No início do Século XX, Edirne, província turca na Trácia, homenageou uma proeminente comunidade judaica de cerca de 20.000 pessoas, comunidade maior do que toda população judaica de hoje da Turquia de aproximadamente 17.000 pessoas. A maioria dos judeus de Edirne foi forçada a abandonar a cidade depois dos pogroms de 1934. Nos anos 2000, a população judaica de Edirne caiu para 2 (não é erro de impressão: duas) pessoas.
Anteriormente, na Turquia Otomana de 1907, o Sultão Abdulhamid ordenou a construção do que viria a ser uma das duas maiores sinagogas do mundo (a maior da Europa), conhecida em turco como "Buyuk Sinagog," ou a "Grande Sinagoga", em Edirne. À medida que os judeus foram deixando a cidade, a Grande Sinagoga virou uma lamentável ruína.
Uma visão da Grande Sinagoga" de Edirne, de 2010. (imagem: Wikipedia Commons/Yabancı) |
No final dos anos 2000, a comunidade judaica na Turquia solicitou ao gabinete do governador de Edirne a permissão para celebrar casamentos na sinagoga. Felizmente em 2010, a Grande Sinagoga foi declarada patrimônio histórico e arrecadou $1.7 milhões para um programa de restauração, com o objetivo de reabri-la para serviços e visitas, não que os turcos acreditassem que a construção serviria (literalmente) para os dois judeus que ficaram na cidade, mas que poderia seduzir turistas (e dinheiro). O trabalho de restauração está praticamente concluído.
Na semana passada, a maioria dos turcos ficou sabendo que havia uma sinagoga em Edirne quando o governador da cidade ameaçou proibir serviços pós-restauração na Grande Sinagoga e transformá-la em museu.
O governador Dursun Sahin declarou que não permitirá serviços na sinagoga porque as forças de segurança israelenses atacaram a mesquita de al-Aqsa em Jerusalém, apesar do fato da polícia israelense ter negado que entrou na casa de oração.
Sahin afirmou: "Enquanto aqueles bandidos (forças de segurança de Israel) tocam os tambores de guerra dentro da al-Aqsa e assassinam muçulmanos, nós construímos suas sinagogas. Eu digo isso com imenso ódio dentro de mim. Nós limpamos seus cemitérios (judaicos), enviamos seus projetos aos comitês. A sinagoga será registrada somente como museu e não haverá exposições dentro dela".
Pelo menos o vingativo governador foi sincero. Ele disse o que disse sem deixar nenhuma sombra de dúvida "com imenso ódio dentro dele". Não um ódio que ele distingue em virtude "das medidas do governo israelense contra os pobres palestinos", e sim pela sua percepção de qualquer coisa judaica. Conforme o cronista já lembrou aos leitores desse site na semana passada: "Para a maioria dos islamistas turcos, não há nenhuma diferença entre os termos "Israel", "governo israelense", "judeu" ou "judeu turco": É tudo a mesma coisa, são todos vistos com hostilidade".
E mais uma vez, o governo turco fez sim com a cabeça para o governador. Apesar das reivindicações para que ele renunciasse, ele continua no poder. Não houve nenhuma investigação em relação ao seu discurso de incitamento ao ódio que continha, literalmente, as palavras "imenso ódio". Muito pelo contrário, ele deve ter conquistado corações e mentes de muitos turcos em Ancara.
Contudo, é necessário frisar que alguns turcos tiveram a coragem de se levantar e o governador teve que voltar atrás. "Fui mal interpretado", disse mais tarde o governador, em tom conciliatório.
Um legislador da oposição exigiu a renúncia do governador por causa de seus comentários e se ele não renunciasse, que fosse exonerado pelo governo. "Caso Sahin não renuncie em nome da dignidade de seu cargo e da honra da Turquia, que seja exonerado imediatamente", segundo uma declaração por escrito emitida por Aykan Erdemir do Partido Republicano Popular. "É uma vergonha um funcionário público fazer comentários dessa natureza. O discurso de incitamento ao ódio tomou conta do estado. O discurso de incitamento ao ódio, frequentemente demonstrado por políticos da situação, estimula funcionários públicos a seguirem o exemplo".
Erdemir estava certo. Recentemente, o professor de uma escola foi pego pendurando um cartaz em um poste ao lado da sinagoga Neve Salom em Istambul com os seguintes dizeres: "Edifício a ser demolido". O professor não foi processado.
Erdemir propôs a criação de uma comissão parlamentar para investigar "o crescimento do antissemitismo na Turquia". É improvável que o parlamento, de maioria islamista, concorde com ele.
Erdemir não foi o único a defender a Grande Sinagoga. Em 22 de novembro, um grupo de ativistas que se autodenominam "Cidadãos Jovens", um bando de liberais, correu até a Grande Sinagoga para protestar contra o governador. Emitiram um comunicado à imprensa exigindo, assim como já o tinha feito Erdemir, a renúncia do governador.
O governador não renunciará, mas terá que suportar o constrangimento do que os Cidadãos Jovens, não os poderosos, recomendam que ele faça: "Esse governador", disseram eles, tem muito a aprender com o Sultão Abdulhamid... Ele tem muito a aprender do jovem cabo do corpo de gendarmes (turcos), que perdeu sua vida enquanto protegia os judeus de Edirne de saqueadores, durante os pogroms de 1934". Ele também colocou no portão da Grande Sinagoga cartazes com os seguintes dizeres, "Eles (judeus) são nossos compatriotas", "Essa sinagoga já estava aqui quando (o Estado de) Israel ainda não existia" e " Essa sinagoga é da Turquia, não de Israel".
Alguns homens de coragem da Turquia tomaram uma atitude e o governador teve que voltar atrás. Adnan Ertem, diretor geral da Diretoria Geral das Fundações, departamento governamental encarregado da sinagoga, disse o seguinte: "Nossa intenção é manter o edifício como casa de oração para servir a todos os visitantes".
A sinagoga, por enquanto, está salva. Provavelmente o governador ganhou alguns pontos na sua investida de obter uma promoção no futuro, graças ao "imenso ódio dentro dele". Erdemir, membro do parlamento, na oposição, provavelmente engrandeceu sua carreira sendo um político "sionista". Os Cidadãos Jovens irão provavelmente, em breve, passar por uma meticulosa auditoria de seus registros pelos inspetores da Receita Federal. Mais uma vez aquele que profere discursos de incitamento ao ódio na Turquia, não será processado porque não atinge os turcos muçulmanos sunitas.
Burak Bekdil, estabelecido em Ankara, é um colunista turco do Hürriyet Daily e Membro Destacado no Middle East Forum.