Há cinquenta anos, na semana dos dias 5 e 6 de setembro de 1972, o mundo assistiu horrorizado judeus sendo, de novo, brutalmente assassinados em solo alemão, nas Olimpíadas de Munique. Oito terroristas da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), usando o codinome "Setembro Negro", torturaram e assassinaram 11 atletas israelenses, castrando um deles enquanto ele estava morrendo na frente de seus companheiros de equipe. Eles invadiram o alojamento dos atletas, mataram dois de imediato e mantiveram o restante como reféns, exigindo a libertação de 234 terroristas presos em Israel. A primeira-ministra Golda Meir, signatária da declaração de independência de Israel em 1948, se recusou a negociar com eles, tachando as exigências de chantagem. Mais tarde, ela ressaltou: "aprendemos uma lição amarga. É possível salvar uma vida de pronto, colocando assim mais vidas em perigo. O terrorismo tem que ser eliminado".
Nesse ínterim, Berlim ofereceu salvo-conduto e uma exorbitante soma de dinheiro aos terroristas, que eles recusaram. No caos que se instalou por conta de uma desastrosa tentativa por parte dos alemães de emboscar os assassinos na base aérea de Fürstenfeldbruck, perto de Munique, já em 6 de setembro, os terroristas massacraram com granadas de mão e tiros os nove atletas restantes nos helicópteros que os levaram para lá, bem como um policial alemão. Todos menos três terroristas foram mortos no tiroteio. A unidade de forças especiais da FDI Sayeret Matkal (Unidade de Reconhecimento do Estado Maior) estava pronta para montar uma operação de resgate, contudo o governo alemão se recusou a permitir que eles entrassem no país, rejeitando arrogantemente os conselhos dos chefes do Mossad e do Shin Bet que já haviam chegado ao país.
Eles foram obrigados a assistir sem poder fazer nada, enquanto seus companheiros israelenses eram massacrados.
Os terroristas estavam armados com armas contrabandeadas para a Alemanha por intermédio de diplomatas da Líbia, onde foram treinados para a missão assassina. O presidente líbio Muammar Gadaffi financiou o ataque a mando do líder da OLP Iasser Arafat, que posteriormente negou qualquer envolvimento e dois anos depois foi ovacionado de pé na Assembleia Geral das Nações Unidas. O atual presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, foi peça-chave na preparação da operação. Posando orgulhosamente no cenário mundial 50 anos depois, Abbas continua se recusando a mostrar qualquer remorso pelos assassinatos que ajudou a planejar.
O ataque ainda estava em andamento, quando Avery Brundage, presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), insistiu que os jogos deveriam continuar. Enquanto dois israelenses jaziam mortos e outros nove tinham armas apontadas para as suas cabeças, a primeira competição de atletismo do dia começou na hora certa, conforme a precisão alemã, às 8h15 em ponto. Brundage só concordou com uma suspensão 12 horas após o início do ataque e, após uma breve pausa, as competições esportivas continuaram como se nada tivesse acontecido. "inacreditavelmente, eles continuam competindo", escreveu o Los Angeles Times na época, "é quase como dançar em Dachau" (que ficava a poucos quilômetros dali).
Discursando no dia seguinte em um serviço religioso em memória das vítimas do massacre, Brundage, que teve êxito em evitar um boicote dos EUA às Olimpíadas dos nazistas em Berlim em 1936 por causa da perseguição aos judeus, afrontosamente minimizou o assassinato dos 11 israelenses. Um pedido do chanceler alemão para hastear as bandeiras nacionais a meio pau nos jogos foi rescindido depois que os países árabes se recusaram em concordar.
Zvi Zamir, chefe do Mossad, que testemunhou o massacre, escreveu:
"vimos os atletas israelenses, com as mãos atadas, lado a lado com os terroristas, todos marchando em sintonia em direção aos helicópteros. Foi uma visão aterradora, principalmente para um judeu em solo alemão."
Sem demora, seguiu-se uma violenta ação contra a OLP. Dois dias depois do massacre, em 8 de setembro, aviões de guerra israelenses bombardearam dez bases da OLP na Síria e no Líbano, matando aproximadamente 200 terroristas e derrubando três caças sírios que tentaram interceptar a força de ataque. E não parou por aí, uma operação terrestre, com blindados da FDI entrou no Líbano, matando cerca de 45 terroristas da OLP.
Em 10 de setembro, uma resolução do Conselho de Segurança da ONU exigindo que Israel suspendesse as operações militares na Síria e no Líbano, notoriamente não mencionando nada sobre o massacre ocorrido em Munique, foi vetada pelos EUA diante de fortes protestos da União Soviética e da China. O embaixador soviético ressaltou que equiparar os ataques israelenses aos eventos em Munique "seria tolerar a política agressiva dos maníacos israelenses". É claro que a própria União Soviética estava com as mãos sujas de sangue no caso Munique, visto que criou a OLP e a colocou no caminho do terrorismo na Europa, financiando e apoiando ataques.
O embaixador dos EUA na ONU, George H.W. Bush, salientou que a resolução ignorou a realidade e "olhou para o efeito, não para a causa". Ele continuou, ressaltando que o "silêncio da resolução sobre o desastre em Munique" encorajava mais terrorismo. Abordando a questão da violência palestina de forma mais ampla, ele acrescentou: "buscamos e apoiamos um mundo no qual atletas não precisam temer assassinos e passageiros de aviões não precisam temer sequestros".
As palavras de Bush pronunciadas em Nova York foram bem recebidas em Israel, mas palavras não foram o bastante para uma nação traumatizada que acabara de testemunhar 11 caixões saindo do aeroporto de Lod em uma procissão motorizada de veículos militares da FDI e ainda por cima com o agravamento da dor por causa da decisão de continuar com as competições, como se fosse possível novamente dar de ombros para o massacre de judeus na Europa. Coube a Golda Meir converter as palavras de Bush em ação: o objeto alvo em questão era o seu povo.
Para tanto, incursões militares na Síria e no Líbano não eram o bastante. Lidar com a ameaça dos países do Oriente Médio era uma coisa, enfrentar o terrorismo na Europa são outros quinhentos. Antes do ataque em Munique, a inteligência israelense havia fornecido, repetidamente, informações aos governos europeus sobre células terroristas e planos de ataque em seus países. Mas conforme Golda Meir salientou à comissão de relações exteriores do Knesset: "nós os informamos uma, duas, três ou cinco vezes e ficou tudo por isso mesmo". (Trecho do livro Rise and Kill First, Ronen Bergman, 2018), a relutância europeia em agir com base na inteligência e antagonizar os terroristas palestinos e seus patrocinadores árabes possibilitou uma onda de ataques que deixou um rastro de mortos e feridos. Nos três anos anteriores, 16 pessoas foram mortas e feridas em sete ataques terroristas contra alvos israelenses e judeus, isto só na Alemanha Ocidental.
Defrontado com a falta de ação na Europa, o Mossad já havia proposto ataques diretos contra terroristas no continente. Golda Meir, comprometida em respeitar a soberania dos países amigos, recusou e autorizou ações somente em nações do Oriente Médio hostis a Israel. Isso tudo mudou com o massacre em Munique. Seis dias após o massacre, ela disse ao Knesset:
"qualquer que seja o lugar em que uma trama estiver sendo armada, onde quer que eles estejam preparando pessoas para assassinarem judeus, israelenses, judeus em qualquer lugar, é lá que nós nos comprometemos a pegá-los". (Rise and Kill First, Ronen Bergman, 2018)
Com essas palavras, Golda Meir lançou uma das operações antiterroristas mais bem-sucedidas que o mundo já viu.
Apesar desta postura firme, antes de levar sua decisão ao gabinete, Golda Meir ficou compreensivelmente apreensiva, tanto por motivos morais quanto políticos. Posteriormente ela disse:
"não há nenhuma diferença entre matar alguém e tomar decisões que enviarão outros a matar. É exatamente a mesma coisa, até pior talvez."
Ela também estava preocupada com os jovens israelenses que ela enviaria para o maior e mais grave perigo tanto físico quanto psicológico. Ela sabia que se um homem pode caçar, ele também pode ser caçado. Conforme ela destacou: "eles estão sentados bem nas mandíbulas do inimigo".
O Mossad já se preparava para esse tipo de operação desde 1969 e imediatamente despachou comandos especiais da força-tarefa de combate ao terrorismo para a Europa, sob a alcunha de "Baioneta". O primeiro dos vários golpes ocorreu menos de dois meses após o massacre de Munique, em 16 de outubro em Roma, quando o representante da OLP na Itália, Wael Zwaiter, primo de Yasser Arafat, foi morto a tiros. Na sequência, outros foram neutralizados na França, Chipre, Grécia e em outros lugares. As execuções foram suspensas após julho de 1973, quando um inocente, confundido com um terrorista da OLP, foi morto em Lillehammer, na Noruega. As diretivas voltaram em 1978 no governo do primeiro-ministro Menachem Begin.
Em 9 de abril de 1973, já fora do continente europeu, a Operação Primavera da Juventude, um ataque conjunto da FDI/Mossad em Beirute liderado por Ehud Barak (que mais tarde ocupou o cargo de primeiro-ministro), matou três líderes do alto escalão da OLP e cerca de outros 50 terroristas. No dia seguinte, Walter Nowak, embaixador da Alemanha em Beirute condenou o ataque. Vergonhosamente, o embaixador havia se reunido com Abu Youssef, um dos líderes do Setembro Negro morto no ataque da FDI e um dos organizadores do massacre, para apresentar uma proposta para a criação de "uma nova base de confiança" entre a OLP e o governo alemão, isto somente seis meses depois do massacre em Munique. Este incidente caracteriza as duas abordagens: de um lado a Alemanha que passava a mão na cabeça dos terroristas, do outro lado Israel que os eliminava.
Os assassinatos seletivos a mando de Golda Meir tinham como objetivo impedir que ataques terroristas contra israelenses fossem realizados a partir de e na Europa e não, como muitas vezes se imagina, como vingança pelo massacre em Munique, a maioria dos mortos não estava diretamente ligada ao massacre das Olimpíadas. O chefe do Mossad, Zvi Zamir, deixou bem claro: "não estávamos à procura de vingança". Ele continuou explicando: "o que fizemos foi prevenir de forma concreta que ocorressem outros atentados no futuro. Agimos contra aqueles que achavam que poderiam continuar perpetrando atos de terrorismo".
O objetivo era prevenir e esvaziar ataques terroristas contra cidadãos israelenses em países onde as autoridades nacionais se mostraram relutantes em tomar providências. Tratava-se também de dissuasão, fazer com que os terroristas entendessem que o preço de suas ações seria alto, de preferência alto demais. Tal desígnio explica a forma dramática como alguns dos ataques foram conduzidos, incluindo o uso de explosivos em vez de meios que poderiam ser explicados por associação ou incidentes que poderiam ser passados por acidentes. O Mossad queria que os terroristas não tivessem a menor sombra de dúvida do porquê seus companheiros estavam sendo mortos e quem estava por trás disto. Por motivos políticos, as operações tinham que ser balanceadas com a plausibilidade da negação, um princípio consistente de muitas operações antiterroristas israelenses, antes e depois. Este esquema deu muito errado em Lillehammer, onde seis agentes do Mossad foram presos e levados a julgamento.
O imperativo dos assassinatos seletivos de Israel foi novamente confirmado menos de dois meses após as Olimpíadas, quando um voo da Lufthansa de Beirute para Frankfurt foi sequestrado por palestinos que exigiam a libertação dos três terroristas que sobreviveram em Munique. O governo alemão, num piscar de olhos, pagou um resgate de US$9 milhões e libertou os homens, que foram levados via Zagreb para Líbia, onde receberam as boas-vindas como heróis.
A última coisa que Berlim queria era levar esses assassinos a julgamento. A inteligência alemã alertava para o risco de novos atos de terrorismo para forçar a libertação deles. Essa reviravolta, portanto, foi deveras conveniente e alguns especialistas, incluindo o chefe do Mossad na época, acusaram o governo alemão de pagar à OLP para que ela encenasse o sequestro para dar cobertura à libertação dos terroristas. Essa versão também foi confirmada em uma entrevista com Abu Daoud, líder confesso do massacre de Munique.
Após a soltura, o chefe do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha escreveu um memorando ao gabinete do chanceler salientando: "devemos nos considerar satisfeitos que a coisa toda tenha se acalmado o suficiente." Isto refletia a atitude predominante em toda a Europa naquela época e depois também. Em 1977, autoridades francesas prenderam Abu Daoud, o líder dos terroristas. Eles perguntaram se a Alemanha queria que ele fosse extraditado, mas os alemães recusaram a oferta. O governo francês, preocupado com o potencial de ataques em seu próprio solo em consequência de sua detenção, permitiu que Daoud voasse para a Argélia alguns dias depois diante de fortes protestos de Israel e dos EUA e elogios da União Soviética. Até a morte, ele se gabou do massacre que havia organizado.
Fora o temor do terrorismo, o afagamento de terroristas árabes pelos governos europeus foi motivado pelo receio de que um alinhamento muito próximo com Israel em questões de segurança prejudicaria as relações com os países árabes, comprometendo assim o fornecimento de petróleo e os contratos de exportação.
Os líderes americanos e europeus frequentemente criticavam a política de assassinatos seletivos de Israel, às vezes chegando a afetar o compartilhamento de inteligência, bem como as relações diplomáticas e comerciais e, alguns acusando Israel de táticas terroristas. Conforme destacou Golda Meir:
"a pessoa que ameaça com uma arma e a pessoa que se defende para que a arma não seja disparada contra ele não são a mesma coisa."
Depois que os terroristas islâmicos começaram a apontar suas armas contra cidadãos do Ocidente, essas objeções baseadas em "princípios" como não podia deixar de ser se esfarelaram, sendo que tanto os Estados Unidos quanto seus aliados se viram, amiúde, forçados a recorrer a uma política modelada na de Israel. Os EUA e a Grã-Bretanha usaram agências de inteligência, forças especiais, drones e ataques aéreos para matar terroristas por meio de assassinatos seletivos, inclusive no Iêmen, Paquistão, Afeganistão, Iraque e Síria. Dois dias após os ataques terroristas de 2015 em Paris, as forças armadas francesas, apoiadas pela Grã-Bretanha, lançaram uma onda de ataques aéreos contra as bases do Estado Islâmico na Síria, ecoando os ataques de Israel no Líbano e na Síria nos dias após o massacre em Munique.
Como já era de se esperar, nesta nova situação, sempre que o Mossad forneceu informações sobre planos de ataques terroristas aos países europeus em seus territórios, não foi preciso informá-los "duas, três ou cinco vezes". Agora com seus próprios cidadãos no olho do furacão, eles zás-trás tomaram as medidas que deixaram de tomar na década de 1970, quando os israelenses eram o alvo principal.
Via de regra as nações ocidentais, apesar da rejeição anterior, condenação e por vezes hostilidade, acabaram sendo obrigadas a seguir a concepção vanguardista que Israel foi forçado a adotar para proteger seu povo. As respostas americanas e europeias aos ataques jihadistas em seu próprio território, especialmente após o 11 de setembro, são um exemplo disso.
Estamos vivenciando atualmente outro exemplo: a ameaça nuclear iraniana. Os líderes israelenses advertiram reiteradamente que o programa nuclear de Teerã não representa só um grave perigo para seu próprio país, mas para toda a região e para o mundo. A exemplo da sua resposta em Munique, Israel está conduzindo uma campanha secreta para coibi-la, inclusive por meio de assassinatos seletivos. Enquanto isso, os EUA e os países europeus estão fazendo afagos aos mulás em Teerã, assim repetindo a mesma conduta que tiveram com os terroristas palestinos na década de 1970 e estão prestes a fechar um acordo que abrirá o caminho para a capacitação nuclear iraniana. Só que, neste caso, não dar ouvidos às advertências dos israelenses terá consequências inimagináveis e de longo alcance.
A vigorosa campanha de Israel após o massacre de Munique foi um sucesso. Convenceu o mundo árabe de que o Mossad tinha condições de atacar onde e quando quisesse, incutindo medo nos terroristas, forçando-os a fugir e se esconder em lugares onde antes operavam impunemente, alguns governos árabes moderados até pressionaram a OLP a parar com os ataques. A ofensiva não acabou totalmente com o terrorismo árabe contra os israelenses na Europa e, como acontece com as atividades antiterroristas em todos os lugares, houve algumas consequências bastante adversas. Mas as ações do Mossad no continente e a Operação Primavera da Juventude em Beirute convenceram o líder da OLP, Yasser Arafat, a ordenar o fim dos ataques do Setembro Negro a alvos fora de Israel até o final de 1973. Conforme salientou Golda Meir:
"não prosperamos com ações militares. As conduzimos porque somos obrigados e graças a Deus somos eficientes".
Munique é às vezes considerado o 11 de setembro de Israel. Cinquenta anos depois, o trauma do massacre de 1972 permanece profundamente arraigado nas mentes de todos os israelenses e de muitos outros que o viram se desenrolar com a angústia de partir o coração. Sem dúvida, os 11 israelenses que morreram em Munique estavam em ainda estão na mente daqueles bravos homens e mulheres que desempenharam seus papéis individualmente na campanha que visava evitar a repetição dos horrores que os atletas enfrentaram. Nas palavras de Golda Meir na época:
"talvez chegue o dia em que as histórias de heroísmo e desenvoltura, sacrifício e devoção desses guerreiros, sejam contadas em Israel e gerações as contarão para aqueles que os seguiram com admiração e orgulho, como mais um capítulo na herança de heroísmo da nossa nação".
Em memória de:
David Berger
Anton Fliegerbauer
Ze'ev Friedman
Yosef Gutfreund
Eliezer Halfin
Yosef Romano
Amitzur Shapira
Kehat Shorr
Mark Slavin
Andre Spitzer
Yakov Springer
Moshe Weinberg
O coronel Richard Kemp é ex-comandante do exército britânico. Ele também foi chefe da equipe internacional contra o terrorismo do Gabinete do Governo do Reino Unido, hoje é escritor e palestrante sobre assuntos internacionais e militares. Ele é Fellow do Jack Roth Charitable Foundation no Gatestone Institute.