Em 12 de março, o ministro das relações exteriores da Itália, Luigi Di Maio, festejou a chegada de um carregamento de suprimentos médicos da China. "Não esqueceremos aqueles que estavam próximos a nós neste momento difícil", ressaltou Di Maio. Não há necessidade, a China os lembrará. Foto: Di Maio mostra um mapa dos municípios italianos em quarentena em meio a uma entrevista coletiva à imprensa em Roma, em 27 de fevereiro de 2020. (Foto: Tiziana Fabi/AFP via Getty Images) |
Poucos dias depois da China ter anunciado que estava enviando suprimentos médicos para a Itália, a mídia estatal chinesa exibiu fotos de italianos nas varandas e ruas aplaudindo o hino nacional da China. "Em Roma, enquanto tocava o hino chinês, alguns italianos cantavam 'Grazie, Cina!' nas varandas, sob os aplausos dos vizinhos", escreveu Zhao Lijian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China que desavergonhada e desonestamente deu a entender que os militares americanos haviam trazido o Covid-19 para Wuhan.
A China se arvorou o papel de salvador, disposto a correr para ficar ao lado da cama da enferma Itália.
Acontece que uma investigação realizada pelo Financial Times revelou que esses vídeos foram manipulados à luz da propaganda de Pequim sobre o coronavírus. As hashtags #ThanksChina e #GoChina&Italy foram geradas na sequência por robôs. Um estudo realizado pela Carnegie Endowment chamou a Itália de "destino alvo da propaganda chinesa".
O artigo denominado "por que a epidemia do Covid-19 é tão politizada" e publicado no site da embaixada chinesa em Paris, dizia: "algumas pessoas do mundo Ocidental estão começando a perder a confiança na democracia liberal" e "alguns (países ocidentais) se tornaram psicologicamente fracos".
Antoine Bondaz, pesquisador da Fundação Francesa para Pesquisa Estratégica, disse ao Politico:
"a China considera a Europa o calcanhar de Aquiles do Ocidente. Segundo a lógica chinesa, há o Ocidente e nele os EUA que irão se opor à China por razões estruturais e ideológicas e seus aliados europeus que necessitam da neutralidade em caso de conflito entre a China e os EUA."
De acordo com o tenente-general (aposentado) H.R. McMaster, ex-conselheiro de segurança nacional do presidente Donald Trump, que adianta em seu novo livro Battlegrounds: The Fight to Defend the Free World, os líderes chineses "acreditam que têm uma janela estreita de oportunidade estratégica para fortalecer seu regime, reescrever a ordem internacional e puxar a sardinha para o seu lado".
Agora corre-se o monumental risco da Itália virar o "Cavalo de Troia da China Europa adentro"
Pierre-Henri d'Argenson, destacada autoridade francesa, escreveu no Le Figaro que "a Europa acaba de se tornar a zona tampão no confronto entre a China e os Estados Unidos". Pequim escolheu a Itália como ponto fraco da Europa e age conforme seu script.
Em abril de 2019, o governo italiano sob o comando do primeiro-ministro Giuseppe Conte foi o primeiro país do G7 a assinar o Memorando de Entendimento "Iniciativa Belt and Road" da China, durante uma visita oficial do presidente Xi Jinping. De acordo com a análise da revista The Economist, o plano chinês Belt and Road poderá superar o Plano Marshall implementado pelos EUA para ressuscitar as economias devastadas pela guerra na Europa.
A Itália está sendo dirigida por um governo de coalizão liderado pelo Movimento 5 Estrelas, partido extremamente pró-chinês, cujo fundador Beppe Grillo tem sido flagrado com frequência na embaixada chinesa em Roma. Conforme tem relatado o Conselho Europeu de Relações Exteriores: "na Itália, os lobbies políticos e de negócios da China estão em franca ascensão". O ex-primeiro ministro Matteo Renzi visitou Pequim para participar de conferências.
Há cinco anos, a China National Chemical Corp comprou a Pirelli, empresa italiana de 143 anos e a quinta maior fabricante de pneus do mundo. Um estudo publicado pela KPMG antes do acordo fechado com a Pirelli, revelou que as aquisições chinesas na Itália totalizaram 10 bilhões de euros em um espaço de tempo de cinco anos (investimentos que somam 13 bilhões de euros). Um terço das compras externas feitas na Itália foram efetuadas por chineses. O objetivo é transformar a Itália no "principal destino europeu de investimentos altamente cobiçados pela China".
Agora a China está querendo tomar o controle da infraestrutura do sul da Europa. A China já recebeu sinal verde para administrar o maior porto marítimo da Grécia, o porto de Pireu em Atenas que Pequim planeja transformar no maior porto comercial da Europa. Na sequência a China começou a projetar a expansão de portos italianos, onde quatro portos importantes também estão na fila dos investimentos chineses. Zeno D'Agostino, presidente do porto da região norte de Trieste salienta que "a China está se abrindo porque acha que já é dona da cocada preta".
A contemporização política da Itália em relação à China ficou escancarada nos calamitosos primeiros dias da crise do coronavírus.
Em 21 de janeiro, o ministro da cultura e turismo da Itália convidou uma delegação chinesa para um concerto na Academia Nacional de Santa Cecília para a inauguração do ano da Cultura e Turismo Itália/China. Michele Geraci, ex-subsecretário de desenvolvimento da Itália, não tinha certeza se aquele era o lugar certo para ele estar. "Será que realmente temos certeza de que queremos patrocinar isso?", disse Geraci fitando seus colegas. "Deveríamos mesmo estar aqui hoje?". Dias mais tarde, em inúmeras cidades italianas, como Florença e Prato, reduto chinês da manufatura, prefeitos e comunidades locais promoveram a iniciativa ",abrace um chinês" para combater a xenofobia e o racismo.
Em Roma, o presidente da Itália Sergio Mattarella, visitou uma escola que conta com alta porcentagem de estudantes chineses, no sentido de combater a "discriminação" e Nicola Zingaretti, líder do Partido Democrata se encontrou com o embaixador chinês em Roma. Nesse ínterim, redes de TV italianas organizaram degustação de produtos chineses ao vivo. Esse foi o erro fatal da Itália logo no início: combater o racismo em vez de combater o vírus, que em poucos dias iria devastar o país.
A China teve competência suficiente para fazer uma lavagem cerebral na opinião pública italiana. Em uma pesquisa de opinião publicada em 17 de abril, 50% dos italianos consideram a China um "país amigo" (apenas 17% dos italianos pensam o mesmo dos Estados Unidos). Quanto à disputa pelo poder global, a Itália deveria ser aliada a que país? A China está à frente dos EUA 36% a 30% respectivamente.
Em 12 de março, o ministro das relações exteriores da Itália Luigi Di Maio, festejou a chegada de um carregamento de suprimentos médicos da China. "Não esqueceremos aqueles que estavam próximos a nós neste momento difícil", ressaltou Di Maio. Não há necessidade, a China os lembrará.
Walter Ricciardi, conselheiro da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do governo italiano tuitou: "Obrigado China!".
Agora sabemos que enquanto o regime chinês fazia o planeta cair no conto do vigário quanto ao contágio do Covid-19, o país armazenava suprimentos médicos. Conforme o editor do jornal BILD da Alemanha escreveu em uma carta ao presidente chinês Xi:
suponho que você considera uma grande "amizade" quando envia generosamente máscaras ao redor do mundo. Isso não é amizade, eu chamaria isso de imperialismo escondido atrás de um sorriso, um Cavalo de Troia.
Nenhum ministro, nenhuma autoridade italiana criticou a China por ela ter abafado a epidemia nem por ter "sumido" com testemunhas.
"Pela primeira vez em muitos anos, os países ocidentais se uniram para pedir que a China esclareça as circunstâncias em torno do aparecimento do Covid-19 e também sobre a disseminação do vírus", Paolo Mieli escreveu em um editorial de primeira página no jornal de maior circulação da Itália, Il Corriere della Sera. Mieli apontou os Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, França e Alemanha.
"Quem está faltando? A Itália, o único país do mundo ocidental a receber meio milhão de máscaras enviadas pela China (mediante pagamento) com a máxima pompa".
A mundialmente famosa Indústria têxtil italiana foi uma das principais vítimas da expansão da globalização liderada pelo desonesto dumping praticado pela China. A China está agora limitando a Itália a uma posição de ajudar a espalhar e implementar a sua propaganda e ânsia de poder. Conforme escreveu o analista italiano Francesco Galietti, a Itália se tornará "o alvo da 'sedução' chinesa, uma mistura de dinheiro vivo e 'poder de persuasão', dinheiro e influência". A título de exemplo ele aponta o Banco Popular da China:
"o banco vem acumulando participações acima de 2% (o que torna necessário fazer a Declaração de Aquisição de Participação Acionária Relevante na Itália) em uma série de aquisições das maiores empresas de propriedade acionária da Itália, incluindo a FCA (grupo Fiat Chrysler), a Telecom Italia e o Generali Group, a maior seguradora da Itália".
A China também investiu em entidades estratégicas de energia da Itália, como Eni e Enel e no grupo italiano de serviços petrolíferos Saipem.
Essa penetração na economia também terá enormes consequências para a área da segurança. Nos primeiros dias da epidemia do Covid-19 na Itália, que está sendo seduzida com a promessa de um investimento de US$3 bilhões da Huawei no sistema de telecomunicações do país, anunciou que não planeja impedir que as empresas chinesas de telecomunicações participem da futura rede 5G do país. É um projeto que o Ministro da Justiça dos EUA William P. Barr considerou um "perigo monumental"
"Os efeitos geopolíticos da pandemia poderão ser significativos", salientou o Secretário-Geral da OTAN Jens Stoltenberg. "Alguns aliados são mais vulneráveis a situações nas quais a infraestrutura crítica poderá ser vendida" na "onda de aquisições" da China. O Secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper, também alertou que a China procurará tirar proveito da pandemia "para promover seus próprios interesses e semear divisão na Aliança e na Europa".
A Itália é o país mais vulnerável a esta ofensiva chinesa. É um dos países mais endividados do mundo e conta com um crescimento econômico próximo de zero. Além disso é um dos mais instáveis e frágeis governos da Europa, isso fora ser um dos países mais castigados em número de mortos por conta do coronavírus da Europa, uma experiência que uma enfermeira italiana comparou a uma "guerra mundial"
A Itália já é o homem doente da Europa. Devido à crise do coronavírus chinês, o país testemunhará um colapso no PIB (-9,5%) e a explosão da dívida pública avaliada em 160% do produto interno bruto, a mais alta desde a Segunda Guerra Mundial. Pequim sabe disso e reconhece que "a Itália tem muitos problemas econômicos, que a Europa está em crise e que a Iniciativa Belt and Road é o único plano de investimento global de peso existente".
"A possibilidade da Europa se tornar um museu ou um parque de diversões culturais para o novo rico da globalização não pode ser totalmente descartada", salientou o já falecido historiador Walter Laqueur. A queda dramática de Roma pode significar a ascensão igualmente dramática de Pequim. É um gigantesco alerta para o Ocidente.
Giulio Meotti, Editor Cultural do diário Il Foglio, é jornalista e escritor italiano.