Um número cada vez maior de países europeus relata que milhões de equipamentos médicos e hospitalares doados ou comprados da China para conter a pandemia estão defeituosos e imprestáveis. Fotos: Funcionários separam equipamentos de proteção vindos da China em um armazém em Valência, Espanha, em 25 de março de 2020. (Foto: Juan Carlos Cardenas/Pool/AFP via Getty Images) |
À medida que o coronavírus avança a todo vapor pela Europa, um número cada vez maior de países relata que milhões de equipamentos médicos e hospitalares doados ou comprados da China para conter a pandemia estão defeituosos e imprestáveis.
As revelações estão botando mais lenha na fogueira quanto à desconfiança em relação ao empenho para melhorar a imagem pública do presidente chinês Xi Jinping e do Partido Comunista no sentido de pintar a China como a nova superpotência humanitária do planeta.
Em 28 de março, a Holanda foi forçada a fazer o recall de 1,3 milhão de máscaras fabricadas na China porque elas não atendiam aos requisitos mínimos de segurança para o pessoal da área médica. As assim chamadas máscaras KN95 são uma alternativa chinesa mais barata às máscaras N95, padrão americano, que estão em falta em todo o mundo. As KN95 não se ajustam ao rosto tão firmemente quanto as N95, potencialmente expondo a equipe médica ao coronavírus.
Mais de 500 mil das máscaras KN95 já tinham sido distribuídas aos hospitais holandeses antes do recall. "Quando as máscaras chegaram ao nosso hospital, eu de pronto não as aceitei", salientou um funcionário do hospital à emissora pública de rádio e TV holandesa NOS. "Se a vedação dessas máscaras não for adequada, as partículas do vírus simplesmente poderão passar por elas. Não podemos usá-las. Elas não são seguras para o nosso staff".
Em um esclarecimento por escrito, o Ministério da Saúde da Holanda ressaltou:
"A primeira remessa de um fabricante chinês foi parcialmente entregue no último sábado. São máscaras com certificado de qualidade KN95. Durante a inspeção, constatou-se que a remessa não atendia ao nosso padrão de qualidade. Parte da remessa já havia sido entregue a prestadores de serviços de saúde, o restante da carga foi imediatamente retido e a distribuição cancelada."
"O segundo teste também mostrou que as máscaras não atendiam ao nosso padrão de qualidade. Decidimos então que toda remessa não será utilizada. Novos carregamentos serão submetidos a testes adicionais".
O jornal holandês NRC Handelsblad publicou na edição de 17 de março que a Holanda dispunha de suprimentos de máscaras para poucos dias apenas: "agora, toda a esperança resta em um avião de carga que virá da China na quarta-feira". A má qualidade das máscaras entregues pela China deixou a Holanda em frangalhos. Um porta-voz de um hospital na cidade holandesa de Eindhoven disse que os fornecedores chineses estavam vendendo "um monte de lixo... a um custo exorbitante".
Enquanto isso, em 26 de março na Espanha, o Ministério da Saúde revelou que 640 mil testes de coronavírus comprados de um fornecedor chinês estavam com defeito. No quesito precisão, os testes fabricados pela Shenzhen Bioeasy Biotechnology Company na província de Guangdong, menos de 30% foram aprovados.
Em 2 de abril, o jornal espanhol El Mundo revelou que estava de posse de documentos vazados que mostravam que a Bioeasy mentiu ao governo espanhol sobre a precisão dos testes. A Bioeasy assegurou, por escrito, que seus testes tinham um índice de precisão de 92%.
Também em 2 de abril, o governo espanhol revelou que mais de um milhão de testes de coronavírus entregues à Espanha em 30 de março por outro fabricante chinês também estavam com defeito. Ao que tudo indica, eram necessários de cinco e seis dias para detectarem se um paciente estava infectado com coronavírus, portanto, não serviam para diagnosticar a doença em tempo hábil.
Em 25 de março o governo espanhol emitiu um comunicado que havia comprado suprimentos médicos da China no valor de US$470 milhões e que os fornecedores chineses exigiam receber o pagamento adiantado. O Ministro da Saúde da Espanha, Salvador Illa ressaltou:
"compramos e pagamos por 550 milhões de máscaras que começarão a chegar agora e continuarão chegando nas próximas oito semanas. Onze milhões de luvas chegarão nas próximas cinco semanas. Quanto aos kits de testes rápidos, adquirimos 5,5 milhões para os meses de março e abril. Além disso, receberemos 950 respiradores nos meses de abril a junho. Estamos negociando a compra de mais equipamentos".
Está longe de estar claro como o governo espanhol irá garantir a qualidade dessas volumosas novas compras nem como será a indenização se os produtos da China forem mais uma vez de má qualidade.
Em 28 de março o governo francês, que aparentemente possui um estoque de suprimentos para somente algumas semanas, emitiu um comunicado segundo o qual havia encomendado mais de um bilhão de máscaras faciais da China. Não está claro se os problemas de controle de qualidade enfrentados por outros países europeus irão influenciar as compras da França.
Outros países europeus e fora da Europa também criticaram a qualidade dos suprimentos médicos da China:
- Eslováquia. Em 1º de abril, o primeiro-ministro Igor Matovič assinalou que mais de um milhão de testes de coronavírus fornecidos pela China com pagamento em dinheiro no valor de US$16 milhões eram imprecisos e sem condições de detectar o COVID-19. "Temos uma tonelada de testes que não serve para nada", salientou ele: "esses testes deveriam ser jogados diretamente no Danúbio." A China acusou o pessoal da área médica eslovaca de usar os testes de forma incorreta.
- Malásia. Em 28 de março a Malásia recebeu uma remessa de equipamentos médicos doados pela China composto de kits de testes, máscaras de proteção facial, máscaras cirúrgicas e demais equipamentos de proteção individual. Noor Hisham Abdullah, funcionário do alto escalão do Ministério da Saúde, salientou que os kits de testes seriam avaliados quanto à precisão, uma vez que os kits recebidos anteriormente da China estavam com defeito: "estes kits são de outra marca . Avaliaremos s novos kits de testes aprovados pela FDA. O embaixador chinês me garantiu que estes eram mais precisos do que os que testamos antes". Abdullah declarou anteriormente que a precisão dos testes chineses "não era muito boa".
- Turquia. Em 27 de março, o Ministro da Saúde da Turquia, Fahrettin Koca realçou que a Turquia comparou as medições com padrões específicos de alguns testes de coronavírus fabricados na China, porém as autoridades "não estavam satisfeitas com os resultados". O professor Ateş Kara, membro da força-tarefa do coronavírus do Ministério da Saúde da Turquia, adiantou que o lote de kits de testes tinha uma precisão de apenas 30% a 35%: "Nós os aferimos. Eles não funcionam. A Espanha cometeu um erro gigantesco ao usá-los".
- República Tcheca. Em 23 de março, o site de notícias tcheco iRozhlas publicou que 300 mil kits de testes de coronavírus entregues pela China tinham um índice de erro de 80%. O Ministério do Interior da República Tcheca desembolsou US$2,1 milhões pelos kits. Em 15 de março, a mídia tcheca revelou que os fornecedores chineses tinham ludibriado o governo tcheco após este ter pago antecipadamente pelo fornecimento de cinco milhões de máscaras faciais que deveriam ter sido entregues em 16 de março.
Em 30 de março a China exortou os países europeus a não "politizarem" as preocupações com a qualidade dos suprimentos médicos da China. "Os problemas deverão ser adequadamente resolvidos com base em fatos e não em interpretações políticas", salientou Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores.
Em 1º de abril, o governo chinês deu uma guinada e anunciou que estava aumentando a supervisão das exportações de kits de testes de coronavírus fabricados na China. Os exportadores chineses de testes de coronavírus agora precisam obter um certificado da Administração Nacional de Produtos Médicos (NMPA) para serem liberados pela agência alfandegária da China.
Nesse ínterim, a gigante chinesa de telecomunicações Huawei emitiu um comunicado que deixaria de doar máscaras a países europeus por conta de comentários supostamente ofensivos do chefe de política externa da UE, Josep Borrell.
Em 24 de março, Borrell havia escrito em um blog que a China estava empenhada numa "política de cortesia" e também em uma "batalha global de narrativas".
Em 26 de março, um alto funcionário da Huawei ressaltou ao serviço de notícias Euractiv, de Bruxelas que, devido aos comentários de Borrell, a empresa encerraria seu programa de doações porque não queria se envolver em um jogo geopolítico de poder entre os EUA e a China.
Em 28 de março, a Huawei em matéria paga na publicação Politico Europe o representante nº 1 da Huawei na UE, Abraham Liu, escreveu:
"quero deixar claro o seguinte: nunca procuramos obter ganhos nem visibilidade ou favor de nenhum país pela ajuda que oferecemos. Tomamos uma decisão ponderada de não fazer alarde. Nossa ajuda não depende de nenhuma reciprocidade e não faz parte de nenhum negócio ou estratégia geopolítica como alguns querem fazer crer. Somos uma empresa privada. Queremos dar o melhor de nós para ajudar as pessoas. Só isso. Não há segundas intenções. Não queremos nada em troca. "
Em 30 de março, a BBC veiculou que a Huawei continuava atuando como se nada tivesse acontecido desde o início da crise do coronavírus:
"pode ser ingenuidade por parte da empresa. Embora nada tenha basicamente mudado em se tratando de questões técnicas e de segurança em torno dos equipamentos da Huawei, o clima político em relação à empresa com certeza piorou.
"Uma matéria publicada no Mail on Sunday no fim de semana retrata um alerta da Downing Street de que "haverá um acerto de contas" com a China com respeito à maneira dela lidar com o coronavírus.
"E isso provavelmente dará respaldo àqueles parlamentares que aconselham o governo a não permitir que nenhuma empresa chinesa desempenhe um papel na infraestrutura chave do Reino Unido".
Em 29 de março, o jornal britânico Daily Mail relatou que o primeiro ministro britânico Boris Johnson e seus aliados no parlamento "se voltaram" contra a China por conta da crise do coronavírus:
"Ministros e altos funcionários do alto escalão de Downing Street disseram que o país comunista já enfrenta um 'acerto de contas' sobre a maneira de lidar com o surto e corre o risco de se tornar um 'estado pária'."
"Eles estão furiosos com a campanha de desinformação da China, dela querer levar vantagem sobre a pandemia para auferir vantagens econômicas e segundo seus especialistas culpar os abomináveis abusos dos direitos dos animais pelo surto".
Em 28 de janeiro, Boris Johnson concedeu à Huawei o direito de fazer parte da rede móvel 5G da Grã-Bretanha, frustrando os esforços dos Estados Unidos para excluir a empresa do segmento de comunicações de última geração do Ocidente, que segundo consta, também pode ser usado para espionagem. O Financial Times de Londres sustentou que o presidente dos EUA, Donald J. Trump deu vazão à "fúria desvairada" em cima de Johnson numa tensa conversa por telefone. Johnson agora se vê às voltas com pressões de seu gabinete bem como de membros do Parlamento para que volte atrás.
Depois que as autoridades chinesas culparam os Estados Unidos e a Itália por originarem a pandemia do coronavírus, o Daily Mail citando uma fonte do governo britânico escreveu:
"há uma asquerosa campanha de desinformação em andamento e isso é inaceitável. Eles (o governo chinês) estão cansados de saber que as coisas deram muito errado nas mãos deles e em lugar de assumirem a responsabilidade disseminam mentiras".
O jornal contínua:
"Boris Johnson foi alertado por assessores científicos de que as estatísticas oficiais liberadas da China sobre o número de casos de coronavírus poderiam 'ter sido jogadas deliberadamente para baixo, por um fator de 15 até 40 vezes menos". E o nº 10 acredita que a China procura aumentar seu poder econômico em meio à pandemia com 'ofertas predatórias de ajuda' a países mundo afora."
"Uma grande reavaliação da política externa britânica foi adiada devido ao surto do Covid-19 e não estará disponível até que o impacto do vírus possa ser apurado. Uma fonte do governo intimamente ligada à revisão assinalou: 'ela voltará à estaca zero da diplomacia depois de tudo isso. Repensar é dourar a pílula'."
"Outra fonte adiantou: 'tem que haver um acerto de contas quando isso acabar.' Outro ainda reforçou: 'a fúria vai direto ao topo'."
"Um ministro do gabinete ressaltou: não podemos ficar de braços cruzados e permitir que a vontade de abafar do estado chinês arruíne a economia mundial e depois aceitar que o país volte numa boa como se nada tivesse acontecido. Estamos deixando que empresas como a Huawei não só penetrem em nossa economia, como também desempenhem um papel crucial em nossa infraestrutura ".
Em um artigo publicado pelo The Mail on Sunday em 29 de março, o ex-líder do Partido Conservador Iain Duncan Smith escreveu:
"Todos os problemas poderão e serão discutidos, exceto um, ao que tudo indica, nosso futuro relacionamento com a China."
"Assim que alguém menciona a China, as pessoas ficam sem jeito e se mexem para lá e para cá em suas cadeiras e balançam a cabeça. No entanto, acredito ser vital começarmos a discutir o quão dependentes nos tornamos desse estado totalitário."
"Pois trata-se de um país que passa por cima dos direitos humanos em busca de seus implacáveis objetivos estratégicos tanto internos quanto externos. Mas parece que essas coisas são deixadas de lado em nossa corrida para fazer negócios com a China."
"Lembre-se de como George Osborne (ministro da fazenda no governo do primeiro-ministro David Cameron de 2010 a 2016) fez de nosso relacionamento com a China uma importante base da política do governo do Reino Unido? Tão determinados estavam os ministros para incrementar o comércio que estavam dispostos a não medir esforços para atingir tal meta."
"Na realidade, me disseram que essa política em particular era chamada de Project Kow-Tow, termo definido pelo dicionário Collins como 'ser servil ou obsequioso'."
"Mas não estávamos sozinhos nisso. De uns anos para cá, inúmeros líderes nacionais deixaram de lado a estarrecedora conduta com respeito aos direitos humanos da China, na busca cega de acordos comerciais com Pequim."
"Graças ao Projeto Kow-Tow, o déficit comercial anual do Reino Unido com a China é de US$27,4 bilhões. Mas não estamos sozinhos com a corda no pescoço à mercê de Pequim."
"A China amealhou um superávit comercial global de US$420 bilhões. É lastimável que o Ocidente tenha ficado contemplando enquanto muitas áreas-chave da produção se mudaram para a China..."
"A realidade nua e crua é que a China parece menosprezar as regras convencionais de comportamento em todas as esferas da vida, da saúde ao comércio e da manipulação da moeda à repressão interna."
"Por demasiado tempo, os países se prostraram desastradamente à China na desesperada esperança de obter acordos comerciais."
"Mas uma vez que nos livrarmos dessa terrível pandemia, é imperativo que todos nós repensemos esse relacionamento e o coloquemos numa base muito mais equilibrada e honesta".
Soeren Kern é colaborador sênior do Gatestone Institute sediado em Nova Iorque.