Nesta semana, perto de Bakhmut, leste da Ucrânia, tive a oportunidade de passar um tempo com comandantes e soldados que lutam contra a invasão russa na cidade já em ruínas, às vezes por meses a fio. Esta tem sido uma das batalhas mais longas, qualquer que seja o parâmetro, desde 1945 e de longe a mais sangrenta da guerra, russos e ucranianos muitas vezes em combate corpo a corpo, artilharia devastando a cidade, cenas que lembram Stalingrado e um nível de carnificina jamais visto em nenhuma outra cidade nesta execrável guerra comandada por Putin.
Ao conversar com esses homens exaustos pela batalha, era palpável e às vezes emocionante, ver a gratidão pelo fornecimento de armas, munições e equipamentos do Ocidente. Eles nos agradeceram por mantê-los vivos e lutando. Perguntei o que eles mais precisavam no momento de nossos países. Obviamente mais armas, mais munição, mais tanques, mais foguetes e aviões de combate sempre apareciam na conversa. Outra resposta tanto consistente quanto marcante, ainda que nada surpreendente: não queira forçar nosso país a fazer a paz com os invasores.
Isso vindo de homens que viram seus irmãos de armas serem mortos a tiros, explosões de bombas e dilacerantes estilhaços de projéteis, de homens que lutaram para impedir o agravamento da condição de seus camaradas mutilados, que suportaram a percussão entorpecente de intermináveis bombardeios de artilharia e que arriscaram suas próprias vidas a cada hora na devastada cidade. A certa altura, a fatídica realidade da vida em Bakhmut foi transportada de volta para casa por frotas de ambulâncias que passavam por nós, deixando para trás o campo de batalha.
Com a afervorada rejeição às negociações de paz, esses combatentes refutavam as palavras do general norte-americano Douglas MacArthur em seu famoso discurso Dever, Honra, País em West Point: "o soldado acima de todos os demais reza pela paz, pois é o soldado que sofre e paga com as mais profundas feridas e cicatrizes da guerra"?
Eu não fiz essa pergunta a eles porque entendi imediatamente o que estava por trás da sua determinação sombria de continuar lutando, apesar dos horrores que os cercavam.
Anteriormente, visitei a adjacente Izium, onde a ocupação russa está presente não só pelas escolas, hospitais, casas e prédios de apartamentos destruídos por balas e escombros, como também por covas rasas no meio da floresta, agora vazias e cada uma marcada por um símbolo de cruz de madeira talhada feito às pressas.
Depois que os russos foram expulsos pela contra ofensiva do exército ucraniano em setembro passado, 447 corpos foram exumados aqui, a maioria de civis, homens, mulheres e crianças, quase todos evidenciavam sinais de morte violenta, muitos foram executados, alguns foram mutilados e outros com as mãos atadas. A floresta circunvizinha se encontra danificada por ranhuras devido à passagem de tanques, havia enormes crateras no solo onde os veículos blindados russos ficaram escondidos para proteção da artilharia e fogo antitanque e para ajudar na ocultação tanto por terra quanto por ar. Uma dessas ranhuras continha 17 cadáveres de soldados ucranianos. Antes de jogar terra sobre eles, os russos, para completar, colocaram uma mina antitanque em cima dos corpos, cuja intenção era a de matar e mutilar os encarregados de desenterrá-los.
Alguns dos civis mortos foram trazidos para essas florestas da cidade de Izium e de Balakliia, que ficam a poucos quilômetros dali. Em ambas as cidades, tive a oportunidade de passar por delegacias de polícia com celas em condições sub-humanas e porões sem luz onde os russos haviam amontoado seus cativos, homens, mulheres e crianças, onde os aterrorizavam, torturavam, abusavam sexualmente e os assassinavam.
Poucos dias depois, vi locais com as mesmas condições sinistras em Bucha, perto de Kiev. Lugares como este podem ser encontrados em inúmeras cidades e vilarejos ocupados pelos russos. Eles lembram hediondamente dos centros de tortura e extermínio nazistas que visitei na Polônia, na França e na Ilha do Canal de Alderney. A exemplo daqueles, esses locais deveriam ser preservados, tanto como alerta do que homens maquiavélicos são capazes de fazer quanto como memorial às pobres almas que sofreram de forma tão abominável sob a bota militar russa.
Das regiões do país que o exército de Putin ocupou desde a invasão em fevereiro passado, eles também sequestraram crianças ucranianas, incluindo bebês, em escala industrial. Até agora, o governo de Kiev documentou o sequestro de 19.393 crianças, provavelmente há muitas mais que ainda não foram identificadas.
Algumas ainda estão detidas em regiões da Ucrânia ocupadas pelo exército russo, outras foram transportadas para o território russo. Assim como tortura e assassinato de civis em Izium e em outros lugares, a execução sumária de prisioneiros de guerra, são crimes de guerra. É por causa desses sequestros que o Tribunal Penal Internacional emitiu em março mandados de prisão contra Vladimir Putin e a assim chamada Comissária dos Direitos da Criança, Maria Lvova-Belova.
As forças de Putin e os burocratas civis sequestraram crianças de orfanatos, as arrancaram à força de seus pais ou as levaram a "abrigos" depois de assassinarem suas famílias. Algumas foram levadas para serem criadas ou adotadas à força em cidades como Moscou, São Petersburgo e Rostov. Nomes e datas de nascimento eram por vezes alterados para que não poderem ser localizadas. As crianças que defendem a sua terra natal, cantam o hino nacional ou falam mal de Putin são "reeducadas" pelas autoridades russas, um processo que inclui longos períodos de detenção e confinamento solitário, bem como intimidação e violentos espancamentos. Algumas crianças foram alistadas em um "exército jovem" russo, onde são treinadas e preparadas para um dia lutar contra seu próprio povo.
Em Kiev, conheci as mães, com olhos vermelhos de tanto chorar, algumas dessas crianças, cada uma delas passando por um inferno na terra que nunca irá terminar até que seus filhos e filhas voltem para casa. O governo ucraniano e a ONG Save Ukraine, bem como pais, isoladamente, que têm condições, estão fazendo de tudo para resgatar os filhos, mas até agora somente um número infinitesimal foi trazido de volta para casa. Embora não haja como reverter a tortura e o assassinato, o sequestro de crianças pela Rússia pode, e não dá para entender porque até agora não há massiva indignação internacional.
O sequestro de crianças ucranianas ecoa grotescamente o Terceiro Reich, que retirou à força pelo menos 20 mil crianças polonesas de suas famílias e as transportou para a Alemanha, o mesmo número de crianças, de que temos notícia, foram sequestradas por Putin até o momento. Muitas delas enfrentaram um destino quase idêntico ao das crianças ucranianas sequestradas hoje.
Voltando aos defensores de Bakhmut, o simples fato de saber dessas ações destrutivas é o motivo da sua luta e porque eles e os combatentes em outros campos de batalha da Ucrânia continuam determinados a continuar atacando, mantendo os invasores longe das portas de suas famílias até que eles os expulsem de suas fronteiras, custe o que custar.
O Coronel Richard Kemp é um ex-comandante do exército britânico. Ele também foi chefe da equipe que trata de terrorismo internacional do Gabinete do Reino Unido e agora é escritor e palestrante sobre assuntos internacionais e militares. Ele é Shillman Fellow no Gatestone Institute.