O governo da Alemanha vem promovendo a fake news na qual sustenta que os Estados Unidos estão procurando obter acesso exclusivo a uma vacina experimental contra o coronavírus que está sendo desenvolvida pela CureVac, uma empresa alemã de biotecnologia. Foto: Um carro da empresa ostentando o logotipo, em frente da sede em Tübingen, Alemanha. (Foto: Matthias Hangst/Getty Images) |
O governo da Alemanha vem promovendo a fake news na qual sustenta que os Estados Unidos estão procurando obter acesso exclusivo a uma vacina experimental contra o coronavírus que está sendo desenvolvida por uma empresa alemã de biotecnologia.
O caso, que desencadeou furor antiamericano na Alemanha e em outros lugares da Europa, foi rapidamente desmascarado pela empresa, que negou ter recebido ofertas do governo americano ou de qualquer outra entidade do gênero.
A investida de fomentar o antiamericanismo parece ser um esforço do governo alemão para esfriar as críticas à Chanceler Angela Merkel e ao seu gabinete pela tímida resposta à epidemia do coronavírus.
Em 15 de março o jornal Welt am Sonntag, revelou no artigo: "Donald Trump Tenta Seduzir Empresa Alemã de Vacinas," que o Presidente Donald J. Trump ofereceu "um montão de dinheiro" para comprar a empresa particular CureVac de Tübingen, que está trabalhando para produzir uma vacina contra o coronavírus.
O jornal informou que de acordo com pessoas que não quiseram se identificar nos "círculos do governo alemão" (deutschen Regierungskreisen), Trump queria "garantir que a droga seria somente para o seu país." O artigo assinalou:
"Segundo consta, o presidente dos Estados Unidos ofereceu à empresa alemã uma enorme quantia de dinheiro para que ela prosseguisse com o seu trabalho. Em Berlim, o zum zum zum é que se trata de um bilhão de dólares. O que é particularmente problemático é que Donald Trump não mede esforços para obter a vacina para os Estados Unidos. 'Mas somente para os Estados Unidos,' afirma o governo federal..."
"Está dando o que falar em Berlim que representantes do Ministério da Saúde e do Ministério da Economia estão negociando com a CureVac... Alemanha, estão fazendo contrapropostas financeiras para manter a empresa (nas mãos dos alemães)... A CureVac se recusou a responder aos questionamentos."
Mais do que depressa, a história foi eleita e disseminada sem nenhum critério, pelas mídias, inclusive a impressa, por toda a Europa bem como nos Estados Unidos. Quase todas citaram textualmente o artigo que saiu no jornal Die Welt sem que ele confirmasse a veracidade da reportagem.
"Vacina 'Só para os Estados Unidos,'" dizia o Rheinische Post . "Atitude Antisocial de Donald Trump," reclamava o Süddeutsche Zeitung . "O Insolente Ataque contra a CureVac é um Sinal de Alerta para a Alemanha," escreveu Anja Ettel correspondente comercial do Die Welt, numa fúria desvairada. Der Aktionär, uma revista de negócios e finanças, conjecturou: "para Donald Trump, a vacina seria a cura milagrosa com a qual daria o xeque-mate na campanha eleitoral."
Políticos alemães também reagiram, ao que tudo indica, também sem checar a veracidade da história. O Ministro da Economia Peter Altmaier ressaltou: "a Alemanha não está à venda." O Ministro das Relações Exteriores Heiko Maas tiutou: "não podemos aceitar que outros queiram exclusivamente adquirir os resultados da nossa pesquisa."
O líder libertário do Partido Liberal Democrata (FDP), Christian Lindner, salientou: "esse modo de pensar, América em primeiro lugar é totalmente descabido num caso desses." O parlamentar Karl Lauterbach do Partido Social Democrata (SPD), tuitou:
"o governo americano agiu de maneira extremamente afrontosa. A venda exclusiva de uma possível vacina para os Estados Unidos deve ser evitada, custe o que custar. O capitalismo tem limites."
A CureVac está cansada de negar tais alegações. Em um comunicado à imprensa em 15 de março, a empresa ressaltou que ela "rejeita qualquer alegação sobre ofertas para a aquisição da empresa ou da sua tecnologia." Num tuite de 16 de março, ela assinalou:
"de novo, para que não paire nenhuma dúvida no ar em relação ao coronavírus: a CureVac não recebeu do governo americano, nem de nenhuma entidade do gênero, nenhuma oferta, nem antes, nem durante e nem depois do encontro da Força-Tarefa ocorrida na Casa Branca em 2 de março. A CureVac nega toda e qualquer alegação da imprensa nesse sentido."
O tuíte se referia ao então CEO da CureVac Daniel Menichella, que foi convidado à Casa Branca em 2 de março para trocar ideias sobre estratégias para desenvolver e produzir o mais rápido possível uma vacina para o coronavírus. Ele se encontrou com o Presidente Donald Trump, o Vice-presidente Mike Pence, membros da Força-tarefa da Casa Branca para o Coronavírus bem como representantes do alto escalão e outras empresas farmacêuticas e de biotecnologia.
O embaixador americano na Alemanha Richard Grenell negou as alegações. "Não é verdade," tuitou ele. "A matéria do Die Welt está equivocada. Mesmo assim o Business Insider, Reuters e outros insistiram em fincar o pé e continuar com aquela história apesar de não disporem de suas próprias fontes. Agora está todo mundo voltando atrás."
Uma autoridade americana disse à Reuters: "essa história é abusadamente exagerada... Nós continuaremos a manter contato com qualquer empresa que diga ser capaz de ajudar. E qualquer solução encontrada será compartilhada com todos."
O jornal Frankfurter Allgemeine, publicou um artigo com o título, "Curevac Não Recebeu Nenhuma Oferta do Governo Americano," no qual afirma que o artigo do Die Welt é "Fake News", inventado pela CureVac para obter financiamento do governo. O jornal sugeriu que o governo alemão ajudou a promover a farsa:
"será que o Presidente dos Estados Unidos Donald Trump está mostrando sua verdadeira face quando se atém ao lema 'América em primeiro lugar' na pandemia do corona? O Welt am Sonntag publicou que ele queria assegurar acesso, com muito dinheiro, à empresa de biotecnologia alemã Curevac. As alegações causaram grande entusiasmo e duros protestos.
"Políticos do primeiro escalão em Berlim confirmaram a investida de Trump sobre diversas mídias. Indiretamente, a irritação também foi reforçada pela Chanceler Angela Merkel....
"Enquanto isso, a Curevac recebeu um comprometimento de 80 milhões de euros em financiamento da Comissão Europeia."
Leitores do artigo publicado no Die Welt se mostraram, em grande medida, céticos em relação à veracidade da matéria. Na seção Carta do Leitor apareceu o seguinte comentário:
"um ministro alemão, que ouviu de um outro ministro alemão, que um jornalista alemão, que não estava presente, disse que o presidente americano ofereceu um bilhão de dólares a uma empresa que ainda não tinha desenvolvido uma vacina contra a COVID-19... Para o meu gosto, é muito diz-que-me-disse, a ânsia do Die Welt por muitos cliques em seu site, a ânsia em alimentar o ressentimento contra Donald Trump, e quem sabe, o marketing inteligente da empresa por financiamento público em tempos da crise corona."
Em um ensaio para o blog Die Achse des Guten, o comentarista Dirk Maxeiner, explica:
"Se você quiser desviar a atenção do seu próprio malfeito, é sempre aconselhável gritar: 'pega ladrão, ele está fugindo.' Esse jogo pôde ser visto claramente nos últimos dias. Políticos e a mídia alemã que, tendo em vista a crise do Corona teriam na verdade motivos de sobra para olhar no espelho, estão dando uma rasteira em seu ladrão favorito: Donald Trump, quem mais poderia ser?"
"Há seis semanas Donald Trump proibiu a entrada de não-cidadãos vindos da China aos Estados Unidos, enquanto na Alemanha passageiros continuaram chegando de lá livremente, felizes e contentes. Isso não impede o Süddeutsche Zeitung, de acusar Trump de ter 'fracassado' na crise do coronavírus. Manchete: 'vírus e incompetência.' Ou, melhor ainda, Die Welt: 'o ataque de Donald Trump contra a Alemanha esconde o temor de caos nos Estados Unidos.'
"Se você estiver do lado oposto é possível ver a mesma coisa: 'o ataque da Alemanha contra Donald Trump esconde o temor de caos da Alemanha.' Esta versão é muito mais plausível. A mistura de cretinice, arrogância e autosuperestima provinciana pode ser ilustrada como exemplo no pequeno episódio a seguir."
"'O Insolente Ataque contra a CureVac é um Sinal de Alerta para a Alemanha,' escreve Die Welt. 'Donald Trump está querendo abocanhar uma empresa de vacinas alemã,' informou o jornal... O governo alemão está tentando evitar isso..."
"Se você olhar para as informações atualizadas, só resta mesmo concluir que se trata de uma tempestade num copo d'água, no qual o método 'Pega Ladrão' se juntou ao antiamericanismo e o lema 'Pega o Trump' se espalhou feito um rastro de pólvora. Nesse ínterim, a narrativa virou o fuxico predileto dos alemães que odeiam Trump e os Estados Unidos...
"Isso tudo mostra o quão afrontosa e provincial é a vontade de conceber um confronto econômico germano/americano a partir do interesse americano em trabalhar com esses pesquisadores. Também mostra de forma contundente que os políticos alemães estão apenas e tão somente interessados em pesquisas de ponta neste país quando os americanos as descobrem. Fora isso, eles fazem tudo associado com a Nomenclatura da Bélgica para tornar difícil a vida dos melhores pesquisadores no campo da medicina."
Em 16 de março, a Comissão Europeia, braço administrativo da União Europeia, anunciou que ofereceu à CureVac US$87 milhões em ajuda financeira para ampliar os trabalhos para desenvolver e produzir uma vacina contra o coronavírus.
O Chefe do Estado-Maior de Merkel, Helge Braun, salientou que a CureVac irá permanecer nas mãos dos alemães:
"estivemos em contato muito próximo com a empresa nas últimas duas semanas quando apareceu a questão dos americanos seduzi-la. Nós também deixamos bem claro: se a vacina for desenvolvida na Alemanha, ela será para a Alemanha e para o mundo inteiro. Isso também convenceu a empresa a permanecer na Alemanha."
Mais cedo ou mais tarde, a controvérsia será substituída pelos acontecimentos.
Em 16 de março, os Estados Unidos se tornou o primeiro país a conduzir testes em humanos de uma vacina para o novo coronavírus. Um total de 45 voluntários adultos saudáveis entre 18 e 55 anos irão receber a vacina experimental por um período de aproximadamente seis semanas.
A vacina de nome mRNA-1273 foi desenvolvida por cientistas do National Institutes of Health dos EUA (NIH) e colaboradores da empresa de biotecnologia Moderna, em Massachusetts. Ainda poderá levar de 12 a 18 meses até que ela seja disponibilizada, uma vez que ela tenha passado por outras fases de testes e ter provado que funciona e que é segura.
Enquanto isso, após tergiversar por semanas a fio, a Chanceler Merkel finalmente reconheceu a ameaça representada pelo coronavírus. Em um discurso à nação em 18 de março, ela disse:
"a situação é grave. Levem isso a sério. Desde a unificação da Alemanha, não, desde a Segunda Guerra Mundial, não houve nenhuma ameaça dessas à nossa nação que exigisse tamanho grau de ação conjunta e solidária."
Dias antes, Merkel finalmente alertou que mais de dois terços da população alemã, 58 milhões de pessoas, poderiam ser infectadas pelo coronavírus:
"o vírus chegou à Europa, ele está aqui e todos precisam entender isso. Enquanto não houver imunidade na população, nem vacinas nem terapias, altas porcentagens da população, especialistas dizem de 60% a 70%, serão infectadas."
Soeren Kern é membro sênior do Gatestone Institute de Nova Iorque.