Os afagadores do Irã que saíram correndo para condenar o assassinato do cientista nuclear iraniano Mohsen Fakhrizadeh, general de brigada da Guarda Revolucionária do Irã, demonstra deplorável desprezo quanto à morte, destruição e sofrimento que, ao que tudo indica, seriam causadas pelo regime totalitário do Irã, ao se valer da perniciosa experiência de Fakhrizadeh. Foto: cena do assassinato de Fakhrizadeh em 27 de novembro, perto de Teerã. (Imagem: Fars/Wikimedia Commons) |
Com infalível previsibilidade, o porta-voz das relações exteriores da UE, Peter Sano, bem como outros afagadores europeus do Irã, saíram correndo para condenar o ataque realizado com precisão milimétrica em 27 de novembro, que atingiu o cientista nuclear iraniano Mohsen Fakhrizadeh. A condenação demonstra deplorável desprezo quanto à morte, destruição e sofrimento que, ao que tudo indica, seriam causadas pelo regime totalitário do Irã, ao se valer da perniciosa experiência de Fakhrizadeh.
Do outro lado do Atlântico, juntaram-se a eles, entre outros, o ex-diretor da CIA John O. Brennan, que chamou o assassinato de "terrorismo patrocinado pelo estado" e "uma flagrante violação do direito internacional". No entanto, Brennan se encontrava na sala de comando de emergência da Casa Branca em 2011 quando os EUA lançaram uma operação para assassinar Osama bin Laden em território soberano do Paquistão. É de se imaginar que ele não estava sussurrando ao pé do ouvido do presidente Barack Obama que o SEAL Team Six estava violando a lei internacional.
Na qualidade de conselheiro para assuntos de contraterrorismo de Obama e então diretor da CIA, Brennan também presidia e justificava publicamente um extenso programa de assassinatos realizados por meio de ataques cirúrgicos com drones da CIA no Paquistão, Afeganistão, Líbia, Somália, Iêmen e demais regiões. Anos antes participei de reuniões com Brennan em que ele enaltecia a utilidade e legitimidade dos assassinatos seletivos de terroristas.
Em aparente tentativa de reconciliar seu posicionamento de hoje com seu ofício e posicionamento moral enquanto estava no governo, Brennan pintou a eliminação de Fakhrizadeh como "muito diferente dos ataques contra líderes terroristas e operativos de grupos como a Al Qaeda e o Estado Islâmico".
Em que pese a declaração deste assassinato dirigido ser ilegal, as objeções de Brennan apontam mais para o medo de uma "retaliação letal e de uma nova rodada no conflito regional" o que ele considera provável. Há também a aparente ilação, compartilhada por muitos da esquerda, de que o ataque poderá comprometer o retorno do governo Biden ao acordo nuclear JCPOA com o Irã.
A visão de Brennan engloba a objeção mais comum aos ataques cirúrgicos nos tempos modernos. Tende a ser menos sobre a legalidade frequentemente contestada em tal ação, assassinatos seletivos na guerra nunca foram inequivocamente proibidos pelo direito internacional, e mais sobre a legalidade, moralidade e do recomendável na política externa sob a qual tais técnicas são executadas.
Isto por sua vez provoca divergências sobre o que é e o que não é guerra e o status de atores do estado em relação a atores que não são do estado. Brennan diz que os assassinatos seletivos são legais quando os combatentes são ilegítimos, ou seja, terroristas, mas não são legítimos quando executados contra funcionários de estados soberanos em tempos de paz, sugerindo que, neste caso, os perpetradores do assassinato não estavam em guerra com o Irã.
Isso é confundir alhos com bugalhos quanto à realidade de que a guerra não pode mais ser vista como períodos definidos de hostilidades, caracterizados por dramáticos movimentos de blindados pelas planícies, grandes batalhas navais e combates aéreos. Em seu lugar, os limites entre a paz e a guerra foram intencionalmente obscurecidos por países como o Irã e a Rússia, muitas vezes atacando os inimigos por meio de proxies, bem como por atores que não pertencem a nenhum país como o Estado Islâmico e a Al Qaeda, cuja capacidade de ação global violenta não tem precedentes.
Sob o lema "Morte à América", o Irã está em guerra com os EUA, Israel e seus aliados ocidentais desde a Revolução Islâmica de 1979, usa grupos proxies para matar centenas de americanos no Iraque, Afeganistão, Líbano e outros países, lança ataques terroristas por todo o Oriente Médio, Europa, Estados Unidos e América Latina. O Irã apoia o regime assassino do presidente Bashar Assad da Síria, ajuda substancialmente o Estado Islâmico e o Talibã, abriga deliberadamente, além de prestar auxílio a altos colaboradores da Al Qaeda, um dos quais, Abu Muhammad al-Masri, foi morto em Teerã em meados de novembro.
O Irã comanda uma guerra orquestrada de longa duração contra Israel com a declarada intenção de eliminar o Estado Judeu. O país persa financiou e dirigiu os ataques a partir de Gaza, Líbano e Síria, dentro de Israel e contra cidadãos israelenses e funcionários do governo em outras regiões. Construiu um extenso complexo de mísseis no sul do Líbano, posicionando uma infinidade de foguetes apontados contra Israel. Procura desenvolver uma base de operações na Síria para atacar Israel. Fomentou, financiou e armou uma insurgência no Iêmen para de lá conduzir uma guerra por meio de proxies contra a Arábia Saudita. Também lançou ataques com drones e mísseis de cruzeiro contra instalações petrolíferas sauditas.
Esta guerra global de décadas é organizada e controlada pela Guarda Revolucionária do Irã (IRGC), cujo ex-comandante da Força Quds, Qasem Soleimani, foi morto em Bagdá por um ataque de drones dos EUA em janeiro. O IRGC é considerado uma organização terrorista pelos EUA e por vários outros países. Fakhrizadeh era um general de brigada no IRGC e, portanto, não só um comandante militar de alta patente em um país em guerra com os EUA e seus aliados, como também um proscrito terrorista internacional.
Acontece que ele era muito mais do que isso. Ele foi o fundador e diretor por um longo período do programa ilegal de armas nucleares do Irã, controlado pelo IRGC. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) da ONU confirmou que ele liderava o programa, conhecido como Amad, que buscava desenvolver armas nucleares sob o pretexto de um projeto de energia civil. Amad foi arquivado em 2003, mas depois foi substituído pela Organização de Inovação e Pesquisa Defensiva, SPND, que chefiou até ser morto. O trabalho da Amad, SPND e outros órgãos secretos foi exposto em um extenso arquivo nuclear capturado pelo Mossad de Israel em Teerã em 2018, ao qual tive acesso no ano passado.
A grave ameaça de uma bomba nuclear iraniana foi reconhecida pelo presidente Obama, que se comprometeu em 2012 a preveni-la, usando a força militar se necessário. A exemplo de sua linha vermelha em relação às armas químicas do presidente Assad da Síria, a garantia de Obama se dissolveu em um rosa bebê com sua negociação do acordo nuclear JCPOA em 2015 que, em vez de interromper o programa do Irã, abriu o caminho para ele.
A apreensão de Obama no tocante ao perigo iraniano era compartilhada em todo o mundo por países que reconheciam que a ameaça não era apenas ao Oriente Médio, já que o Irã continuava trabalhando na construção de mísseis de longo alcance capazes de lançar ogivas nucleares. Eles também sabiam que o programa iraniano iria desencadear uma corrida armamentista nuclear no Oriente Médio que já está em andamento, na qual participam principalmente a Arábia Saudita, Turquia e Egito.
O medo do programa nuclear do Irã, bem como da sua agressão regional e global, foi o principal incentivo durante anos para a secreta cooperação entre os países árabes e Israel, cooperação que recentemente amadureceu se mostrando ao mundo nos acordos de Abraham. Com a negativa de Obama em apoiar os árabes contra a agressão iraniana, eles viam em Israel o único país do qual podiam depender para proteção.
O Irã jamais abandonará o que considera seu direito absoluto de se tornar um país dotado de armas nucleares, não no regime atual nem sob qualquer regime futuro. O arquivo nuclear prova que, embora o regime tenha negado sistematicamente a existência de seu programa de armas nucleares, seguiu em frente com ele violando o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares que assinou em 1970 e apesar de seus comprometimentos com o JCPOA, implementou medidas para continuar a desenvolvê-lo. Mentiu para a AIEA e o arquivo até mostra em detalhes as formas usadas para tapear os inspetores.
Apesar das alegações em contrário, o JCPOA jamais iria impedir o Irã de obter armas nucleares, sequer era este o seu objetivo. As cláusulas de caducidade nele contidas significavam que, na melhor das hipóteses, o acordo poderia ter atrasado Teerã poucos anos na obtenção de armas nucleares, empurrando o problema com a barriga para as gerações futuras descascarem o abacaxi em um contexto muito mais perigoso. Qualquer que seja a volta ao JCPOA pela Casa Branca nas mãos de Biden, visto a maneira que está sendo pressionado por Brennan e outros prováveis integrantes do governo, não sairá um acordo fortalecido, provavelmente um ainda mais fraco.
Além da mudança de regime guarnecida com consequências altamente imprevisíveis, não há outra alternativa a não ser a coerção. Israel acabou com o projeto nuclear do Iraque em 1981 e com o projeto da Síria em 2007 por meio de ataques aéreos. Estes foram condenados pelos Estados Unidos e países europeus daquela época. Mas foram posteriormente reconhecidos como medidas vitais para a segurança regional, quando da invasão do Kuwait por Saddam que teve que ser rechaçado e o Estado Islâmico na Síria esmagado.
O Irã aprendeu a lição vendo estas ações, portanto ataques aéreos eficazes contra o seu programa nuclear seriam muito mais complicados e sangrentos, embora não possam ser excluídos se necessário. Enquanto isso, uma campanha de proveniência desconhecida para conter as ambições nucleares do Irã avançou, incluindo aí o Stuxnet e outros ataques cibernéticos, sabotagem e ações secretas contra instalações nucleares e assassinatos seletivos de cientistas nucleares. A eliminação de Fakhrizadeh foi a mais recente e provavelmente a mais significativa delas, tanto em termos de dissuasão quanto de privação de expertise. A potencial eficácia destas ações foi redobrada com a campanha de sanções econômicas de "pressão máxima" do presidente Donald Trump. Juntas, estas medidas apresentam a melhor chance para retardar o programa nuclear do Irã, bem como de conter a agressão não nuclear, exceto ataques convencionais e guerra total.
Aqueles que são contra esta política não entendem o perigo que representa para a região e para o mundo um Irã munido de armas nucleares, eles acreditam erroneamente que o programa pode ser contido por meios diplomáticos ou estão encantados com a ideia de uma ditadura fanática munida de armas nucleares. Brennan e os defensores europeus de sua argumentação parecem acreditar que o Irã possa ser contido com afagos e negociação, em vez de poderio militar e vontade política. Este é um grave erro no entendimento da psicologia e da ideologia da liderança iraniana. O caminho defendido pelos proponentes do apaziguamento só pode mesmo levar a derramamento de sangue, violência e sofrimento infinitamente maiores do que a morte nas ruas do Irã de um terrorista proscrito.
O coronel Richard Kemp é ex-comandante do exército britânico. Ele também foi chefe da equipe internacional contra o terrorismo do Gabinete do Governo do Reino Unido, hoje é redator e palestrante sobre assuntos internacionais e militares.