Há quatro anos, Thilo Sarrazin, renomado diretor do banco central alemão, membro de longa data do Partido Democrata Social (SPD) de centro esquerda, chocou o establishment alemão quando publicou um livro no qual afirma que a imigração islâmica está enfraquecendo a sociedade alemã. No livro Deutschland schafft sich ab (a Alemanha desistirá de si mesma), Sarrazin escreve que imigrantes islâmicos ameaçam a liberdade e a prosperidade na Alemanha porque eles relutam em se integrar e dependem primordialmente dos benefícios da assistência social.
Embora o partido de Sarrazin, bem como os Democratas Cristãos da Chanceler Angela Merkel, ora no poder, tenham se distanciado do autor e as organizações islâmicas tenham tentado processá-lo, acusando-o de incitamento ao ódio racial, o livro sensibilizou o público alemão. Vendeu mais de dois milhões de exemplares e se tornou um dos livros mais vendidos publicados na Alemanha.
No último mês de outubro, um jornalista francês também publicou um livro, que pode ser considerado o equivalente francês do livro de Sarrazin. Em Le Suicide français (O Suicídio Francês), Zemmour afirma que a elite política francesa está destruindo o país. Seus argumentos lembram os argumentos de Sarrazin e o livro teve o mesmo impacto. As vendas do livro estão quebrando todos os recordes. Até agora, em menos de dois meses, foram vendidos meio milhão de exemplares, apesar do fato do primeiro ministro francês Manuel Valls ter declarado que o livro "não merece ser lido".
Éric Zemmour, jornalista de 56 anos do jornal conservador Le Figaro, nascido na França, de pais judeus argelinos que fugiram de sua terra natal nos anos de 1950 durante a guerra de independência da Argélia. Ziemmour sustenta que a França está sendo destruída por imigrantes que recusam se assimilar, por correção política que sufoca a liberdade de expressão e por organizações supranacionais como a União Européia (UE), que vem debilitando o estado da nação francesa e a economia francesa.
Apesar do sucesso entre o público, o livro de Zemmour dificilmente levará a um sério debate intelectual. Seus críticos cunharam o termo "zemourização da mente", para descrever a vazão de ideias que são tão ridículas que nem merecem ser discutidas. Outros ainda zombam de suas ideias chamando o livro "O Suicídio do Smurf" referindo-se ao autor de "Gargazemmour", uma referência a Gargamel, o bruxo mau no mundo imaginário dos Smurfs. Ou então atacam-no chamando-o de racista. Segundo a Senadora Esther Benbassa, política judia do Partido Verde, Zemmour é um antissemita, "Frankenstein de má-fé".
Zemmour facilitou a vida de seus opositores ao dedicar 7 das 540 páginas de seu livro ao regime do colaborador Philippe Pétain durante a Segunda Guerra Mundial. Nessas páginas, ele alega que o regime de Pétain tinha condições de salvar inúmeros judeus das câmaras de gás alemãs. Embora sua maneira de ver Pétain não seja a essência do livro, essas 7 páginas estão atraindo a maior parte da atenção dos críticos de Zemmour.
O livro também é tipicamente francês no que tange a crítica aos Estados Unidos, que é acusado de ter importado para a França a forma de pensar do politicamente correto e do liberalismo do mercado livre. Um dos argumentos de Zemmour contra a UE é o de que ela impõe à França o "pensamento econômico alemão". Também há certa nostalgia dos dias das conquistas imperiais francesas, sobretudo na era napoleônica. Ao que tudo indica Bonaparte é um dos heróis nacionais de Zemmour.
Uma das poucas jornalistas francesas que defende abertamente Zemmour é Élisabeth Lévy, que como Zemmour, também é de descendência argelina judaica. Ela critica o "bonapartismo" de Zemmour, mas também chama o comportamento do Primeiro Ministro Valls e de outros que atacam o livro sem tê-lo lido de "stalinista e orwelliano". De acordo com Élisabeth Lévy, os cidadãos comuns franceses sentem saudades do passado, mas não dos dias de Napoleão e sim dos dias em que os subúrbios franceses ainda não eram fortalezas do islamismo radical, quando a sociedade francesa ainda tinha como base os valores franceses e quando as pessoas que se sentiam inseguras eram levadas a sério pela polícia.
O enorme sucesso comercial do livro de Zemmour, ilustra a profunda insatisfação de muitos cidadãos comuns franceses com a elite política e cultural. Há quatro anos, o livro de Thilo Sarrazin mostrou que muitos cidadãos comuns alemães não querem que a elite política alemã desista da Alemanha. Hoje, o livro de Éric Zemmour ilustra o fato de muitos cidadãos comuns franceses não estarem dispostos a cometerem suicídio nacional.
A Alemanha desistiu de si mesma? Ainda não. A França cometeu suicídio? Ainda não. O que os livros revelam é que a Europa está pronta para levantes políticos.