu para outras empresas ocidentais de vestuário e calçados, entre elas Adidas, Burberry, Calvin Klein, Lacoste, New Balance, Nike, Puma, Tommy Hilfiger, Uniqlo e Zara, depois que a mídia estatal criticou as marcas por expressarem preocupação em relação a Xinjiang. Mais de 30 celebridades chinesas anunciaram que estavam revogando os contratos de publicidade com as grifes ocidentais. Algumas disseram que rejeitavam as articulações para "desacreditar a China".
A Associated Press reportou que a China estava "apagando" as marcas ocidentais da Internet:
"Em uma versão aerográfica de alta tecnologia usada pela China e por outros regimes autoritários para deletar desafetos políticos de fotos históricas, as cerca de 500 lojas da H&M da China não apareceram mais no aplicativo de transporte compartilhado Didi Chuxing nem nos serviços de mapas operados pelo Alibaba e Baidu. Seu aplicativo para smartphone sumiu das lojas de aplicativos."
"Não ficou claro se as empresas receberam ordens para deletar a presença online da H&M, mas espera-se que as empresas chinesas se alinhem sem que seja necessário instruí-las. Os reguladores têm amplos poderes para punir as empresas que não dão suporte às diretrizes oficiais..."
"Via de regra o Partido Comunista pressiona marcas estrangeiras de artigos de vestuário, viagens e demais produtos e serviços com respeito à atuação de seus governos ou com o propósito de obrigá-los a adotarem posições do regime em relação a Taiwan, Tibete e outras questões sensitivas."
"A maioria acede porque a China é um dos maiores mercados e com maior expansão do planeta em relação à moda, produtos eletrônicos e outras grifes do mercado consumidor."
Xu Guixiang, porta-voz do governo de Xinjiang, salientou:
"não acho que uma empresa deva politizar sua conduta comercial. A H&M poderá continuar a fazer dinheiro no mercado chinês? Não. Decidir apressadamente e participar de sanções não é nada razoável. É como levantar uma pedra e soltá-la sobre os próprios pés."
Em um comunicado datado de 31 de março, a H&M ressaltou que estava "comprometida a reconquistar a confiança de nossos clientes, colegas e parceiros de negócios na China". O comunicado, que não cita Xinjiang, ao que tudo indica, é uma malograda tentativa de encontrar um meio termo entre fazer afagos ao governo chinês e botar panos quentes nos grupos de direitos humanos do Ocidente.
"Por que a H&M não se retrata publicamente com os consumidores?" perguntou a televisão estatal China Central Television. Ela considerou o comunicado da H&M uma "matéria de relações públicas de segunda categoria, cheia de palavras vazias, da boca para fora".
Gao Feng, porta-voz do Ministério do Comércio salientou que o trabalho forçado em Xinjiang "inexiste e totalmente imaginário" e que tais denúncias nada mais são do que calúnias:
"nos opomos a quaisquer forças externas que interfiram em assuntos relacionados a Xinjiang e nos assuntos internos da China. Também nos opomos a sanções impostas a indivíduos e entidades chinesas alicerçadas em mentiras e informações falsas sob o pretexto das assim chamadas questões de direitos humanos em Xinjiang."
Na sequência, autoridades chinesas pressionaram a H&M e outras marcas a mudarem seus "mapas problemáticos da China" em seus sites. A filial de Xangai da Administração do Ciberespaço da China se opôs à forma como Taiwan, país insular independente que Pequim alega fazer parte de seu território, é retratado nas versões taiwanesas em seus sites.
Depois que a H&M cedeu à pressão chinesa e mudou o mapa, o governo ordenou à H&M "remediar imediatamente" sua forma de apresentar as disputas territoriais no mar da China Meridional, 90% das quais são reivindicadas por Pequim. A H&M disse amém, o que só serviu para enfurecer o Vietnã, que também sustenta serem suas algumas das águas.
Enquanto isso, na tentativa de conter as acusações de abusos dos direitos humanos em Xinjiang, o governo chinês produziu um novo musical, aparentemente imitando o clássico americano "A Noviça Rebelde", que retrata Xinjiang como um idílio rural de coesão étnica desprovido de repressão, vigilância em massa e até mesmo o Islã da maioria da população uigur.
O musical "Wings of Songs" procura reformular a realidade cultural da região, segundo a Agence France-Presse, que adiantou:
"o musical omite as câmeras de vigilância e controles de segurança que cobrem Xinjiang. Também estão ausentes referências ao Islã, apesar de mais da metade da população de Xinjiang ser muçulmana e também não aparecem mesquitas nem mulheres com véus."
Marcas Ocidentais e Cadeias de Suprimentos de Xinjiang
Em março de 2020, no informe "Uigures à Venda" o Australian Strategic Policy Institute revelou que os uigures estavam trabalhando em fábricas, em condição de trabalho forçado, que fazem parte das cadeias de suprimento de mais de 80 marcas globais de grifes famosas no segmento de vestuário, automotivo e tecnologia. Entre as empresas se encontram:
Abercrombie & Fitch, Acer, Adidas, Alstom, Amazon, Apple, ASUS, BMW, Bombardier, Bosch, Calvin Klein, Candy, Carter's, Cerruti 1881, Cisco, Dell, Electrolux, Fila, Founder Gap, General Motors, Google, H&M, Hitachi, HP, Jaguar, L.L. Bean, Lacoste, Land Rover, Lenovo, LG, Mercedes-Benz, MG, Microsoft, Mitsubishi, Nike, Nintendo, Nokia, Panasonic, Polo Ralph Lauren, Puma, Samsung, Sharp, Siemens, Skechers, Sony, Tommy Hilfiger, Toshiba, Uniqlo, Victoria's Secret, Volkswagen e Zara.
Em julho de 2020, o Financial Times reportou que marcas ocidentais, entre elas Brooks Brothers, Hugo Boss, Lacoste e Ralph Lauren, receberam remessas de peças de vestuário de uma empresa chinesa cuja subsidiária está sofrendo sanções dos EUA que a acusa de usar de trabalho forçado em Xinjiang.
Em maio de 2019, o Wall Street Journal informou que inúmeras marcas multinacionais, incluindo Adidas, C&A, Calvin Klein, Campbell's Soup Company, Coca-Cola, Disney, Esprit, Gap, H&M e Kraft Heinz e Patagonia, estavam se beneficiando, direta ou indiretamente, de fábricas que, ao que parece, fazem uso de trabalho forçado em Xinjiang.
Algumas empresas negaram as acusações, outras prometeram investigar e ainda outras prometeram interromper o recebimento de suprimentos de Xinjiang. A seguir estão algumas das respostas e declarações de marcas relacionadas à moda, foco da atual ira chinesa:
- Adidas. Um comunicado salienta: "em 2019, ao tomar conhecimento de denúncias contra várias empresas que se abastecem em Xinjiang, China, onde minorias étnicas, segundo denúncias, fazem uso de trabalho forçado em fiações, passamos a exigir explicitamente que nossos fornecedores de tecidos não comprassem nenhum fio da região de Xinjiang. A Adidas nunca manufaturou produtos em Xinjiang e não tem nenhuma relação contratual com nenhum fornecedor de Xinjiang."
- Burberry. Rede de lojas do Reino Unido, membro da Better Cotton Initiative, foi a primeira grife de luxo a sofrer com a represália chinesa em relação a Xinjiang. A Burberry perdeu um garoto-propaganda chinês da marca e seu logotipo foi deletado de um famoso videogame.
- Gap. Um comunicado da empresa enfatiza: "garantimos que não fornecemos peças de vestuário fabricadas em Xinjiang... Implementamos uma nova política que proíbe explicitamente os fornecedores da Gap Inc., de se abastecerem direta ou indiretamente de qualquer produto, componente ou material de manufatura de Xinjiang na composição de qualquer pedido da Gap Inc."
- Marks & Spencer. A rede britânica de lojas foi uma das primeiras grandes marcas a apoiar a campanha para acabar com o trabalho forçado em Xinjiang. Em janeiro de 2020, a empresa subscreveu um abaixo-assinado da 'Coalizão para Acabar com o Trabalho Forçado na Região de Uigur', composto por mais de 300 grupos da sociedade civil com o objetivo de cortar relações com fornecedores chineses que lucram com o trabalho forçado em Xinjiang.
- Nike. Um comunicado assinala: "estamos apreensivos com as denúncias de trabalho forçado na Região Autônoma Uigur de Xinjiang (XUAR). A Nike não comercializa produtos da XUAR e confirmamos com nossos fornecedores que eles não utilizam tecidos nem fios daquela região."
- New Balance. Um comunicado da empresa salienta: "reconhecemos que o risco de trabalho forçado aumenta à medida que subimos na cadeia de suprimentos, onde temos menos visibilidade e menor poder de influência. Estamos expandindo o mapeamento da cadeia de suprimentos do fio de algodão bem como pesquisando tecnologias e outros métodos no sentido de melhor garantir a origem das matérias-primas."
- Zara. A matriz da Zara, Inditex com sede na Espanha, removeu de seu site um comunicado sobre a política de tolerância zero da empresa em relação ao trabalho forçado. O comunicado que pode ser encontrado no Internet Archive, esclarece:
"levamos muito a sério as denúncias de práticas sociais e trabalhistas impróprias em qualquer parte da cadeia de suprimentos de artigos de vestuário e têxtil. Estamos cientes da existência de uma série de denúncias de negligência social e trabalhista em várias cadeias de suprimentos onde se encontram os uigures em Xinjiang (China) bem como em outras regiões, o que consideramos altamente preocupante. Após uma investigação interna, podemos confirmar que a Inditex não tem relações comerciais com nenhuma fábrica em Xinjiang."Johnson Yeung, ativista de direitos humanos de Hong Kong tuitou o seguinte:
"sofri pressões da mídia estatal chinesa e de consumidores chineses. A @InditexSpain @ZARA deletou secretamente a declaração sobre #Xinjiang Cotton de seu site. Eu realmente me preocupo que as empresas participem da atrocidade contra os uigures somente para garantir a lealdade. Segurando o rojão."
Comentários Seletivos
Richard Ebeling, conceituado estudioso de assuntos chineses, explicou ao Instituto Americano de Pesquisa Econômica porque o governo chinês persegue os uigures:
"Os uigures, assim como os tibetanos e demais grupos minoritários da China, foram e continuam sendo vítimas do imperialismo político e étnico da China. O governo chinês trabalha para assegurar a unificação política e a integração, em especial do Tibete e de Xinjiang por meio de uma política étnica e 'esterilização' cultural. Por décadas a fio, as autoridades chinesas em Pequim instigaram a migração da população chinesa da etnia han para essas duas regiões com o intuito de 'diluir' e reduzir a minoria demográfica, os povos uigures e tibetanos em suas próprias terras."
"O governo chinês procura punir e erradicar a prática do islamismo e do budismo, respectivamente, nestes povos. Os militares chineses profanaram templos religiosos e locais de culto, assassinaram e prenderam líderes religiosos, forçaram mulheres de ambos os grupos a se casarem com chineses han para 'limpar' geneticamente Xinjiang e o Tibete de suas populações autóctones e restringir ou proibir o aprendizado e a fala das diferentes línguas locais bem como a prática de seus costumes culturais."
"Embora, é claro, nunca tivessem dito oficial ou publicamente que a política do governo chinês de garantir a solidariedade política e a unidade em cada canto do território da China, é fazer do país um grupo de raça única, a dos chineses han."
A revista The Economist escreveu em um editorial que as redes de lojas ocidentais estão cada vez mais divididas entre os consumidores nacionalistas chineses e os conscienciosos em casa:
"Por mais de um ano, uma parcela das gigantes estrangeiras do setor de vestuário e tecnologia tem andado na corda bamba no que diz respeito aos abusos dos direitos humanos cometidos pela China contra os uigures, minoria étnica muçulmana concentrada na região noroeste de Xinjiang. As empresas têm trabalhado para limpar suas cadeias de suprimentos do trabalho forçado dos uigures, centenas de milhares dos quais colhem algodão em condições, ao que tudo indica, coercitivas. O que eles não fazem abertamente é se gabar deste trabalho, por medo de irritar o Partido Comunista e 1,4 bilhão de consumidores chineses..."
"A balbúrdia na Internet estimulada pelas autoridades chinesas na semana corrente sugere que Pequim pode estar se cansando desse jogo duplo. O governo da China, cada vez mais interessado em punir os críticos de suas políticas em Xinjiang, está forçando as empresas estrangeiras a se posicionarem, justo o que elas procuram evitar: apoiar a China ou cair fora do mercado chinês."
"Não é a primeira vez que as autoridades chinesas provocam protestos nacionalistas contra empresas estrangeiras e em seguida forçam o esfriamento dos ânimos, cientes de que deram seu recado. Desta vez no entanto, a campanha parece ser mais o ingrediente de um contra-ataque mais amplo e duradouro contra os críticos das políticas do governo em relação a Xinjiang, onde o regime encarcerou mais de 1 milhão de uigures em um gulag por conta de suas crenças religiosas e culturais..."
"O Partido Comunista se vê cada vez mais em condições de exercer pressão econômica em cima dos outros, usando o 'poderoso campo gravitacional' da segunda maior economia do mundo..."
"As grifes ocidentais que criaram raízes em Xinjiang temem serem vistas como vaquinhas de presépio diante do Partido Comunista e que o tiro possa sair pela culatra em relação aos consumidores do Ocidente, que cada vez mais esperam que as empresas se comportem de forma responsável em tudo, do modo de tratar os trabalhadores às mudanças climáticas... As empresas também podem estar calculando que o fervor nacionalista na China irá arrefecer. E estão agindo com cautela..."
"Isso tudo pode mudar à medida que a ira oficial da China às críticas às políticas de Xinjiang de um lado e a pressão de ativistas dos direitos humanos e consumidores ocidentais de outro continuarem a se intensificar. Ativistas dos direitos humanos já estão defendendo um boicote corporativo às olimpíadas de inverno marcadas para o ano que vem em Pequim... Eles sabem que ceder à pressão chinesa renunciando aos seus próprios compromissos quanto aos direitos humanos parece ser indefensável em seus mercados internos. Ao mesmo tempo, obviamente, eles também estão de cabeça quente quanto às consequências no que diz respeito à China. O dilema entre o lucrativo mercado chinês e os valores que as empresas professam no restante do mundo está se tornando inevitável... "
A emissora pública de rádio e TV suíça SWF escreveu que a balança pendeu para o lado do governo chinês:
"A indignação pública e o boicote beneficiam o governo chinês de várias maneiras: internamente, o boicote desvia a atenção sobre as denúncias de violações dos direitos humanos e apresenta a questão como um ataque do Ocidente à China."
"O caso H&M também serve como um exemplo arrepiante em relação a outros países. A mensagem para as empresas internacionais: não mexa com a China."
O Frankfurter Allgemeine Zeitung destacou o conflito moral enfrentado pelos países ocidentais:
"As empresas ocidentais estão diante de um dilema: no Ocidente, muitos de seus clientes se recusam a usar uma camiseta fabricada por mão de obra submetida ao trabalho forçado. Na China, importante mercado tanto de produção quanto de consumo, as empresas sofrem pressão quando criticam abertamente o trabalho forçado. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come."
"Considere a grife Hugo Boss. A marca da cidade suábia de Metzingen, famosa pelos ternos masculinos, mostra como uma empresa que procura uma saída para este dilema moral e econômico, e ao fim e ao cabo, dá com os burros n'água e perde nos dois mercados."
"Weibo, a plataforma chinesa da internet, uma espécie de Twitter chinesa, recentemente convocou um boicote contra a Hugo Boss. Dois proeminentes atores encerraram seu contrato com a empresa alemã e usuários da rede social chinesa zombaram da gabação do fabricante de roupas."
"O que aconteceu?"
"Há poucos dias, a Hugo Boss postou na Weibo que respeita a soberania chinesa, que o algodão de Xinjiang está entre os melhores do mundo e que continuará comprando o produto. Tal postagem provavelmente não teria sido percebida no Ocidente não fosse o portal de mídia Hong Kong Free Press, de língua inglesa, ter chamado a atenção ao post."
"A empresa disse a uma emissora americana em setembro passado que todos seus fornecedores tinham que provar que seus produtos não se originam de Xinjiang. De uma hora para a outra, surgiu a impressão que a Hugo Boss dizia uma coisa na China e outra coisa, bem diferente, no Ocidente."
"Depois que a publicação de Hong Kong reportou as notícias desencontradas, a Boss deletou a da Weibo. Em seu lugar, a empresa agora se refere a uma declaração em inglês em sua conta do Weibo, na qual diz, referindo-se a Xinjiang: 'a Hugo Boss não tolera trabalho forçado'..."
"Ao ser perguntada pelo Die Zeit, uma porta-voz da Hugo Boss disse que a primeira mensagem na Weibo 'não foi autorizada'. Ela acrescentou: 'nossa posição em relação a isso, é claro, não muda já faz algum tempo.'"
"No entanto, com alguma dedicação é possível encontrar uma versão mais antiga da declaração do grupo na Internet, aquela que foi deletada do seu site há poucos dias, muito mais dura do que a mensagem que agora está sendo disseminada... Ela assim se comprometia: 'garantimos que, a partir de outubro de 2021, nossas novas coleções não conterão algodão ou outros materiais da região de Xinjiang.'"
O jornal alemão Die Welt escreveu que enquanto a Alemanha depender da China, a crítica moral não serve para nada:
"Um exemplo do antagonismo (transatlântico) quanto à abordagem correta em relação à China é o Acordo de Investimento da China, que a UE, sob a liderança de Angela Merkel, aprovou... ignorando todos os pedidos do governo Biden."
"O acordo pode melhorar um bocadinho, superficialmente, a situação dos investidores europeus na China. Acima de tudo, porém, ele representa uma importante conquista para Xi Jinping e assim fica mais fácil para ele dizer, caso seja necessário, que o Ocidente não consegue encontrar uma posição comum em relação à China."
"Nem mesmo os que defendem o acordo afirmariam que ele ajudaria a influenciar de forma positiva a situação dos direitos humanos na China. Nos dias de hoje, em particular, os europeus estão vendo novamente que a China não está preparada para entrar em um diálogo com o Ocidente sobre questões de direitos humanos. Muito pelo contrário, Pequim reage cada vez mais agressivamente a qualquer espécie de crítica..."
"As 5.200 empresas alemãs que atuam na China deram, nos últimos anos, à chancelaria alemã um cenário bem claro das suscetibilidades de seus parceiros de negócios chineses. É por isso que a Daimler rapidamente limpa um post na rede social sobre o Tibete se Pequim fizer cara feia. E é por isso que não se ouve nada da Volkswagen sobre a situação dos uigures, embora, ou melhor, justamente porque a empresa tem uma fábrica na província de Xinjiang. As empresas alemãs respondem por metade das exportações da UE para a China. A indústria de exportação alemã tem pouco interesse em macular este balanço patrimonial por conta de zelo moral."
"A dependência econômica da China, no entanto, coíbe ainda mais o já baixo impacto dos argumentos relacionados à moral. Enquanto a Europa, e neste caso a Alemanha em particular, não estiver preparada para reduzir esta dependência, as denúncias sobre violações dos direitos humanos na China irão, na melhor das hipóteses, continuar provocando perfunctórias reações defensivas de Pequim. "
Soeren Kern é colaborador sênior do Gatestone Institute sediado em Nova Iorque.