As ameaças da Turquia vêm se avolumando a rodo, como nunca. O Presidente Recep Tayyip Erdoğan disse recentemente: "... A Turquia tem o poder político, econômico e militar de rasgar mapas e documentos imorais impostos a ela. Ou vão entender isso numa linguagem política e diplomática ou por meio de experiências dolorosas no campo de batalha... Há um século que nós os enterramos ou os jogamos ao mar. Foto: Erdoğan discursando em Ancara em 17 de setembro de 2020. (Foto: Adem Altan/AFP via Getty Images) |
Com o passar do século XX , os turcos e seus tradicionais rivais do Egeu, os gregos, travaram quatro guerras convencionais: a Primeira Guerra dos Bálcãs (1912-1913), a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Guerra Greco-Turca (1919-1922) e a Guerra do Chipre (1974). Portanto, não é a primeira vez que durante um período de paz, jornais do mundo inteiro informam a seus leitores que o Mar Egeu está à beira da guerra. A "paz" em todo o Egeu sempre oscilou de frio a muito frio, salvo breves períodos de relativa cordialidade. Até parece que turcos e gregos moram em casas vizinhas construídas numa secular e sangrenta rivalidade.
Em seu livro Midnight at the Pera Palace: The Birth of Modern Istanbul, Charles King, escreve sobre os primeiros anos pós-otomanos em Istambul e os esforços para a construção da nação na recém-criada República da Turquia:
"A grosso modo as minorias não muçulmanas de Istambul encolheram cerca de 56% em 1900 para 35% no final dos anos 1920. Outras cidades tiveram quedas vertiginosas. Izmir, ex-Esmirna, passou de 62% de não muçulmanos para 14%... E não para por aí, a revolução demográfica mudou praticamente tudo nos antigos bairros das minorias de Istambul. Na pressa de partir, gregos, armênios e judeus desovaram móveis e utensílios de suas casas e apartamentos nas lojas de produtos de segunda mão, na esperança de arrecadar pelo menos alguns trocados antes de embarcar num navio ou trem..."
"A Turquia como um todo se tornou mais muçulmana e mais turca, mais homogênea e mais rural, por conta da fuga das cidades das minorias não muçulmanas, de forma jamais vista. Algumas das famílias que viriam a se tornar os esteios da economia de Istambul começaram a pipocar... De olho na mudança do destino e na conversão das ligações políticas em oportunismo econômico, começou a arrematação das empresas gregas e de outras minorias. Não havia nada necessariamente desonesto nestas negociações, mas elas se basearam na transferência massiva de riqueza cujas origens residiam na preferência da república pela pureza nacional em vez do velho cosmopolitismo da capital imperial."
Após três guerras logo no primeiro quarto de século XX, as tensões turco-gregas iriam explodir em Chipre, onde turcos e cipriotas gregos viviam lado a lado e em paz até depois da década de 1950, quando eles começaram a massacrar uns aos outros. Conflitos étnicos desencadearam uma operação militar turca em julho de 1974 que terminou com a ocupação de um terço do norte da ilha pelos turcos. De lá para cá Chipre permaneceu dividida ao longo das linhas étnicas.
Em 1996, as forças armadas turcas e gregas chegaram bem perto de uma guerra quente por conta de desavenças sobre a soberania de uma minúscula ilhota no sul do Mar Egeu. Poucos anos depois que a mediação norte-americana bem-sucedida evitou uma guerra, poucos turcos e gregos se lembravam do nome daquela ilhota desabitada de 9,9 acres: Imia (Kardak em turco).
As tensões de hoje, que vão do Egeu ao Mediterrâneo Oriental, parecem mais sérias do que briga de dois adolescentes numa disputa de cabo de guerra por conta de uma pedra.
Quando Yossi Cohen, chefe do Mossad de Israel, que ao que consta adiantou em agosto, que "o poder iraniano é mais frágil e que a verdadeira ameaça vem da Turquia", ele tinha razão. Hoje em dia, as ameaças da Turquia vêm se avolumando a rodo, como nunca.
Em um recente discurso proferido em Istambul, o presidente islamista da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan, deu a entender de forma não tão sutil a respeito de suas visões irredentistas, ao se referir em particular ao Tratado de Sèvres de 1923 que, com outros pactos, estabeleceu as fronteiras da Turquia moderna:
"eles vão entender que a Turquia tem o poder político, econômico e militar de rasgar mapas e documentos imorais impostos a ela. Ou vão entender isso numa linguagem política e diplomática ou por meio de experiências dolorosas no campo de batalha... Há um século que nós os enterramos ou os jogamos ao mar. Torço para que eles não paguem o mesmo preço agora. "
Robert Ellis, colunista que escreve sobre a Turquia, lembrou ao público o que Abdullatif Şener, fiel aliado de outrora de Erdogan, agora parlamentar da oposição, salientou numa entrevista há seis anos: Erdoğan estaria disposto até a arrastar a Turquia para uma guerra civil só para se manter no poder.
Em 28 de agosto, Metin Külünk, ex-parlamentar do Partido da Justiça e do Desenvolvimento do partido de Erdoğan, publicou um mapa da "Grande Turquia", que ilustra a extensão das ambições revisionistas turcas. Nele constam regiões da Grécia, Bulgária, Chipre, Síria, Iraque, Geórgia e Armênia.
Em uma assertiva analogamente ameaçadora, o ministro da defesa turco, Hulusi Akar, num tom provocador aconselhou a Grécia a permanecer de boca fechada "para que ninguém queira tirar uma meze casquinha."
Toda essa incendiária ameaça de guerra enviou várias mensagens através de diferentes canais de comunicação para as regiões ocidentais do Mar Egeu e mais além. A Grécia por sua vez salientou que estava incrementando seu arsenal de guerra e preparando suas tropas para um conflito aberto com a Turquia. Em 13 de setembro, o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis ressaltou que a Grécia irá adquirir 18 novos caças Rafale de fabricação francesa para substituir os antigos caças Mirage 2000, quatro helicópteros e quatro novas fragatas e que estava reformando outras quatro. Mitsotakis também assinalou que o governo planejava estender o tempo de serviço militar obrigatório dos nove meses atuais para doze.
Um conflito aberto no Egeu e ao seu redor vai contra os interesses do Ocidente. As nações ocidentais, no entanto, estão certas ao não permanecem indiferentes ou submissas diante das ameaças turcas. Em 1º de setembro, Washington divulgou um comunicado que estava levantando parcialmente o embargo de armas, que já dura 33 anos, à República de Chipre (grega), medida esta imediatamente condenada pela Turquia. Na mesma linha, o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, viajou para Chipre em 12 de setembro a fim de mediar uma solução pacífica às tensões com a Turquia no Mediterrâneo oriental.
"Continuamos extremamente preocupados com as operações de levantamento de recursos naturais ora em andamento que estão sendo realizadas pela Turquia em áreas no Mediterrâneo Oriental, que Grécia e Chipre afirmam ter jurisdição", salientou Pompeo a repórteres em Nicósia. Durante a visita, os governos dos Estados Unidos e de Chipre assinaram um memorando de entendimento em relação ao qual Ancara absurdamente protestou, alegando que isso poderia prejudicar a paz e a estabilidade no Mediterrâneo Oriental.
O conflito no Egeu e suas repercussões também dizem respeito à União Europeia. Em 10 de setembro o grupo MED7 de países do sul da Europa, sediado pela França, expressou total apoio e solidariedade para com a Grécia e Chipre quanto às repetidas violações dos seus direitos de soberania por parte da Turquia. A Comissão Europeia irá se reunir nos dias 24 e 25 de setembro para deliberar sobre a possibilidade de impor sanções à Turquia.
A Grécia também conta com o apoio de outros dois pesos-pesados do Mediterrâneo, Egito e Israel, além do apoio da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Jordânia.
Erdoğan somente poderá vencer a quinta guerra em casa. Se ele evitar o conflito armado, terá evitado uma guerra perdida para a Turquia. Em casa, a afrontosa política externa, fanfarronice e retórica do tipo "eu desafio o mundo inteiro" podem até lhe render alguns votos a mais e mais badalação. A quinta guerra de Erdoğan será aquela em que não haverá vencedores. Entretanto, a Turquia de Erdoğan será a grande derrotada.
Burak Bekdil, um dos mais importantes jornalistas da Turquia, foi recentemente demitido do jornal mais famoso do país, onde trabalhou por 29 anos por escrever para o Gatestone Institute sobre os acontecimentos na Turquia. Ele é Fellow no Middle East Forum.