O Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdoğan conseguiu recentemente se safar de uma enorme bomba europeia, recheada de sanções, pelo menos até março. O problema é que um político islamista inerentemente antiocidental que construiu sua popularidade principalmente em cima dos constantes confrontos com outras nações não conseguirá virar, de uma hora para outra, num espaço de três meses, um parceiro amante da paz. (Foto: Elif Sogut/Getty Images) |
Se o presidente islamista e homem forte da Turquia Recep Tayyip Erdoğan, passou mais noites em claro na primeira semana de dezembro do corrente ano do que por conta de seu temor em relação às sanções dos EUA, foi devido às iminentes e potencialmente punitivas sanções da União Europeia que tomariam forma na cúpula ocorrida de 10 a 11 de dezembro. Ele deve ter tido um sono relativamente tranquilo quando a cúpula chegou ao fim. Ele pode até ter achado que tinha conseguido escapar, pelo menos até março, de uma enorme bomba europeia, recheada de sanções. No entanto, pode ser um tanto prematuro ele suspirar aliviado.
Depois que os líderes da UE deram um inequívoco presta atenção à Turquia em outubro último, Erdoğan optou por escalar as tensões, tornando o que poderia muito bem ser objeto de meras questões diplomáticas num minichoque de civilizações. Erdoğan calculou que poderia bancar o sultão machão otomano até a hora H e que a UE jamais ousaria queimar pontes em relação à Turquia. Ele estava certo e ao mesmo tempo errado. Ele ganhou tempo, a UE não queimou pontes, as sanções da cúpula de dezembro não foram enérgicas o suficiente para mudar o curso da Turquia. Mesmo assim, Erdoğan agora tem outro prazo para optar entre um novo choque de civilizações ou uma desaceleração sustentável.
Pouco antes da cúpula de dezembro, a Turquia retirou um navio de exploração de hidrocarbonetos, objeto de atrito na briga pelas fronteiras no Mar Mediterrâneo. Após meses pondo em xeque a campanha de exploração apoiada pela UE, o navio de pesquisas Oruç Reis voltou para casa.
Além disso, ao jogar um charme espúrio, Ancara adotou uma retórica pluralista na tentativa de seduzir as minorias não muçulmanas do país. "As minorias religiosas são a riqueza do nosso país, alicerçadas no princípio da cidadania equânime e da história em comum", salientou o porta-voz da presidência, Ibrahim Kalın em uma postagem no Twitter. "Discriminá-los enfraqueceria a Turquia."
Erdoğan também ressaltou que ele vê o futuro da Turquia na Europa, a mesma Europa que ele acabou de acusar de ser "remanescente de nazistas e fascistas."
Na mesa da cúpula também constava um embargo de armas de toda a UE contra a Turquia, consoante com a insistente pressão da Grécia e de Chipre. Em vez de optar pelo embargo imediato, a chanceler alemã Angela Merkel adiantou que os líderes da UE discutiriam as questões com a OTAN e também com as autoridades americanas. "Também conversamos sobre a maneira com as quais as questões envolvendo as exportações de armas deveriam ser discutidas dentro da OTAN. Dissemos que queremos nos coordenar com a nova administração americana em relação à Turquia", salientou Merkel durante uma entrevista coletiva à imprensa.
A questão do embargo de armas simplesmente não era o âmago da questão. Em 2018, o total de exportações de armas da UE à Turquia atingiu a insignificante cifra de US$54 milhões. Em 2019 vários países produtores de armas da UE (Alemanha, França, Itália, Espanha, Suécia, Finlândia e Holanda) interromperam ou restringiram individualmente a venda de armas para a Turquia.
O âmago da questão girava em torno do quão pesadas seriam as sanções da UE, justamente quando a economia turca se encontrava em queda livre. O que Bruxelas decidiu, no final das contas, não foi lá tão pesado assim. Os líderes da UE concordaram em impor sanções a um número não especificado de autoridades turcas e entidades envolvidas na perfuração de gás em águas reivindicadas pelos cipriotas, contudo adiaram as decisões de maior alcance, como tarifas comerciais até trocarem ideias com a próxima administração americana do presumível presidente eleito Joe Biden.
Josep Borrell, o nº1 para assuntos internacionais da UE, anunciará nas próximas semanas os nomes daqueles que sofrerão sanções. Mas isso não será o desfecho final. Na cúpula de dezembro, Borrell foi incumbido de preparar, até o mês de março, propostas para uma abordagem mais ampla em relação à Turquia, dando à UE tempo para trocar ideias com a equipe de segurança nacional de Biden.
Esta janela dá a Erdoğan um alívio temporário, porém breve. No final de fevereiro, ele terá que dar sua derradeira cartada antes que a UE endureça as sanções ou adie o endurecimento por mais três meses. Esses adiamentos de sanções mais pesadas não dão a vitória a Erdoğan, principalmente quando sanções simultâneas dos EUA e da Europa ameaçam enfraquecer ainda mais a frágil economia turca.
O problema é que um político islamista inerentemente antiocidental que construiu sua popularidade principalmente em cima dos constantes confrontos com outras nações não conseguirá virar, de uma hora para outra, num espaço de três meses, um parceiro amante da paz. No mínimo, ele não quer parar de aumentar o atroz déficit democrático de seu país. "Não espere que eu recompense aquele terrorista (libertando-o)", sustentou Erdoğan poucos dias antes da cúpula da UE, ao se referir a Selahattin Demirtaş, líder de um partido político pró-curdo ora encarcerado, que conquistou mais de 10% dos votos nas últimas eleições nacionais.
Demirtaş, juntamente com outros 12 deputados curdos, estão detidos esperando julgamento desde 2016, acusados de terrorismo. Em termos legais, o homem que Erdoğan chamou de "terrorista" é somente suspeito sem nenhum veredito do tribunal. Entretanto, este é o entendimento doentio de Erdoğan sobre direitos constitucionais: como líder eleito, ele acredita que pode se dar a liberdade de declarar culpados ou inocentes suspeitos cujos processos judiciais estão em andamento.
Para ganhar mais tempo em março, Erdoğan também terá que engolir sapos e desafios. Ele terá que interromper a exploração turca de hidrocarbonetos no Mediterrâneo oriental, parar com as tensões com a Grécia e Chipre e adotar um linguajar diplomático com a Europa, um linguajar sem palavras como nazistas, fascistas e racistas antimuçulmanos.
Uma dificílima lição de casa aguarda o valentão do recreio escolar.
Burak Bekdil, um dos mais importantes jornalistas da Turquia, foi recentemente demitido do jornal mais famoso do país, onde trabalhou por 29 anos, por escrever para o Gatestone Institute sobre os acontecimentos na Turquia. Ele é Fellow no Middle East Forum.