Um plano elaborado pelo governo grego para a construção de novos campos para migrantes em cinco ilhas do Mar Egeu desencadeou violenta oposição de moradores locais, que temem que as dependências incentivem ainda mais a migração em massa da África, Ásia e Oriente Médio. Foto: Pelotão de choque a postos na ilha grega de Lesbos diante de moradores locais que protestam contra a construção de um novo campo para migrantes, em 26 de fevereiro de 2020. (Foto: Aris Messinis/AFP via Getty Images) |
Um plano elaborado pelo governo grego para a construção de novos campos para migrantes em cinco ilhas do Mar Egeu desencadeou violenta oposição de moradores locais, que temem que as dependências incentivem ainda mais a migração em massa da África, Ásia e Oriente Médio.
O governo assegura que os novos campos, que deverão estar prontos e em funcionamento até julho de 2020, são necessários para aliviar a superlotação em outras localidades que receberam críticas internacionais. Moradores locais por sua vez contra-argumentam que os migrantes deveriam ser transferidos para a Grécia continental.
Em 25 de fevereiro, mais de 500 habitantes da região impediram trabalhadores da construção civil de se aproximarem de um local onde seria criado um novo campo para imigrantes em Karava Mantamadou em Lesbos. O pelotão de choque usou gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral para dispersar a multidão.
Choques dessa natureza também ocorreram em Chios, uma ilha grande grega localizada a menos de 20 quilômetros da Turquia, de onde dezenas de milhares de migrantes partem a cada ano na esperança de chegarem ao continente europeu.
O lugar escolhido em Lesbos será chamado de campo fechado e terá um rígido controle ao acesso, ele substituirá o atual campo de acesso aberto em Moria. Os campos fechados permitirão que os migrantes saiam durante o dia, mas exigirão que eles sejam trancados durante a noite. O objetivo é controlar a movimentação dos migrantes além de impedir que eles fujam para o continente.
Fora Lesbos, as autoridades gregas também planejam construir dependências fechadas nas ilhas de Chios, Kos, Leros e Samos. Essas ilhas ficam próximas à Turquia.
O acampamento de Moria, um amontoado de alojamentos construídos para abrigar no máximo 3 mil migrantes, mas que já acomoda pelo menos 20 mil, sendo que aproximadamente um terço tem menos de 18 anos, foi alvo de críticas dos quatro cantos da terra devido às condições de vida sub-humanas a que são submetidos.
Uma porta-voz da organização Médicos Sem Fronteiras (Médecins Sans Frontières, MSF), Sophie McCann, explica:
"eles vivem em condições sub-humanas, tipo medieval mesmo... com quase nenhum acesso a serviços básicos, incluindo água quente e limpa, energia elétrica, saneamento e saúde. Todo santo dia nossas equipes médicas tratam a consequente deterioração da saúde e bem-estar".
Em 2016 as autoridades gregas com apoio da UE, implantaram a assim chamada política de contenção que visa impedir que os migrantes cruzem a fronteira da Turquia para a Grécia. As diretrizes da política determinam que os migrantes permaneçam nas ilhas, sem condições de se encaminharem à terra firme da Grécia até que seus pedidos de asilo tenham passado pelos devidos trâmites legais. Com o acúmulo de dezenas de milhares de candidatos, o sistema de asilo emperrou. Cerca de 40 mil migrantes estão, para todos os efeitos, presos nas ilhas.
A política de contenção irritou os moradores locais, que reclamam que os migrantes são responsáveis pela escalada na criminalidade. "As pessoas estão vendo suas propriedades serem destruídas, suas ovelhas e cabras abatidas, suas casas invadidas".salientou Nikos Trakellis, líder de uma comunidade em Moria. "Há alguns anos, quando havia 5 mil migrantes na ilha, as coisas já estavam bastante ruins. Agora a sensação é a de que a situação realmente está fora de controle".
Em outubro de 2019, o governo grego anunciou um programa para transferir 20 mil migrantes das ilhas para o continente. A subsequente disparada no número de chegadas de novos migrantes da Turquia, no entanto, deixou os campos de migrantes nas ilhas superlotados como de costume.
As autoridades gregas dizem que estão fazendo o possível para atender as necessidades dos habitantes das ilhas, dos migrantes e dos grupos de direitos humanos. "O governo está se esforçando em acertar as coisas e dar conta do recado", salientou um funcionário do governo à agência de notícias Reuters. "Se não construirmos novas dependências, as condições de vida não irão melhorar."
O governador regional do Norte do Egeu, Kostas Moutzouris, que é contra o plano do governo de construir campos permanentes para migrantes nas ilhas, retratou a situação em Lesbos como um "barril de pólvora prestes a explodir". Ele ressaltou: "é imprescindível que seja declarado estado de emergência". Ele também alertou para o seguinte:
"temo pela segurança da nossa população, os moradores de Lesbos. Para mudar situação, muitos refugiados devem ser transferidos para terra firme e as novas chegadas da Turquia têm que ser interrompidas. Caso contrário, a vaca vai para o brejo".
O porta-voz do governo Stelios Petsas, que retratou as atuais dependências como "bombas de saúde pública" realçou:
"Estamos pedindo às comunidades locais que entendam que as dependências fechadas beneficiarão o país e suas comunidades. No momento, há um déficit de confiança que foi gradativamente aumentando em anos anteriores, portanto a confiança precisa ser restaurada. Iremos construir esses centros fechados e também fechar os abertos já existentes. Essa é a promessa do governo.
"Com os novos campos será muito mais fácil acelerar o processo de asilo, de modo que aqueles que têm direito a asilo possam ser transferidos para a Grécia continental e os demais sejam retornados à Turquia".
O governo de centro-direita da Grécia, encabeçado pelo primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis, que assumiu o cargo após as eleições parlamentares de julho de 2019, adotou uma abordagem de linha mais dura no tocante à migração do que o governo anterior de esquerda liderado por Alexis Tsipras:
- Julho de 2019. O novo governo revogou o direito aos serviços de saúde pública para candidatos a asilo e a migrantes sem documentos que chegarem à Grécia.
- Setembro de 2019. O governo de um aperto quanto rigor nas exigências para a solicitação e aprovação de pedidos de asilo. Além disso o governo também prometeu fortalecer a segurança nas fronteiras e repatriar 10 mil migrantes ilegais à Turquia até o final de 2020.
- Outubro de 2019. O parlamento grego aprovou uma nova lei de asilo que introduziu mudanças radicais no sistema nacional de asilo, como a retirada de algumas possibilidades de recursos de recorrer das decisões bem como facilitar a deportação de candidatos a asilo que não foram aprovados.
- Novembro de 2019. O governo assinalou que irá endurecer o controle nas fronteiras da Grécia e acabar com os gargalos nos procedimentos de checagem dos candidatos a asilo.
- Janeiro de 2020. O governo anunciou a construção de uma cerca flutuante para impedir que os migrantes cheguem pelo mar. A barreira de 2,7 quilômetros será montada na costa de Lesbos. Ela terá 50 centímetros acima do nível do mar e possuirá um sistema de iluminação que a tornará visível à noite. Se a barreira se mostrar eficiente no sentido de reduzir a migração, ela poderá ser estendida para 15 quilômetros ou ainda mais.
- Fevereiro de 2020. O parlamento grego aprovou uma lei para regulamentar todas as organizações não-governamentais (ONGs) que lidam com questões migratórias. O objetivo é garantir que as ONGs não lucrem com a migração em massa "de forma inadequada e parasitária".
Mitsotakis salientou recentemente que, diferentemente do governo anterior, a Grécia não está mais aberta a qualquer um que queira entrar:
"o seja bem-vindo à Grécia vale somente para aqueles escolhidos por nós. Os que não forem bem-vindos serão retornados. Fecharemos a porta de maneira definitiva ao tráfico ilegal de seres humanos para aqueles que desejam entrar, em que pese não terem direito a asilo".
Desde 2015, mais de um milhão de migrantes da África, Ásia e Oriente Médio ingressaram na União Europeia através da Grécia.
Um acordo firmado em março de 2016 entre a UE e a Turquia reduziu o fluxo migratório, mas o número de chegadas saltou em 2019, depois que o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan e outros membros do seu governo ameaçaram inundar a Europa com migrantes muçulmanos.
Autoridades gregas salientaram que Erdoğan controla pessoalmente o fluxo migratório para a Grécia e o libera ou interrompe com o objetivo de arrancar mais dinheiro ou outras concessões políticas da União Europeia.
O Ministro da Imigração da Grécia Giorgos Koumoutsakos observou que quando a Turquia "começa a repetir: vamos abrir as comportas, os migrantes se aproximam das comportas à espera que elas se abram". Ele ressaltou:
"a Europa não pode agir sob ameaças e chantagens. Como europeus temos que entender a situação que os turcos estão enfrentando, Ancara deve, por sua vez, entender que essa não é a maneira de se lidar com a Europa".
Em 2019, cerca de 60 mil migrantes, em média 164 por dia, chegaram à Grécia, de acordo com a UNHCR, a agência de refugiados da ONU. Quase 80% chegaram a Chios, Lesbos e Samos.
Essa tendência continua: mais de 6 mil migrantes, em média 133 por dia, chegaram à Grécia durante as primeiras seis semanas de 2020 segundo a UNHCR. Os principais países de origem são: Afeganistão (50%), Síria (21%), Congo (6%) e Iraque (3,5%).
Em consequência dos últimos combates em Idlib, uma província no noroeste da Síria devastada pela guerra, quase um milhão de pessoas ficaram desabrigadas, em sua maioria mulheres e crianças, que buscavam refúgio próximo à fronteira da Turquia.
A Turquia, que atualmente abriga quase quatro milhões de refugiados sírios, disse que não tem como lidar com um novo contingente de migrantes. O país ameaça recorrentemente reabrir as comportas da migração em massa para a Europa.
Soeren Kern é Membro Sênior do Gatestone Institute em Nova Iorque.