Obcecado em ressuscitar os dias de glória imperial dos turcos, o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan está se voltando para o leste com o propósito de criar uma aliança estratégica pan-turca/islâmica constituída pela Turquia estado membro da OTAN, Azerbaijão com seus valiosos recursos de hidrocarbonetos e crescente infraestrutura militar e Paquistão armado com ogivas nucleares. Foto: encontro de Erdogan (direita) com o primeiro-ministro paquistanês Imran Khan em Ankara, Turquia, em 4 de janeiro de 2019. (Foto: Adem Altan/AFP via Getty Images) |
O ambicioso cálculo político neo-otomano do presidente turco Recep Tayyip Erdoğan rendeu à Turquia um isolamento internacional sem precedentes. A Turquia emplacou o título de único país do planeta a ser sancionado por não menos que Estados Unidos, Rússia e União Europeia nos últimos cinco anos. As negociações da Turquia para a plena adesão à UE foram suspensas e a Comissão Europeia deu início a procedimentos de transgressão contra o único estado membro muçulmano da OTAN. Obcecado em ressuscitar os dias de glória imperial dos turcos, Erdoğan está se voltando para o leste da Turquia com o propósito de criar uma aliança estratégica pan-turca/islâmica composta pela Turquia, Azerbaijão e Paquistão, com alianças táticas de meio expediente com Irã, Catar e Bangladesh.
A ideia é reunir três nações muçulmanas: Turquia, estado membro da OTAN, Azerbaijão com seus valiosos recursos de hidrocarbonetos e crescente infraestrutura militar e Paquistão armado com ogivas nucleares.
O slogan "uma nação, dois estados" ganhou força principalmente após o apoio militar e logístico da Turquia ao Azerbaijão na guerra Nagorno-Karabakh em 2020, que terminou em grande vantagem dos azerbaijanos em cima da Armênia. O Azerbaijão virou um cliente cada vez mais exigente de sistemas de armas fabricadas na Turquia. A Turquia convidou o Azerbaijão e o Paquistão a participarem de seu programa TF-X, um plano ambicioso cujo propósito é construir uma nova geração de caças autóctones.
A venda de armas da Turquia para o Azerbaijão decolou nos últimos anos. Em 2020, as exportações relacionadas a sistemas de defesa e aeroespacial fabricadas na Turquia e enviadas para o Azerbaijão aumentaram seis vezes. Da mesma forma, entre 2016 e 2019, a Turquia se tornou o quarto maior fornecedor de armas do Paquistão, superando os EUA, enquanto o Paquistão virou o terceiro maior mercado de armas da Turquia.
Em 1988, a Turquia e o Paquistão formaram um Grupo Consultivo Militar cujo objetivo era fortalecer as relações de aquisições de sistemas militares e de defesa. À medida que a cooperação se aprofundava, o grupo se expandiu e evoluiu para o Conselho de Cooperação Estratégica de Alto Nível (HLSCC). No início de 2020, Erdoğan e o primeiro-ministro paquistanês Imran Khan copresidiram a sexta sessão do HLSCC e assinaram 13 memorandos de entendimento (MOUs), cinco deles relacionados à indústria bélica.
Segundo um dos contratos, a Turquia construirá e venderá quatro corvetas multifuncionais para a Marinha do Paquistão. Anteriormente, em 2018, a Turkish Aerospace Industries (TAI) assinou um contrato de US$1,5 bilhão para vender um lote de 30 helicópteros de ataque T129 para o Paquistão.
Não é nenhuma coincidência o fato de Erdoğan ter visitado o Azerbaijão mais de 20 vezes ao longo de sua presidência. Em setembro de 2021, as forças armadas do Azerbaijão, Turquia e Paquistão realizaram um exercício militar conjunto de oito dias em Baku, apelidado de "Três Irmãos - 2021". Ao longo de 2021, Ancara, Baku e Islamabad discutiram maneiras de incrementar comércio, investimento, transporte, bancos e turismo após a assinatura da Declaração de Islamabad que visa aprofundar a interação econômica das três nações muçulmanas.
Para poder exercer influência política no futuro do Afeganistão, a Turquia atua em estreita colaboração com seu fiel aliado do Golfo, Catar. No início de dezembro, Erdoğan e o emir do Catar, Xeque Tamim bin Hamad Al Thani assinaram 12 MOUs em diversas áreas, entre elas, nos setores militar, saúde, turismo e educação. O ministro das relações exteriores do Catar, Xeque Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, explicou: "o Catar atuará juntamente com a aliada Turquia e com oficiais de alto calibre do Talibã para assegurar que o aeroporto internacional de Cabul, local de cenas caóticas após a tomada de poder do Talibã, continue operando".
Ancara, ao que parece, está esperançosa de que a saída dos EUA do Afeganistão tenha criado espaço para que a Turquia e o Paquistão ocupem o papel de liderança. Alguns especialistas concordam.
"Durante 20 anos, os EUA vem atuando na região como força estrangeira, in loco, no campo de batalha. E agora que eles saíram, deixaram um vácuo político... O dinamismo geopolítico existe", salientou Rabia Akhtar, que lidera o Centro de Estratégia para a Segurança e Pesquisa de Políticas (CSSPR) da Universidade de Lahore. "E bem no centro se encontra o Paquistão. Não só o Paquistão, como também o Irã e a Turquia."
Em 23 de dezembro, após um hiato de 10 anos, partiu o primeiro trem de carga do Paquistão para a Turquia através do Irã, chamado de serviço ferroviário Islamabad/Istambul. Foi um grande impulso para o potencial comercial dos três fundadores da Organização de Cooperação Econômica. A medida veio depois de vários anos em que os EUA enveredaram por uma política de "pressão máxima" contra o Irã cujo objetivo era isolar o país cortando todos os modos de transação internacional com a República Islâmica.
No início de dezembro, Irã, Azerbaijão e Geórgia chegaram a um acordo quanto ao estabelecimento de uma rota de tráfego ligando o Golfo Pérsico ao Mar Negro. A rota poderá, caso seja confirmada, integrar metrô e trem Islamabad-Istambul e incrementar ainda mais a conectividade na região, já que o Paquistão e a Turquia são aliados próximos do Azerbaijão, além de terem fortes relações comerciais com o Irã.
Ao que tudo indica, promete. Só que não é bem assim.
Senão vejamos, por exemplo, o acordo turco/paquistanês que trata dos helicópteros de ataque T129. O contrato não saiu do papel porque a TAI não conseguiu obter as licenças de exportação dos EUA. O T129 é produzido segundo os termos da licença da empresa ítalo-britânica AgustaWestland. Ele é movido por motores fabricados pela LHTEC, uma joint venture da empresa americana Honeywell e a britânica Rolls-Royce.
Resumindo, o acordo militar turco/paquistanês se tornou vítima de uma disputa turco/americana quanto a aquisição da Turquia do sistema russo de mísseis terra-ar S-400.
Aí entra em cena a China. Após a tomada do Talibã, a China foi o primeiro país a prometer ajuda humanitária emergencial ao Afeganistão. A segurança nas fronteiras ocidentais da China, incluindo seus projetos Belt and Road na Ásia Central e no Paquistão é imprescindível para Pequim. Ela precisa de um sistema de segurança favorável na região para proteger seus interesses econômicos. A tradicional aliança China/Paquistão está evoluindo para uma aliança sino/paquistanesa no Afeganistão, onde poderá haver um papel muito limitado para a Turquia. "É provável que haja uma cooperação estratégica mais profunda entre China, Paquistão, Afeganistão, Rússia e Irã, concernente às operações de contraterrorismo e repressão ao comércio ilegal de drogas", salientou Mercy A. Kuo, vice-presidente executiva da Pamir Consulting.
A China também anda meio desconfiada quanto ao sigiloso apoio do governo turco à minoria turco/muçulmana chinesa, os uigures, que o Partido Comunista Chinês vê como uma ameaça peremptória à sua segurança. No início deste ano, o Conselho de Cooperação dos Estados de Língua Turcomana, também conhecido como Conselho Turco, mudou de nome para Organização dos Estados Turcos, aumentando as suspeitas chinesas (e russas) em relação ao potencial separatismo pan-turco. A cartada liderada pela Turquia de transformar a cooperação dos estados de língua turcomana em uma unidade política poderia, sem dúvida, enfraquecer a influência de Pequim e Moscou na Ásia Central, que com certeza ficará sob as lupas chinesa e russa.
Ainda há de se contar com a ambiguidade iraniana. Os exercícios militares "Três Irmãos - 2021" realizados em setembro amplificaram as tensões entre o Azerbaijão e o Irã, visto que a República Islâmica os viu como uma ameaça à sua segurança, principalmente por conta da participação do Paquistão. A reação veio em 1º de outubro, quando os militares iranianos iniciaram seu próprio exercício militar com o codinome "Fatehan Khaybar", perto da fronteira do Irã com o Azerbaijão. Pouco depois dos exercícios militares, o Azerbaijão fechou uma mesquita e um escritório administrados em Baku pelo representante do líder supremo do Irã, Aiatolá Ali Khamenei.
Teerã também está diante de uma ameaça de tendências separatistas étnica/nacionalistas entre sua própria população azerbaijana turca. Estima-se que a minoria turca no Irã, a maior, gira em torno de 14 a 20 milhões de habitantes em um país que totaliza 84 milhões.
Outro atrito azerbaijano/iraniano lida com os contratos de reconstrução, após a mais recente guerra de Nagorno-Karabakh. Teerã ficou contrariada com as generosas concessões de Baku aos projetos de construção cedidos a empresas turcas ou paquistanesas e não aos licitantes iranianos.
Teoricamente, o Irã é o "irmão muçulmano" da Turquia. Na realidade, o Irã (xiita) é o adversário sectário da Turquia (sunita), rival histórico e adversário transfronteiriço do Iraque de maioria xiita e da Síria governada por xiitas.
Ao fim e ao cabo, o Azerbaijão está mais para um território russo do que turco. Mais azerbaijanos falam russo do que aqueles que adoram se esgoelar de tanto gritar o slogan turco "uma nação, dois estados". O Paquistão continua sendo o aliado mais forte da China e parece feliz da vida em se considerar território chinês.
A ambição pan-turca/islâmica de Erdoğan é um prato cheio para os interesses russos e chineses: significará mais engajamento turco no leste e por tabela enfraquecerá ainda mais seus laços já tensos com instituições ocidentais, principalmente com a OTAN. Moscou e Pequim, sem a menor sombra de dúvida, serão capazes de controlar qualquer picaretagem do jovem bloco turco/muçulmano.
Burak Bekdil, um dos mais importantes jornalistas da Turquia, foi recentemente demitido do jornal mais famoso do país onde trabalhou por 29 anos por escrever para o Gatestone Institute sobre os acontecimentos na Turquia. Ele é Fellow no Middle East Forum.