"É particularmente preocupante que o governo federal da Alemanha não tenha adotado medidas cabíveis para impedir a volta descontrolada de combatentes clandestinos do EI," segundo ressaltou Linda Teuteberg, secretária-geral do Partido Liberal Democrata da Alemanha. Ela adiantou que o governo "ainda não tem ideia" de como lidar com ex-combatentes alemães do EI, como é o caso de "alemães detidos na zona de guerra, bem como os mais de 200 ex-apoiadores do EI que já estão de volta em solo alemão." (Imagem: Olaf Kosinsky / CC BY-SA 3.0-de via Wikimedia Commons) |
O governo alemão perdeu a conta de quantos alemães foram para o Iraque e para a Síria nos últimos anos para engrossar as fileiras do Estado Islâmico (EI). A revelação vem em meio a crescentes temores de que haja combatentes do grupo retornando à Alemanha sem serem reconhecidos pelas autoridades alemãs.
O Ministério do Interior da Alemanha, em resposta a uma pergunta de Linda Teuteberg da Secretaria Geral ao Partido Liberal Democrata (FDP), clássico liberal, revelou que as autoridades alemãs não têm informações sobre o paradeiro de pelo menos 160 alemães que foram combater ao lado do EI, segundo o jornal Welt am Sonntag. O ministério informou que alguns deles provavelmente foram mortos em combate, outros estão escondidos e podem estar tentando voltar para a Alemanha.
"Em vista da porosa proteção das fronteiras externas da UE, é particularmente preocupante que o governo federal não tenha adotado medidas cabíveis para impedir a volta descontrolada de combatentes clandestinos do EI", segundo ressaltou Teuteberg ao Welt am Sonntag. Ela adiantou que o governo "ainda não tem ideia" de como lidar com ex-combatentes alemães do EI, como é o caso de "alemães detidos na zona de guerra, bem como os mais de 200 ex-apoiadores do EI que já estão de volta em solo alemão".
Teuteberg salientou que o Ministério do Interior deveria elaborar um plano delineando a maneira de lidar com ex-integrantes do EI que retornam ao país e como fazer com que prestem contas pelos seus atos, por exemplo: fortalecendo a capacidade legal de investigar crimes de guerra cometidos no exterior e tomar as devidas providências legais.
Dos estimados 1.050 alemães que foram para o Iraque e para a Síria nos últimos anos para entrar em combate, aproximadamente um terço (350) retornou à Alemanha. Acredita-se que outros 220 foram mortos nos campos de batalha. De acordo com fontes do governo citadas pelo programa da TV alemã Tagesschau, cerca de 120 estão detidos no Iraque e na Síria. Além disso, ao menos 138 filhos de combatentes alemães estão mas mãos do EI naqueles dois países. O paradeiro dos demais é desconhecido.
O governo alemão minimizou a apreensão de Teuteberg de que os combatentes do EI possam retornar à Alemanha debaixo das barbas das autoridades:
"Dadas as diferentes medidas (como as listas dos mais procurados e a checagem nas fronteiras), que tornariam o retorno descontrolado mais difícil, pressupõe-se também que futuramente a entrada sem o conhecimento das autoridades competentes da Alemanha deveria ser a exceção."
Sabe-se no entanto que combatentes do EI entraram na Europa, incluindo na Alemanha, sem que ninguém soubesse, disfarçados de migrantes: os terroristas, em sua maioria, que desfecharam os ataques em novembro de 2015 em Paris, nos quais 130 pessoas foram mortas e 360 ficaram feridas, entraram na Europa como migrantes, segundo investigadores especializados em contraterrorismo. A maioria dos perpetradores era bem conhecida da polícia e pelo menos nove se encontravam em listas de observação de terroristas. Após passarem pelas fronteiras porosas da UE no sul da Europa, eles puderam viajar livremente pelo velho continente.
O sumiço dos combatentes do EI é um abacaxi para toda a Europa. Um estudo realizado em julho de 2018 pelo International Center for the Study of Radicalization (ICSR) no King's College de Londres calcula que mais de 5.900 pessoas, 3.379 homens, 1.023 mulheres, 1.502 menores da Europa Ocidental se juntaram ao Estado Islâmico. Outras 7.250 da Europa Oriental também se juntaram ao grupo.
Pelas estimativas do ICSR, cerca de 1.765 combatentes do EI retornaram à Europa Ocidental e 784 à Europa Oriental. Pelo menos 800 combatentes do EI estão retidos em campos de detenção curdos no norte da Síria. Cerca de 700 esposas de combatentes e 1.500 filhos também se encontram nos acampamentos de acordo com a Reuters. Ainda não está claro quantos combatentes desaparecidos do EI foram mortos nos campos de batalha e quantos estão escondidos.
Na Áustria, dos 250 combatentes do EI, 93 retornaram ao país. Na Bélgica, dos 500, 123 retornaram. Na Grã-Bretanha, dos 850, 425 retornaram. Na Dinamarca, dos 145, 72 retornaram. Na França, dos 1.900, 400 retornaram. Na Itália, dos 129, 11 retornaram. Na Holanda, dos 300, 60 retornaram. Na Espanha, dos 210, 30 retornaram.
Na Suécia, estima-se que das 300 pessoas que deixaram o país para se juntar ao Estado Islâmico cerca de 150 retornaram, de acordo com o Serviço de Segurança da Suécia (Säpo). Acredita-se que cerca de 100 combatentes suecos tenham morrido nos campos de batalha, o governo não sabe o paradeiro dos demais.
Entre 35 e 40 combatentes suecos do EI voltaram a Estocolmo, contudo o município não fez nenhum contato com nenhum que voltou ao país e sequer sabe onde qualquer um deles reside, segundo uma denúncia da (SVT), TV pública da Suécia.
A SVT entrevistou servidores em cinco municípios suecos: Gotemburgo, Estocolmo, Örebro, Malmö e Borås, onde reside a maioria dos 150 combatentes do EI que voltaram e constatou que esses municípios juntos só sabem do paradeiro de no máximo 16 adultos e 10 crianças.
A aparente apatia foi e continua sendo atribuída à falta de legislação da Suécia. "Somos, por assim dizer, o único país da UE que carece de legislação no tocante à participação e cooperação com respeito a organizações terroristas" realçou Magnus Ranstorp, especialista em contraterrorismo da Swedish Defence University, de Estocolmo. "É claro que somos vulneráveis", salientou ele. "Os ex-combatentes perigosos que perambulam pelas ruas poderiam recrutar mais, poderiam até planejar atos terroristas".
Entretanto, centenas de combatentes jihadistas estrangeiros detidos na Síria representam uma "bomba-relógio". Eles poderiam fugir e ameaçar o Ocidente, a menos que os países tomem providencias cabíveis para trazê-los de volta, de acordo com as autoridades lideradas pelos curdos, apoiadas pelos EUA.
"Parece que a maioria dos países decidiu dar um basta e deixá-los aqui, mas isso é um erro crasso", realçou Abdulkarim Omar das Forças Democráticas da Síria. "Seus países de origem devem dar mais de si e processar combatentes estrangeiros, reabilitar suas famílias, caso contrário essa conjuntura representará um perigo, uma bomba-relógio."
Em fevereiro de 2019, o presidente dos EUA, Donald Trump exortou os países europeus a repatriarem e processarem os combatentes que foram lutar no exterior:
"Os Estados Unidos estão pedindo à Grã-Bretanha, França, Alemanha e outros aliados europeus que tragam de volta mais de 800 combatentes do ISIS que foram capturados e estão sob sua custódia na Síria e os processem. O califado está à beira do colapso. A alternativa não é nada boa, pois seremos forçados a libertá-los...
"Os EUA não querem assistir de camarote esses combatentes do ISIS permearem a Europa, para onde se acredita que eles irão. Fazemos tanto, gastamos tanto. É tempo dos demais países se empenharem e fazerem a parte deles, habilidade para isso é o que não falta." Nos afastaremos após 100% de vitória sobre o califado!"
Em abril, Trump tuitou:
"Em nossas derradeiras batalhas para eliminar 100% do califado na Síria, capturamos 1.800 combatentes do ISIS. Deliberações estão sendo realizadas agora sobre o que fazer com esses perigosos prisioneiros... Os países europeus não estão ajudando em nada, muito embora o que fizemos foi para o bem deles. Eles estão se recusando a trazer de volta prisioneiros de seus próprios países. Isso não é nada bom!"
Em 24 de junho, a Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, pediu que todos os combatentes estrangeiros que estão detidos na Síria e no Iraque sejam repatriados, investigados e processados ou então libertados. "A contínua detenção de indivíduos não suspeitos de terem praticado crimes, sem base legal e sem constante e independente revisão judicial é inaceitável", salientou ela.
A relutância da Europa em trazer de volta seus cidadãos que combateram em nome do EI se baseia numa mistura de fatores legais, financeiros e políticos. Alguns países começaram a repatriar os filhos de jihadistas do EI avaliando caso a caso, mas repatriar aqueles combatentes e suas respectivas famílias é extremamente malvisto além de trazer riscos políticos.
Na França, por exemplo, o primeiro-ministro Édouard Philippe disse recentemente que ele preferiria que os jihadistas franceses fossem repatriados, em vez de correr o risco deles se esquivarem da justiça. Eles deveriam ser "julgados, condenados e punidos na França e não foragirem por aí e planejarem outras ações, inclusive contra o nosso país", ressaltou ele em uma entrevista concedida à France Inter em 30 de janeiro. Seus comentários provocaram uma reação imediata. Valérie Boyer do partido Les Républicains de centro-direita expôs ao parlamento que o governo precisa "impedir o retorno dos jihadistas que traíram a França e lutaram contra a nossa civilização".
O deputado Nicolas Bay da Assembleia Nacional, que também é membro do conselho executivo do partido União Nacional de Marine Le Pen (RN), assinalou:
"Os jihadistas franceses, movidos pelo compromisso assumido com grupos que declararam guerra ao nosso país, que cometeram ataques hediondos em nosso território, jihadistas que optaram deliberadamente romper com a França. Portanto não há justificativa para conceder a eles qualquer tipo de proteção.
"Em vez de se elaborar algum esquema para a volta deles, o governo deveria fazer tudo que estiver ao seu alcance para impedir que retornem ao território francês! Eles devem ser julgados pelas autoridades competentes da Síria e do Iraque."
Philippe subsequentemente deu uma guinada de 180º. Em entrevista concedida à BFM TV em 6 de março, ele ressaltou:
"Não vamos trazer ninguém de volta. A doutrina francesa sempre foi a de que os combatentes franceses que vão para as zonas de combate estão lutando contra nós. Caso sejam detidos deverão ser julgados e, se necessário, punidos in loco. (no Iraque ou na Síria)."
O recente editorial do Wall Street Journal, "O Problema do Ocidente com os Combatentes Estrangeiros" observa que os governos europeus se encontram naquela situação 'se correr o bicho pega se ficar o bicho come': repatriar e processar os jihadistas ou arriscar que eles desapareçam do radar e realizem novos ataques na Europa. O jornal escreveu:
"Em fevereiro, o presidente Donald Trump tuitou que os EUA estão 'pedindo à Grã-Bretanha, França, Alemanha e outros aliados europeus que tragam de volta' seus combatentes do Estado Islâmico e os processem em seus respectivos países. A Indonésia, Marrocos, Rússia e Sudão começaram a fazer isso meses atrás, mas os governos europeus ainda resistem.
"Ao se curvarem à pressão política interna, os políticos europeus como o Secretário do Interior do Reino Unido Sajid Javid, prometeu rejeitar a entrada de membros do Estado Islâmico e até mesmo cancelar a cidadania deles. Autoridades alemãs e francesas também expressaram publicamente ceticismo com respeito ao acolhimento de terroristas presos. Países que não pouparam críticas aos EUA em relação a Guantánamo, estão fazendo vista grossa para o encarceramento de seus cidadãos em outro país....
"As Forças Democráticas da Síria (SDF) trataram e continuam tratando os detidos complacentemente, mas não podem mantê-los indefinidamente. Ao fim e ao cabo, o grupo não terá opção a não ser soltar os prisioneiros, tornando a ameaça à segurança, até agora gerenciável, bem mais complicada. Esses combatentes experimentados nos campos de batalha são por demais perigosos dado o conhecimento prático e o respeito que eles poderiam conquistar entre os futuros jihadistas.
"Inúmeros combatentes libertados poderão se infiltrar no Iraque, se misturar com populações sunitas simpatizantes e se preparar para o ressurgimento do Estado Islâmico. Já outros poderão explorar os vazios na segurança na Líbia ou Somália ou desencadear conflitos em outras regiões instáveis. O maior risco talvez seja a possibilidade de uma parcela retornar ao Ocidente, na surdina, juntamente com os refugiados. Países que hesitam em repatriar seus cidadãos agora deveriam se dar conta que eles podem voltar, querendo ou não, clandestinamente."
Soeren Kern é membro sênior do Gatestone Institute sediado em Nova Iorque.