A Turquia possui o segundo maior exército da OTAN e a sua aventura amorosa/militar com a Rússia pode estar no momento no começo, mas isso prejudica a dissuasão militar da OTAN em relação à Rússia. Foto: aperto de mãos entre o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan e o presidente russo Vladimir Putin em Moscou em 10 de março de 2017. (Imagem: kremlin.ru) |
Em 17 de setembro de 1950, há mais de 68 anos, a primeira brigada turca deixou o porto de Mersin na costa do Mediterrâneo, chegando 26 dias depois a Busan na Coreia. A Turquia foi o primeiro país, atrás dos Estados Unidos, a responder ao apelo das Nações Unidas em ajudar militarmente a Coreia do Sul atacada naquele ano pelo Norte. A Turquia enviou quatro brigadas (um total de 21.212 soldados) a um país que fica a 7.785 km de distância. Ao final da Guerra da Coreia, a Turquia havia perdido 741 soldados mortos em ação. No Memorial do Cemitério da ONU em Busan constam 462 soldados turcos.
Toda essa empreitada turca visava se tornar membro da OTAN, posto que a Turquia acabou conquistando em 18 de fevereiro de 1952. Durante a Guerra Fria, a Turquia se manteve uma leal aliada dos EUA e da OTAN, defendendo o flanco sudeste da aliança. No entanto, as coisas mudaram dramaticamente desde que o governo islamista do primeiro-ministro (agora presidente) Recep Tayyip Erdoğan foi alçado ao poder pela primeira vez em novembro de 2002. O "recuo turco" não aconteceu da noite para o dia.
Em abril de 2009, unidades militares da Turquia e da vizinha Síria do presidente Bashar al-Assad, cruzaram a fronteira e visitaram postos avançados durante os exercícios militares conjuntos. Essa foi a primeira vez que um exército da OTAN realizou exercícios com militares da Síria.
Em setembro de 2010, caças da força aérea turca e chinesa conduziram exercícios de combate aéreo no espaço aéreo turco. Essa também foi a primeira vez que uma força aérea da OTAN fez exercícios militares com a China.
Em 2011 um levantamento da Transatlantic Trends revelou que a Turquia era o membro da OTAN com o apoio mais baixo à aliança: somente 37% (uma queda em relação aos 53% em 2004).
Em 2012 a Turquia ingressou na Organização de Cooperação de Xangai (SCO, que conta com os seguintes membros: Rússia, China, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão) como parceiro de diálogo.
Em 2017, um alto funcionário da diplomacia chinesa salientou que Pequim estava disposta a considerar a entrada da Turquia na SCO.
Em setembro de 2013 a Turquia anunciou que havia escolhido uma empresa chinesa (CPMIEC) para a construção de seu primeiro sistema de defesa aéreo e antimísseis de longo alcance do programa T-LORAMIDS ao custo de US$3,5 bilhões. O contrato foi posteriormente desfeito, Erdoğan então se voltou para o presidente russo Vladimir Putin para substituir o contrato com a China pelo sistema de defesa antiaéreo e antimísseis de longo alcance S-400 russo.
Não obstante as crescentes pressões norte-americanas, ocidentais e da OTAN, Erdoğan desde então se recusa a abandonar o sistema de defesa aéreo russo e, como se isso não bastasse, ousadamente defende a "decisão soberana da Turquia". De uns tempos para cá, mais precisamente em 7 de março, Erdoğan ressaltou que a Turquia jamais desistirá do acordo do sistema de mísseis S-400. Ele chegou a realçar que Ancara poderá posteriormente considerar adquirir os sistemas S-500 mais avançados, em fase de construção na Rússia.
Washington continua alertando sua parcial aliada da OTAN que o acordo com a Rússia terá "graves consequências". Segundo a CNN:
"Caso a Turquia adquira o sistema S-400, haverá graves consequências", assinalou Charles Summers, porta-voz do Pentágono a jornalistas na sexta-feira 8 de março, adiantando que isso prejudicaria o relacionamento militar dos Estados Unidos com Ancara.
Summers disse que faria parte das consequências a proibição da Turquia em adquirir os caças F-35 e o sistema de defesa antimísseis Patriot dos Estados Unidos.
A Turquia, membro do consórcio multinacional liderado pelos EUA que concebe o caça F-35 Lightening II de última geração, se comprometeu em adquirir mais de 100 dessas aeronaves.
A opção da Turquia em favor da Rússia (e contra a OTAN) com certeza terá repercussões em inúmeras esferas. Os EUA podem ou não retaliar pesadamente a ponto de expulsar a Turquia do grupo Joint Strike Fighter que monta o F-35. Será uma decisão que engendrará considerações econômicas, além das militares e políticas. A Turquia, caso seja expulsa, poderá recorrer à Rússia como saída para a aquisição de sistemas de combate de última geração, Putin ficará embevecido em poder oferecer e criar mais rachaduras no bloco da OTAN, risco que Erdoğan provavelmente acredita que a administração americana (e a OTAN) não poderiam se dar ao luxo de correr. A aposta de Erdoğan, no entanto, tem uma mensagem mais importante para a OTAN do que somente a aquisição de equipamento militar: a identidade geoestratégica da Turquia.
O S-400 é um sistema de arquitetura avançada de defesa aérea, especialmente se for utilizado contra o poder de fogo e alvos aéreos do Ocidente (OTAN). A verdade nua e crua é que se trata de um software militar que a Turquia não poderá usar contra a agressão russa ou armas fabricadas pela Rússia. Com o acordo do S-400, a Turquia está simplesmente dizendo a seus teóricos aliados ocidentais que ela "os" vê "não a Rússia" como ameaça à sua segurança. Dado que a Rússia é profusamente considerada uma ameaça à segurança da OTAN, a posição discrepante da Turquia inevitavelmente exige que se ponha em dúvida sua identidade oficial na OTAN.
A Turquia possui o segundo maior exército da OTAN e a sua aventura amorosa/militar com a Rússia pode estar no momento no começo, mas isso prejudica a dissuasão militar da OTAN em relação à Rússia. No entanto, a Rússia, sem a menor sombra de dúvida, não poderia estar mais satisfeita do que assistir de camarote a casa de uma aliança militar cair, aliança que assegura que um "ataque armado contra um membro" da OTAN "é considerado um ataque contra todos os membros".
Burak Bekdil, um dos principais jornalistas da Turquia, foi recentemente demitido do jornal mais badalado do país após 29 anos, por escrever no Gatestone Institute o que está acontecendo na Turquia. Ele é membro do Middle East Forum.