A ex-ministra da Defesa da Alemanha Ursula von der Leyen, que foi eleita por uma estreita margem ao cargo de presidente da Comissão Europeia, prometeu implantar um ambicioso programa político com viés de esquerda no tocante às mudanças climáticas, impostos, migração e estado de direito. (Foto: Sean Gallup/Getty Images) |
A ex-ministra da Defesa da Alemanha, Ursula von der Leyen foi eleita por uma margem estreita ao cargo de presidente da Comissão Europeia, a poderosa divisão administrativa da União Europeia.
Em votação secreta no Parlamento Europeu em 16 de julho, von der Leyen, forte aliada da chanceler alemã Angela Merkel, obteve 383 votos, apenas nove votos a mais que o mínimo de 374, a margem mais estreita desde que o cargo de presidente foi estabelecido em 1958. Ela substituirá Jean-Claude Junker em novembro de 2019 para um mandato de cinco anos.
Antes da votação, von der Leyen prometeu implantar um ambicioso programa político com viés de esquerda no tocante às mudanças climáticas, impostos, migração e estado de direito. Muitas de suas promessas, como a transferência de mais soberania nacional aos burocratas 'biônicos' em Bruxelas, davam a impressão de visar o apoio dos Verdes e dos Socialistas à sua candidatura ao Parlamento Europeu.
Na votação final, no entanto, houve um racha entre os socialistas quanto ao apoio à von der Leyen e os Verdes formalmente se opuseram a ela. Curiosamente von der Leyen ganhou com o apoio dos eurocéticos da Europa Central e Oriental porque ela criticou publicamente a forma como a UE os tratou devido à oposição deles à migração em massa.
No passado von der Leyen defendeu a criação de um superestado: "meu objetivo é criar os Estados Unidos da Europa, espelhado no modelo de federações como o da Suíça, Alemanha e dos Estados Unidos," salientou ela em entrevista concedida à revista alemã Der Spiegel em agosto de 2011. Entretanto, de uns tempos para cá, ao que tudo indica, ela reconsiderou suas ambições ressaltando que seu sonho de uma UE federalizada ficou "mais maduro e mais realista". Ao tecer comentários aparentemente destinados a apaziguar a Europa Central e Oriental, ela sustentou: "na União Europeia, há unidade na diversidade. Isso é diferente de federalismo. Eu acredito este seja o caminho certo".
Um olhar minucioso sobre as propostas políticas de von der Leyen, revelam que ela defende uma acentuada expansão de poderes de cima a baixo da Comissão Europeia. Suas propostas aumentariam substancialmente o papel de Bruxelas em praticamente todos os aspectos da vida econômica e social da Europa em detrimento da soberania nacional.
Segue um breve resumo das principais propostas de von der Leyen para os próximos cinco anos, esboçados em um documento de 24 páginas intitulado "Minha Agenda para a Europa":
Mudanças Climáticas
Von der Leyen protagoniza uma União Europeia "neutra em relação ao carbono" até 2050. Ela prometeu propor um "Acordo Verde para a Europa" nos primeiros 100 dias no cargo. Faria parte desse acordo a primeira "Lei Climática para a Europa" para consagrar a meta da neutralidade climática para 2050 em lei: "as emissões de dióxido de carbono têm que ter um preço. Todo e qualquer indivíduo todo e qualquer setor terão que contribuir".
Ela também prometeu introduzir um "imposto de fronteira sobre as emissões de dióxido de carbono" que será cobrado das empresas não europeias para garantir que as empresas europeias "tenham condições de competir em pé de igualdade com as não europeias". Além disso, um "Pacto Europeu para o Clima" "sujeitará, do singular indivíduo às gigantes multinacionais a uma série de comprometimentos que acarretarão numa mudança de comportamento".
O esquema de reengenharia social de von der Leyen será pago pelos contribuintes europeus: um "Plano Europeu de Investimento Sustentável" arcará com "um bilhão de euros em investimentos climáticos na próxima década em todos os cantos da UE". Ela também afirmou que a UE "liderará as negociações internacionais para aumentar o nível de interesse de outros importantes emissores até 2021".
Economia, Sociedade e Tributação
Von der Leyen prometeu dar prioridade ao aprofundamento da União Econômica e Monetária. Ela prometeu introduzir um "Instrumento Orçamentário para a Convergência e Competitividade," um "Esquema Europeu de Seguro para Depósitos" e completar a "União Bancária". Ela também prometeu fortalecer o papel internacional do euro.
Ela prometeu integrar a governança econômica europeia às Metas de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Von der Leyen propôs um instrumento legal para garantir um salário mínimo para os trabalhadores em todos os 28 estados membros da UE. Ela também propôs um "Fundo de Resseguro de Desemprego Europeu", uma "Garantia para a Criança Europeia" e uma "Diretriz para o Equilíbrio entre a Vida Pessoal e Profissional" para "estimular melhor a divisão de responsabilidades entre homens e mulheres".
Von der Leyen também propôs uma "Estratégia de Gênero Europeia" para garantir "remuneração igual para o trabalho igual" e prometeu introduzir "medidas vinculantes de transparência salarial". Ela prometeu estabelecer cotas para o equilíbrio de gênero nos conselhos de administração das empresas. Ela também prometeu uma Comissão Europeia totalmente equilibrada quanto ao gênero: "no fim do meu mandato, assegurarei que teremos plena igualdade em todos os níveis de gestão da Comissão. Não aceitarei nada menos do que isso".
Von der Leyen prometeu reformular o sistema de tributação europeu: "um dos principais fundamentos da nossa economia social de mercado é que todos paguem uma cota justa. Não pode haver exceções". Ela prometeu priorizar a taxação das gigantes da tecnologia: "Se até o final de 2020 não houver uma solução global para o imposto digital justo, a UE deve agir por conta própria". Ela se comprometeu a impor uma taxa-base comum consolidada para as empresas: "as diferenças nas regras de tributação podem ser um obstáculo à integração mais profunda do mercado comum. Podem engessar o crescimento, particularmente na zona do euro onde os laços econômicos são mais fortes. Temos que ter condições de agir ". Ela alertou que Bruxelas rejeitará os Estados membros da UE que se opuserem à sua reforma fiscal: "usarei as cláusulas dos Tratados que permitem que as propostas sobre tributação sejam aprovadas por decisão conjunta, deliberada por maioria qualificada no Conselho. Isso nos tornará mais eficientes e melhor aparelhados para agir com rapidez quando necessário."
Tecnologia
Von der Leyen prometeu desenvolver normas comuns para as redes 5G para a UE alcançar a "soberania tecnológica" em áreas de tecnologia crítica: "definiremos conjuntamente padrões para essa nova geração de tecnologias que se tornarão a norma global". Ela salientou: "nos meus primeiros 100 dias no cargo, apresentarei uma legislação para uma abordagem europeia coordenada em relação às implicações humanas e éticas da Inteligência Artificial".
Entretanto, a nova "Lei dos Serviços Digitais" da UE "melhorará nossas normas quanto à responsabilidade e segurança com respeito às plataformas, serviços e produtos digitais e levará a termo nosso "Mercado Comum Digital". Uma "Unidade Cibernética" conjunta "acelerará o compartilhamento de informações e aprimorará nossa própria proteção".
Von der Leyen também propôs um "Espaço Europeu da Educação" para "mudar a cultura da educação" e um "Plano de Ação da Educação Digital" para "repensar a educação".
Estado de Direito, Migração e Segurança Interna
Von der Leyen defendeu a criação de um "Mecanismo Europeu de Estado de Direito" abrangente, para assegurar a primazia da lei da UE em relação às leis nacionais dos estados membros da UE. Ela advertiu que haverá consequências econômicas para os estados membros que se recusarem a cumprir a lei: "pretendo dirigir o foco na aplicação mais rígida da lei, usando como base os recentes julgamentos do Tribunal de Justiça mostrando o impacto das violações ao estado de direito na legislação da UE. Eu defendo a proposta de tornar o estado de direito parte integrante do próximo Quadro Financeiro Plurianual". Ela ressaltou: "a Comissão sempre será uma guardiã independente dos Tratados. A Justiça é cega, ela defenderá o estado de direito onde quer que seja e quem quer que seja atacado".
Von der Leyen também propôs um "Novo Pacto sobre Migração e Asilo", no qual a Agência Europeia de Controle de Fronteiras revigorada assumirá as responsabilidades sobre o controle de fronteira dos estados membros da UE: "eu quero ver os guardas de fronteira da UE em condições de agir nas fronteiras externas da UE até 2024."
Entretanto, o novo "Sistema Europeu Comum de Asilo" exigirá que todos os estados membros da UE ofereçam asilo aos migrantes que solicitarem: "todos nós precisamos ajudar uns aos outros e contribuir". Além disso, o Ministério Público Europeu "deveria ter mais força e autoridade" e "ter condições de investigar e tomar as devidas providências legais em relação ao terrorismo transnacional".
Defesa e Comércio Europeu
Von der Leyen, que anteriormente defendeu a criação de um exército europeu, se comprometeu em tomar "medidas mais ousadas nos próximos cinco anos no sentido de criar uma genuína União para a Defesa Europeia". Ela salientou: "necessitamos de uma abordagem integrada e abrangente para a nossa segurança".
Ela ainda afirmou: "eu acredito que a Europa deveria ter uma voz mais robusta e mais unida no mundo". Ela pediu uma mudança nas leis para que a UE possa agir sem o consentimento unânime dos estados membros da UE: "para ser um líder global, a UE precisa ter mecanismos para agir com rapidez: vou me empenhar para que a maioria qualificada se torne a norma nessa área. Trabalharei em estreita colaboração com o Alto Representante/Vice-Presidente para garantir uma abordagem coordenada em relação a qualquer ação externa, desde a assistência ao desenvolvimento à Política Externa e de Segurança Comum."
Na esfera comercial, von der Leyen disse que nomeará um "Diretor Executivo para a Efetivação Comercial" para aprimorar o cumprimento e a aplicação dos acordos comerciais da UE. Ela também salientou que conduzirá os esforços para atualizar e reformar a Organização Mundial do Comércio: "devemos assegurar que temos condições de fazer valer nossos direitos, inclusive por meio do uso de sanções, se outros bloquearem a resolução de um conflito comercial".
Reações
O fraco apoio do Parlamento Europeu à Von der Leyen mostrou que ela tem tantos críticos quanto apoiadores. O líder do partido Brexit, Nigel Farage, é provavelmente seu crítico mais contundente. Dirigindo-se ao Parlamento Europeu, ele salientou:
"O que acabamos de ver hoje das propostas de Ursula von der Leyen é a investida da UE de assumir o controle de todos os aspectos de nossas vidas. Ela quer construir uma forma atualizada, centralizada, não democrática de comunismo que tornará obsoletos os parlamentos dos estados-nação, onde o Estado controla tudo, onde os parlamentos dos estados-nação não terão mais nenhuma relevância."
"Eu tenho a dizer da nossa maneira de ver as coisas, que de certa forma estou realmente muito satisfeito, porque a senhora acabou de fazer com que o Brexit seja muito mais popular no Reino Unido. Graças a Deus estamos saindo!"
"Eu acho que é no âmbito da defesa que as pessoas deveriam se focar. Ela é fanática no que tange construir um exército europeu, mas não está sozinha. Quando estiver concluído, a OTAN deixará de existir ou não terá nenhuma relevância para a Europa."
O membro do parlamento europeu do partido Brexit, Matthew Patten, no artigo de opinião: "A Fanática Von der Leyen é o Último Prego no Caixão da Caótica Democracia da UE", publicado pelo The Telegraph, escreve:
"Ursula von der Leyen, a controvertida ministra da defesa da Bundeswehr obteve a aprovação do Parlamento da UE para se tornar presidente da comissão da UE com apenas nove votos de vantagem... No Parlamento da UE, onde a maioria dos acordos são costurados antes de qualquer votação, é o máximo que ela pode alcançar..."
"Tal feito se deu depois de dias de intensos cambalachos, com Von der Leyen andando pelos corredores de Estrasburgo e Bruxelas fazendo lobby para a sua presidência...."
"Começando com 'temos que fazer as coisa à moda europeia' e 'o mundo precisa de mais Europa', faziam parte de suas propostas um salário mínimo para a UE, uma união dos mercados de capitais, um sistema europeu de seguro desemprego e, o mais polêmico, o abandono do veto nacional sobre política externa, mais um passo em direção a um exército europeu e a entrega da decisão de ir à guerra ou não à UE."
"Ela também prometeu o aprofundamento da União Econômica e Monetária da Europa, uma base tributável comum e consolidada do imposto sobre as sociedades que seja auspiciosa a uma abordagem da Grã-Bretanha para ela procrastinar mais um pouco o Brexit."
"Von der Leyen concluiu dizendo: "temos que avançar para o poder total de decisão conjunta para o Parlamento Europeu e longe da unanimidade para as políticas sobre o clima, energia, sociais e fiscais. Ela terminou com o lema 'Vida Longa à Europa!', ressaltando seu apoio aos Estados Unidos da Europa."
Na Itália a vitória de von der De Leyen desencadeou uma crise no governo de coalizão. O primeiro ministro Giuseppe Conte apoiou von der Leyen, assim como o vice-primeiro-ministro Luigi Di Maio do Movimento 5 Estrelas anti-establishment. O vice-primeiro ministro e ministro do interior Matteo Salvini do partido Liga se opôs a ela. Ele tuitou que esse apoio à von der Leyen "traiu" o pleito dos italianos que queriam mudanças na União Europeia.
O embaixador dos EUA na UE Gordon Sondland urgiu von der Leyen a reativar as negociações comerciais transatlânticas, mas alertou que os Estados Unidos estavam prontos para impor tarifas com "consequências econômicas imediatas para a UE" caso não houvesse progresso nas negociações. "Estou muito otimista quanto à sua liderança e disposição de trabalhar de maneira construtiva com os Estados Unidos" realçou Sondland em uma entrevista concedida ao Politico.
Soeren Kern é Membro Sênior do Gatestone Institute em Nova Iorque.