O presidente francês Emmanuel Macron sancionou uma nova lei contra o terrorismo que confere amplos poderes a prefeitos, polícia e forças de segurança de fazerem buscas em domicílios privados, aplicarem prisão domiciliar e fecharem lugares de culto, sem que haja a necessidade de mandado judicial. A medida também autoriza a polícia a realizar checagens de identidade ao longo das fronteiras francesas.
A nova lei, aprovada pelo senado francês em 18 de outubro, torna permanente inúmeras medidas antes excepcionais, impostas pelo estado de emergência de dois anos introduzido após os ataques jihadistas em Paris em novembro de 2015. O estado de emergência estava previsto para terminar em 1º de novembro de 2017.
Na cerimônia de assinatura no Palácio do Eliseu, ocorrida em 30 de outubro, Macron ressaltou que a medida comedida atinge o equilíbrio certo entre segurança e respeito pelas liberdades civis. Defensores da linha dura rebatem que a nova lei não vai longe o suficiente, já os grupos de defesa dos direitos humanos se queixam que a medida deixará a França em permanente estado de emergência.
A nova lei, Lei para Fortalecer a Segurança Interna e o Combate ao Terrorismo (Loi renforçant la sécurité intérieure et la lutte contre le terrorisme) - é formada por sete itens centrais:
Zonas de Segurança. A nova lei confere aos prefeitos e a altos funcionários do governo em cada um dos departamentos ou regiões da França o poder de designar áreas públicas e eventos esportivos ou culturais, incluindo concertos musicais, que estejam correndo o risco de sofrerem ataques terroristas, como zonas de segurança. A lei autoriza a polícia a revistar qualquer pessoa ou veículo que tente entrar nessas áreas ou nesses eventos. Quem se recusar a ser revistado será barrado.
Fechamento de Lugares de Culto. A nova lei autoriza os prefeitos a baixarem portarias determinando o fechamento de mesquitas e outros lugares de culto por um período de até seis meses, se os pregadores defenderem "ideias ou teorias" que "incitem violência, ódio ou discriminação, que estimulem a perpetração de atos terroristas ou que enalteçam tais atos". As violações são puníveis com seis meses de prisão e multa de US$8.750. Os que se opõem à lei argumentam que "ideias" e "teorias" são subjetivas e, portanto, passíveis de abuso.
Prisão Domiciliar. A nova lei autoriza o Ministro do Interior a confinar islamistas suspeitos em sua cidade de domicílio, mesmo os que não estejam sendo acusados de terem cometido um determinado crime. Caso haja "sérios motivos para se acreditar que a sua conduta constitui uma ameaça grave à segurança pública e à ordem pública", poderá ser aplicada a prisão domiciliar, sem necessidade de autorização prévia de um juiz, por um período de três meses, renovável por períodos adicionais de três meses até o máximo de um ano. Os indivíduos sujeitos que forem confinados serão obrigados a se apresentarem à delegacia local todo santo dia. Outra possibilidade é o monitoramento eletrônico móvel. O Ministro do Interior também pode proibir que indivíduos tenham contato direto ou indireto com determinadas pessoas claramente identificadas, se constar que elas representam uma ameaça à segurança pública. O descumprimento poderá resultar em três anos de prisão e multa de US$52.500.
Busca e Apreensão. A nova lei autoriza o prefeito a solicitar a um juiz a emissão de mandado de busca e apreensão domiciliar a qualquer pessoa suspeita de ser uma ameaça à segurança pública. O suspeito pode ser detido por até quatro horas se ele ou ela representar "uma ameaça grave para a segurança e ordem pública" e se tiver "contato habitual com pessoas ou organizações com objetivos terroristas" ou que apoie e abrace ideias que incitem tais atos. A lei também autoriza a polícia a confiscar documentos, objetos ou dados eletrônicos encontrados no local.
Servidores Radicalizados. Um servidor público que trabalhe em áreas relacionadas à segurança ou defesa nacional poderá ser transferido ou mesmo demitido do serviço público se ele ou ela abraçar ideias "incompatíveis com o exercício de sua função". Soldados também podem ser destituídos de suas funções pelos mesmos motivos.
Monitoramento Eletrônico e Coleta de Dados. A nova lei autoriza o Ministro do Interior, o Ministro da Defesa e o Ministro dos Transportes a monitorarem comunicações telefônicas e de email de pessoas suspeitas "para prevenção, detecção, investigação e ação penal contra terroristas e crimes graves". A lei também autoriza que os serviços de segurança acessem informações sobre viagens, inclusive de agências de viagens de passageiros que fazem uso de transportes aéreos e marítimos. A coleta de dados "deverá excluir dados pessoais que possam revelar a origem racial ou étnica do monitorado, crenças religiosas ou filosóficas, opiniões políticas, associação sindical ou dados relacionados à saúde ou à vida sexual".
Controle de Fronteiras. A nova lei autoriza a polícia a realizar checagens de identidade sem mandados em mais de 118 áreas fronteiriças e em 373 aeroportos, portos marítimos e estações de trens, bem como em áreas circunvizinhas até um raio de 20 quilômetros. Isso abrange 28,6% do território francês e 67% da população francesa de acordo com o Le Monde. Analistas dizem que as regiões incluem inúmeros subúrbios principalmente de imigrantes e poderá levar a hostilidades contra minorias étnicas.
Macron insistiu que a nova lei permitirá que as autoridades combatam o terrorismo "sem abandonar nossos valores e princípios" e que consagrará "o pleno e permanente respeito pela ordem constitucional e pelas tradições da liberdade da França". Ele também prometeu revisar a lei em dois anos e fazer as mudanças consideradas necessárias.
Foto: policiais patrulham os Campos Elísios em Paris após um ataque terrorista em 21 de abril de 2017 no qual um policial foi morto e outro ficou ferido. (Foto Jeff J Mitchell/Getty Images) |
Marine Le Pen, líder do partido anti-imigração Frente Nacional, criticou a lei por ela ser branda demais:
"A lei é uma farsa, é um subestado de emergência, não votaremos a favor deste texto desastroso. Será ainda menos eficaz do que o estado de emergência porque é menos aplicável. O texto não aborda a especificidade da dimensão islâmica do terrorismo nem a ideologia islâmica que declarou guerra contra nós".
Grupos de direitos civis, em contrapartida reclamam do que eles chamam de "normalização dos poderes de emergência". A Human Rights Watch ressalta:
"A lei se apropria de elementos de práticas de emergência, poderes invasivos de busca, restrições à liberdade individual chegando à prisão domiciliar e fechamento de lugares de culto usados de forma abusiva desde novembro de 2015, tornando-a uma prática criminal e administrativa corriqueira. Tal prática enfraquece o controle do judiciário e a capacidade de checar o abuso praticado pelos novos poderes antiterrorismo usados pelos prefeitos e delegados designados pelo Ministério do Interior em cada região".
A Anistia Internacional ecoou estas apreensões:
"Em vez de inaugurar um período de liberdades restauradas e liberdades civis, a legislação ameaça fazer o contrário, incorporando uma série de medidas repressivas à lei ordinária".
A nova lei teve pouca resistência da população. Uma pesquisa de opinião realizada em 26 de setembro encomendada pelo Le Fígaro constatou que 57% dos entrevistados responderam que eram a favor da nova lei, 62% disseram que a medida infringirá as liberdades civis, 85% disseram que melhorará a segurança.
Mais de 230 pessoas foram assassinadas em ataques jihadistas na França desde janeiro de 2015 quando radicais islâmicos atacaram a redação da revista satírica Charlie Hebdo no centro de Paris.
Os assassinatos mais recentes ocorreram em 1º de outubro, quando um imigrante ilegal de 29 anos da Tunísia esfaqueou duas mulheres até a morte na estação central de trens de Marselha. O homem, identificado como Ahmed A., usava sete identidades diferentes e tinha um longo histórico de pequenos delitos. Ele tinha sido preso poucos dias antes do ataque, foi acusado de furto em lojas, mas a acusação foi retirada por falta de provas. Ainda não está claro porque ele nunca foi deportado.
A polícia francesa e os serviços de inteligência estão monitorando cerca de 15 mil jihadistas que vivem em solo francês, segundo denuncia do Le Journal du Dimanche de 9 de outubro. Desses 15 mil, cerca de 4.000 estão no "topo da lista", os mais propensos a desfecharem um ataque.
Dos 1.900 jihadistas franceses que lutam nas fileiras do Estado Islâmico, cerca de um quinto recebeu até US$580.000 em proventos de assistência social do estado francês, segundo denúncia do Le Figaro de 26 de outubro.
Soeren Kern é membro sênior do Instituto Gatestone sediado em Nova Iorque.