A União Europeia anunciou uma nova regulamentação destinada a blindar as empresas europeias do impacto das sanções impostas ao Irã pelos Estados Unidos. A medida, que foi recebida com ceticismo pela mídia empresarial europeia, provavelmente não produzirá resultados: a aposta da UE é que as empresas europeias arrisquem seus interesses comerciais no mercado norte-americano em troca do mercado iraniano, infinitamente menor.
O assim chamado "Estatuto de Bloqueio" entrou em vigor em 7 de agosto, no mesmo dia em que a primeira rodada de sanções dos EUA contra o Irã foi oficialmente reintroduzida. As sanções têm como alvo a compra de dólares americanos pelo Irã, principal moeda para transações financeiras internacionais e compra de petróleo, bem como o setor automotivo, aviação civil, carvão, software industrial e de metais. A segunda rodada de sanções, bem mais robusta, que terá como alvo as exportações de petróleo do Irã, entrará em vigor em 5 de novembro.
A ação é o resultado da decisão do presidente Donald J. Trump de 8 de maio, de retirar os Estados Unidos do Plano de Ação Conjunta de 2015 (JCPOA, também conhecido como Acordo Nuclear do Irã) negociado pelo governo Obama, que suspendeu as sanções contra o Irã em troca do congelamento de seu programa nuclear.
A Administração Trump salientou que o acordo negociado pelo governo Obama não foi o suficiente para reduzir o programa de armas nucleares do Irã, nem o programa de mísseis balísticos, nem seu comportamento pernicioso no Oriente Médio e em outros lugares.
A reimposição das sanções americanas não se aplicam somente a cidadãos e empresas americanas, como também a cidadãos e empresas não americanas. Segundo o conceito legal conhecido como extraterritorialidade, qualquer empresa sediada fora dos Estados Unidos deve acatar as sanções americanas se ela fizer uso de dólares em suas transações, tiver uma subsidiária nos Estados Unidos ou for controlada por cidadãos americanos.
Em uma declaração proferida em 6 de agosto, Trump ressaltou:
"Os Estados Unidos estão totalmente empenhados em colocar em prática todas as sanções que forem determinadas. Vamos trabalhar em estreita colaboração com as nações que fazem negócios com o Irã para garantir a sua observância. Indivíduos ou entidades que não interromperem seus negócios com o Irã poderão sofrer graves consequências".
Em um tuíte de 7 de agosto, Trump repetiu a ameaça:
"As sanções contra o Irã foram oficialmente lançadas. São as mais duras sanções jamais impostas e em novembro virão outras, mais amplas ainda. Quem fizer negócios com o Irã NÃO fará negócios com os Estados Unidos."
Em um comunicado conjunto, a chefe da diplomacia europeia Federica Mogherini e os ministros das relações exteriores da França, Alemanha e Reino Unido admitiram abertamente que para a UE o acordo com o Irã gira exclusivamente em torno de interesses econômicos, prometendo proteger as empresas europeias das sanções americanas:
"Estamos determinados a proteger os operadores econômicos europeus que trabalham em negócios legítimos com o Irã, em conformidade com a legislação da UE e com a Resolução 2231 do Conselho de Segurança da ONU. É por esta razão que o Estatuto de Bloqueio atualizado da União Europeia entra em vigor em 7 de agosto para proteger as empresas da UE que fazem negócios legítimos com o Irã do impacto das sanções extraterritoriais dos EUA".
"As partes remanescentes do JCPOA se comprometeram em trabalhar, entre outras coisas, na preservação e manutenção dos pertinentes canais financeiros junto ao Irã e na continuidade da exportação de petróleo e gás daquele país. Tanto nessa quanto nas demais matérias nosso trabalho continua, inclusive com terceiros (China e Rússia), também interessados em defender o JCPOA e manter relações econômicas com o Irã."
Em um comunicado conjunto, a chefe da diplomacia europeia Federica Mogherini (foto) e os ministros das relações exteriores da França, Alemanha e Reino Unido admitiram abertamente que para a UE o acordo com o Irã gira exclusivamente em torno de interesses econômicos, prometendo proteger as empresas europeias das penalidades americanas. (Foto: Dean Mouhtaropoulos/Getty Images) |
O Estatuto de Bloqueio, inicialmente adotado pela UE em 1996 para ajudar as empresas europeias a evitarem as sanções dos EUA contra Cuba, foi atualizado em junho de 2018 para incluir as sanções que os EUA estão reimpondo contra o Irã. O documento, pontuado com jargões da UE, estipula:
"O Estatuto de Bloqueio possibilita que os operadores econômicos da UE sejam ressarcidos dos prejuízos decorrentes das sanções extraterritoriais em sua esfera de atuação de pessoas que causaram os prejuízos, anulando o efeito dentro da UE de quaisquer decisões judiciais estrangeiras baseadas naquelas sanções. O estatuto também proíbe pessoas da UE de submissão àquelas sanções, salvo autorização excepcional validada pela Comissão Europeia, caso o não cumprimento prejudique seriamente os seus interesses ou os interesses da União. "
Em outras palavras, a UE está proibindo cidadãos e empresas da UE de acederem às sanções dos EUA e está autorizando as empresas da UE atingidas pelas sanções americanas a processarem o governo dos EUA demandando indenização nos tribunais europeus.
Como se isso não bastasse, as empresas europeias que se afastarem do Irã sem a aprovação da Comissão Europeia estarão sujeitas a serem processadas por países membros da UE.
Inúmeros observadores europeus salientaram que o esquema da UE é impraticável, principalmente no caso de empresas multinacionais europeias que tenham interesses comerciais nos Estados Unidos.
O Financial Times de Londres assinala:
"Diplomatas e advogados levantaram sérias dúvidas em relação à capacidade da UE de proteger as empresas europeias que operam no Irã das medidas dos EUA.
"O estatuto de bloqueio elaborado em 1996 raramente foi posto à prova. Um alto funcionário da UE disse que há raríssimos precedentes legais para os juízes dos Estados Membros da UE se basearem a fim de demandarem indenizações de terceiros como os EUA, caso haja ações de empresas nesse sentido."
Na França, o jornal Le Figaro ressaltou que a resposta da Comissão Europeia às sanções dos EUA foi "precipitada" e não é nada mais do que um "gesto político".
O Le Monde caracterizou a medida da UE como um "sinal político para o regime iraniano, que exigia sinais de comprometimento europeu para defender o JCPOA".
O L'Express destacou: "se uma empresa estiver fazendo negócios no gigantesco mercado americano e no pequeno mercado iraniano, ela não se beneficiará muito do fato de suas operações serem protegidas na Europa e no Irã e não nos Estados Unidos".
A Radio France Internationale (RFI), um serviço público da rádio francesa, ressaltou que os efeitos do Estatuto de Bloqueio são "mais simbólicos do que econômicos". E salientou:
"A lei seria mais pertinente para as empresas de pequeno e médio porte (PME) que fazem negócios com o Irã. Para as empresas de grande porte, a solução está na negociação junto aos Estados Unidos de isenções de taxas/impostos ou regalias. Contudo, tais pedidos da França, Alemanha e Reino Unido já foram rejeitados por Washington".
O La Croix salientou:
"Basta dizer que a implementação desta lei de bloqueio continua sendo muito hipotética, uma vez que ela se aventura em territórios legais imprevisíveis."
"As empresas que investem no Irã parecem não acreditar muito na eficácia da regulamentação. O grupo petroleiro Total, o armador Maersk ou a montadora Peugeot já decidiram sair. O grupo alemão Daimler anunciou ontem a sua retirada do Irã. Esses grupos têm mais medo da capacidade dos EUA de implementarem sanções do que da fúria da UE ".
Na Alemanha, a emissora pública de rádio e TV ARD publicou um artigo de opinião do correspondente em Bruxelas, Samuel Jackisch, intitulado "Belo Ronco, Tigre de Papel − UE Indefesa Diante das Sanções dos EUA". Ele realça que a nova política da UE tem sua "lógica, mas em grande medida inexpressiva", uma tentativa da chefe da diplomacia europeia Federica Mogherini de "defender seu legado político". Ele ainda salienta:
"A UE pode tentar virar o jogo no tocante às relações transatlânticas, mas no final os EUA ainda estarão por cima."
"Os negócios do setor de exportação da Alemanha com o Irã podem não ser pequenos considerando-se o montante de cerca de três bilhões de euros. No entanto, as mesmas empresas exportam 35 vezes mais para os EUA. A UE está exigindo que suas maiores corporações apostem todo o bolo por algumas migalhas".
A emissora pública de rádio e TV ZDF salientou:
"A peculiar composição do Estatuto de Bloqueio da UE é a seguinte: via de regra, a regulamentação e as leis proíbem alguma coisa. Por exemplo, a lei antidumping proíbe as empresas de praticarem dumping de preços para forçar os concorrentes a saírem do mercado. Mas o Estatuto de Bloqueio da UE é um chamamento à ação: faça negócios com o Irã e não se deixe dobrar pelas ameaças do presidente dos EUA!"
O jornal Westdeutsche Allgemeine Zeitung citou o diretor-geral da Câmara Alemã da Indústria e Comércio (DIHK), Martin von Wansleben, que retratou a medida da UE como uma "impotente reação política". Ele salientou que seu objetivo era mostrar que a UE não se curva às sanções dos EUA. Para empresas individuais, segundo ele, a regulamentação de bloqueio "não tem relevância".
Na Austria, Der Standard destacou:
"A Regulamentação de Bloqueio não é um antídoto eficaz para enfrentar as sanções dos EUA, como sugere o exemplo histórico... Embora Washington deva se abster de sanções extraterritoriais, o mercado norte-americano é importante demais para as corporações se exporem".
Na Itália, a Südtirol News citou o especialista do mercado de ações Robert Halver do Banco Baader:
"Devido às sanções dos EUA contra o Irã, a indústria alemã não vai passar a mão na cabeça daquele país. Ao perceber que a indústria alemã faz cem vezes mais negócios com os Estados Unidos do que com o Irã, quem faria negócios com o país sabendo que haverá, sem dúvida alguma, sanções contra empresas alemãs?" Com certeza, por ora, o Irã vai sangrar muito".
A edição europeia do Politico assinala:
"Especialistas dizem que é improvável que as medidas da UE tenham o efeito desejado, argumentando que o estatuto de bloqueio criará problemas jurídicos para empresas europeias sem impedir que os EUA tenham como alvo filiais e ativos americanos. Para muitas empresas o risco de ser cortado de fazer negócios com os EUA, um mercado muito maior do que o Irã, é o suficiente para fazê-las respeitar as exigências de Washington".
Um banqueiro de investimento citado pela Reuters ressaltou:
"Seria suicídio fazer qualquer novo negócio ou financiamento para empresas que tenham ligações com o Irã ou com o Irã propriamente dito sem garantias explícitas do governo dos EUA. Estamos nas mãos deles pelo fato de que muitos negócios são conduzidos e compensados em dólares. As multas hoje em dia atingem a casa dos bilhões, de modo que não vale a pena arriscar um pequeno negócio e quiçá agradar um governo europeu."
A título de exemplo, só para provar a argumentação, momentos antes das sanções dos EUA contra o Irã entrarem em vigor, a Daimler, fabricante alemã de carros e caminhões, abandonou os planos de expandir seus negócios no Irã. "Nós cessamos nossas atividades já restritas no Irã, de acordo com as sanções aplicáveis", afirmou a Daimler em um comunicado.
A Daimler segue tomando as mesmas decisões da: Adidas (Alemanha); Allianz (Alemanha); AP Moller-Maersk (Dinamarca); Ciech (Polônia); Citroen (França); CMA CGM (França); DZ Bank (Alemanha); Engie (França); ENI (Itália); Lloyds (Reino Unido); Lukoil (Rússia); Maersk Tankers (Dinamarca); Oberbank (Áustria); Opel (Alemanha); Peugeot (França); PGNiG (Polônia), Renault (França); Scania (Suécia); Siemens (Alemanha); Swiss Re (Suíça) e Total (França).
Soeren Kern é membro sênior do Gatestone Institute sediado em Nova Iorque.