Notícias estão chegando sobre enormes demonstrações no Irã ocorridas em 25 de outubro, na região norte do país, Saqqez, Teerã, Mashhad, Rasht, Shahr-e Kord e Isfahan. Todos os protestos tinham como tema o problema do ácido. A cada evento, a Guarda Revolucionária do regime, a polícia e seus defensores agiram com violência usando gás lacrimogêneo e spray pimenta. Atiravam para cima e batiam nas mulheres.
Na época do Xá Abbas o Grande, a capital, a linda Isfahan, era enaltecida pela parelha rimada "Isfahan, nesf-e jehan": "Isfahan é meio mundo". Entretanto, hoje, na Isfahan do Xá Shah Abbas, ataques com ácido contra meninas "indevidamente cobertas pelo véu" se tornaram frequentes. Somente no início de outubro de 2014, 14 mulheres jovens foram atacadas com ácido em Isfahan.[1]
Uma mulher morreu em consequência dos ferimentos de um desses ataques. Outras tiveram o futuro destruído em questão de segundos. O que o ácido pode fazer:
"o que Dano atirou nela foi ácido sulfúrico derretendo seus olhos até a cavidade ocular desfigurando praticamente todo o rosto. O nariz e lábios também desintegraram e uma das orelhas foi seriamente desfigurada. Na época, ela tinha apenas quinze anos quando sua vida mudou para sempre".[2]
De acordo com a mesma fonte, uma da vítimas disse que é obvio que os culpados fazem parte do famoso Ansar-e Hezbollah (Defensores do Partido de Deus), uma organização de gângsteres filiada ao Líder Supremo, Aiatolá Khamenei. Ansar é um grupo consagrado de religiosos, de linha dura, que apareceu na revolução de 1979 batendo e assassinando opositores do novo regime. Associado à organização terrorista Hisbolá do sul do Líbano, o Ansar conta com células espalhadas pelo Irã. Também tem um extenso histórico de ataques contra mulheres que andam de bicicleta usando vestimentas "incorretas" e "indevidamente cobertas pelo véu". É financiado e parcialmente controlado por líderes religiosos conservadores do alto escalão no governo, incluindo os Aiatolás Khamenei e Mesbah-Yzadi. Em outras palavras, levam a efeito a política governamental tanto na esfera política quanto na social.
Por que tanta ênfase na moralidade política e por que uma imposição tão violenta ao que parecem ser regras tão insignificantes?
Visão Geral da Violência com Ácidos
Ataques com ácido acontecem nos quatro cantos do mundo. Há registros de ataques de grande vulto em países ocidentais e do terceiro mundo, da África ao Extremo Oriente, da América do Sul ao Oriente Médio, dos Estados Unidos ao Canadá e da Grã-Bretanha à Austrália. Segundo um relatório de 2006 que analisou ataques químicos em todo o mundo:
analisamos 24 estudos de queimaduras provocadas por ataques por substâncias químicas nos últimos 40 anos. Avaliamos um total de 771 casos de ataques químicos. Em termos absolutos, a Jamaica conta com o maior número de casos. Bangladesh tem a incidência mais alta relatada. Homens são as vítimas mais comuns, com a exceção de Bangladesh e Taiwan. A vítima mais jovem foi a de Bangladesh. Foram discutidos o papel do sexo, agentes usados e legislação. Identificamos dois grande motivos, crescimento de crimes violentos e crimes passionais nos conflitos entre homens e mulheres.[3]
A maioria dos incidentes ocorrem no sul da Ásia, Índia, Paquistão e Bangladesh. Bangladesh com a incidência mais alta do mundo.[4]
Motivação
O Acid Survivors Trust, uma sociedade beneficente, estabelecida em Londres, descreve a motivação como segue abaixo: "as vítimas são atacadas com ácido por diversos motivos e o tipo de ataque varia de país a país. Às vezes são consequência de rixas domésticas ou desavenças envolvendo terras, dotes ou vingança. Em muitos casos a violência ocorre por uma querela entre os sexos, talvez porque uma menina ou mulher tenha menosprezado uma cantada ou rejeitado uma proposta de casamento".
Embora a maioria dos ataques seja direcionada contra mulheres e crianças, homens também são atacados em larga escala.
Ataques com ácido, têm como objetivo e são eficazes em provocar sofrimento nas vítimas: destruindo vidas, arruinando famílias, causando mal tanto físico quanto psicológico, desfigurando, limitando a vida de homens e mulheres ao isolamento e à solidão, criando miséria, marcando as vítimas para o ostracismo social.
Motivações Iranianas
Os ataques iranianos causaram tudo isso, mas a motivação é bem diferente.
Os ataques com ácido em Isfahan são uma demonstração perfeita das graves distorções que o regime islâmico criou na sociedade iraniana, transformando a terra da poesia do amor, música refinada e retratos de adoráveis dançarinas de Qajar [5] em um cenário sauroniano, de cidadãos sombrios forçados a mostrarem reverência diante de ideais teocráticos de clérigos carrancudos e patrulhas de moralidade sinistra. Em seu estudo erudito e profundo, do sagrado e do sexual no Islã, o sociólogo tunisiano Abdelwahab Bouhdiba escreve, "a vida como um todo, de acordo com os ensinamentos islâmicos, é banhada na atmosfera da sexualidade. Às vezes chega à raia da obsessão".[6] Mas quando as coisas atingem a prática social, o puritanismo toma conta. A atitude séria, oposta à lúdica ou divertida, encontrada na tradição, é a que prevalece. As mulheres são obrigadas a usarem véus. Esse comportamento é, obviamente, também sexual, empurrar a tentação o mais longe possível, garantindo assim que suas "virgens" continuem "puras", ocultas e presas em casa. Muitos homens, incapazes de controlarem seus desejos, dão a impressão de desejarem tornar a vida o mais complicado possível para o sexo feminino.
A revolução iraquiana pegou uma sociedade parcialmente moderna e a jogou de volta à Idade Média (embora uma Idade Média em busca de armas nucleares). Esse regime deformado tenta controlar o povo de maneira totalitária, de modo que nada fuja da sua influência opressora. Em maio, um grupo de seis jovens iranianos gravaram um vídeo deles dançando ao som da canção "Happy" de Pharell Williams, postando-o no YouTube, uma coisa divertida que muitos jovens já fizeram em outros lugares. Por causa dessa atitude inconveniente, eles foram presos, processados e condenados a seis meses de prisão e 91 chicotadas cada um, com suspensão da execução da pena por três anos sob condição de comportamento adequado no futuro. O vídeo, que mostrava três mulheres sem véu dançando com três homens, foi considerado "obsceno" e um "clip vulgar que fere a castidade pública". Tocar música, dançar, homens e mulheres solteiros juntos e mulheres sem véu "ferem" algo misterioso chamado "castidade pública".
Como na Arábia Saudita, países do Golfo, Afeganistão, as terras felizes onde o Estado Islâmico foi imposto, além das demais terras por todo o mundo islâmico, a castidade pública islâmica do Irã se concentra no controle do comportamento feminino. Para as jovens no Irã, isso significa normas rígidas no que tange às vestimentas aceitáveis e não aceitáveis, desaprovação de make-up e esmalte para as unhas, aparecer em público acompanhada de homens que não sejam parentes próximos e serem constantemente paradas e interrogadas por patrulhas da moralidade por mulheres vestidas com xadores pretos cobrindo todo o corpo, à exceção dos olhos, que as levarão a uma delegacia de polícia onde serão multadas por infrações.
E as infrações são numerosas. Em 2010, a Universidade de Shiraz de Ciências Médicas fez circular uma diretiva de 23 pontos, estipulando que "homens devem usar camisas folgadas de manga longa e as mulheres devem usar casacos 'manteau' totalmente abotoados o tempo todo. Com exceção da aliança de casamento, é proibido o uso de todo e qualquer anel e pulseira de ouro para ambos os sexos. As unhas dos dedos das mãos devem ser curtas, limpas e sem esmalte. Os sapatos não podem ser bicudos ou terem salto alto. Mascar chiclete em sala de aula e rir em voz alta em lugares públicos também é proibido".
Em 2010, o promotor público chefe de Mashhad, Mahmud Zoghli, impôs a linha dura na "perversa hejab," impondo uma multa de aproximadamente US$1.300 para cada violação da lei. O que foi confirmado nacionalmente pelo Ministro do Interior e Chefe de Polícia, Mostafa Mohammad-Najjar. Atrás da repressão está o parlamento conservador e as instituições clérigas que o ofusca. Embora apenas 14% dos membros Majlis sejam atualmente clérigos, o próprio parlamento é ofuscado pela 'ulama (religiosos eruditos) em todas as demais esferas do governo. Essas esferas incluem o Conselho Tutelar, o Conselho de Discernimento, a Assembléia de Especialistas, o Ministério da Inteligência e Segurança, o judiciário, bem como as forças externas como a Guarda Revolucionária.
O clero é institucionalmente neurótico quanto à prática da lei islâmica conforme sua interpretação e coloca o mais alto valor na regulamentação da aparência e das ações das mulheres como símbolo da islamização do país, por ser, acima de tudo, uma República Islâmica.
Parece forçado? O "problema da hejab" tem sido descrito como parte de uma ampla ameaça à nação iraniana. Hojatoleslam 'Ali-Reza Panahian, respeitado clérigo, intimamente ligado ao arquiconservador Mohammad-Taqi Mesbah-Yazdi, declarou que "a hejab não é mais (apenas) um valor moral. É uma questão estratégica e política e um problema de segurança".
Para diminuir seu próprio medo, os clérigos auxiliados e incentivados por mulheres linha dura, criminosos e uma mídia indiferente, tentam aumentar a intensidade do medo na população como um todo. Essa forma de "persuasão" é enfatizada por execuções (por crimes políticos, homossexualidade, adultério ou simples desobediência ao regime), longas penas de detenção em condições sub-humanas e no caso das mulheres, estupro e ataques com ácido.
Além disso, a propaganda do governo e o conteúdo dos julgamentos enfatizam que tais crimes ocorrem por culpa das mulheres que ostentam os encantos femininos, deixam soltos um simples cacho de cabelo ou dançam ao som de música insinuante, levam homens inocentes a estuprar ou desfigurá-las.
Estupro não é incomum no Irã, engendrado por gangues e estupradores seriais que sequestram e estupram mulheres sob mira da arma.
Não é tão desfigurador ou limitador fisicamente como os ataques com ácido, mas o trauma psicológico depois de uma emboscada ou sequestro pode ser terrível, que fica ainda pior no Irã, onde a vítima de estupro é frequentemente acusada de ter provocado o ataque por meio de uma "perversa hejab" ou algum outro desvio da norma islâmica. Segundo uma reportagem da BBC, depois que várias mulheres foram estupradas em Khomeinishahr, perto de Isfahan, em maio de 2011, o clero e as autoridades locais se posicionaram favoravelmente aos estupradores:
"Aquelas que foram estupradas não eram dignas de elogio", declarou o imã de Khomeinishahr, Musa Salemi, no sermão de sexta-feira. "Apenas duas das 14 mulheres estupradas tinham algum parentesco. Elas saíram da cidade para participar de uma festa e fazer provocações (aos estupradores) com vinhos e danças".
Suas opiniões foram ventiladas em comentários feitos pelo comandante de polícia da cidade, Coronel Hossein Yardoosti da Guarda Revolucionária. "Eu acredito", conforme ele foi citado como tendo dito, "que as famílias das mulheres estupradas são as culpadas, porque se elas estivessem vestidas adequadamente e se o som da música não fosse tão alto, os estupradores não teriam imaginado que se tratava de uma reunião de depravadas".
Segundo reportagens ele estava pensando em entrar com uma ação legal contra as vítimas do estupro pelo seu comportamento.
Estupros e ataques com ácido não são apenas fatos ligados a uma obsessão conservadora com os mínimos detalhes da lei da sharia. Por trás de tudo isso parece que há uma profunda misoginia que mostra desprezo pelas mulheres e a suposta superioridade masculina, que permite aos homens tratarem as mulheres como sua propriedade.
O Ansar-e o Hisbolá publicam um jornal e um Website chamado Yalasarat, com muitas matérias contra as mulheres. Por exemplo, uma página recente do Website, de 23 de outubro de 2014, mostra o aspecto da imoralidade dos manequins nas vitrines das lojas. Outra desvenda detalhes chocantes de como uma mulher sem a hejab passeou de um lado para o outro da Praça de Revolução em Teerã, levando a um artigo com uma longa dissertação sobre a aplicação da lei que proíbe esse tipo de comportamento.[7]
A misoginia parece ter raízes profundas. Imam 'Ali, genro do profeta e o primeiro dos doze imãs xiitas, homens, nos termos da incrível filosofia Ishraqi, são considerados tudo, menos Deus na terra:
a mulher é total e completamente má e a pior coisa a respeito dela é que ela é um mal necessário![8]
E de novo:
homens, nunca obedeçam suas mulheres em nada... As vemos sem religião, elas não têm compaixão nem virtudes quando seus desejos carnais correm perigo. É fácil deleitar-se com elas, mas elas causam ansiedade....[9]
Imã 'Ali não está sozinho. A seguir a famosa e "sadia" tradição atribuída ao Profeta Maomé:
a maioria dos habitantes do inferno são mulheres.[10]
No Irã, o regime clérigo, que espera a volta do oculto Décimo Segundo Imã e a guerra final contra a infidelidade, construiu uma sociedade que garante o pecado. Se uma mulher que usa batom ou que sorri para um homem ou que é estuprada por uma gangue de homens pode ser considerada pecadora em espírito e criminosa carnal, então o Irã é o incubador da imoralidade.
Ataques com ácido acontecem em todos os lugares, mas no Irã, e possivelmente só no Irã, o motivo é religioso. Mulheres são desfiguradas para satisfazer o desejo por pureza e supostamente o amor de Deus. Motivos semelhantes podem ser identificados em outros países muçulmanos, incluindo o Afeganistão, Arábia Saudita, Bahrein e Kuwait, mas não nas proporções dos ataques no Irã. Nos últimos três países citados acima, as vítimas não são apenas condenadas por provocarem ataques, são também molestadas psicologicamente. Embora raros, relatos na mídia sobre esses ataques são minimizados, culpa-se as vítimas, as vozes das mulheres são omitidas e os agressores tratados cordialmente.[11]
Há uma ironia nisso tudo. No Irã, ataque com ácido é crime capital. Porém "radicais dentro do parlamento iraniano dominado por conservadores, vêm tentando nos últimos meses aprovar um projeto de lei para proteger vigilantes que tentam aplicar a lei islâmica". Os radicais querem proteger os vigilantes, mas os moderados querem que os ataques com ácido continuem sendo um crime capital. As autoridades estão tentando incentivar o turismo do Ocidente, de modo que deixar que os ataques com ácido continuem, darão uma péssima reputação ao país. Isfahan é o coração da indústria do turismo, de modo que é essencial que o regime impeça os ataques, pelo menos lá.
Como as autoridades islâmicas em outros lugares, a elite clerical do Irã precisa amedrontar a população para que ela seja submissa. Uma jovem com 5 cm de cabelo à mostra é o pequeno "orifício no dique" que pode, com o passar do tempo, romper a barragem e inundar o país junto com todas as coisas que a revolução se empenhou em evitar: liberalismo, liberdades individuais, tolerância religiosa e política, democracia liberal, liberdade de expressão, direitos iguais para as mulheres e assim por diante. A democracia os assusta de maneira insensata. Um cabelo encaracolado em espaço aberto choca o totalitário deixando-o amedrontado, medo de que mostre ele ser, em última análise, irrelevante.
Dr. Denis MacEoin é um Ilustre Membro Sênior no Gatestone Institute. Seu PhD (Cambridge 1979) é em Estudos Persas
[1] "Mulher morre em virtude do ataque com ácido em Esfahan, principal atração turística de outrora no Irã," Iran News, 20 de outubro de 2014; "Irã investiga ataques com ácido contra mulheres," Radio Free Europe/Radio Farda, 19 de outubro de 2014; "link da 'perversa hijab' dos ataques com ácido contra mulheres iranianas," al-Arabiyya News, 21 de outubro de 2014.; "Irã: ataque com ácido em Isfahan por gangues organizadas ligadas ao regime dos mulás," Iran News, 20 de outubro de 2014.
[2] L. M. Taylor, "Salvando a Honra: Leis sobre Ataques com Ácido após a Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres," Ga. Journal Int'l & Comp. Lei 29 (2000), páginas 395 a 419.
[3] Mannan, Ashim; Samuel Ghani; Alex Clarke; Peter E.M. Butler, "Casos de ataques com ácido ao redor do mundo: Uma revisão da literatura," Burns 19 de maio de 2006, 33 (2): 149–154.
[4] L. M. Taylor, "Salvando a Honra: Leis sobre Ataques com Ácido após a Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres," Ga. Journal Int'l & Comp. Lei 29 (2000), páginas 395 a 419; "Propensão de Ataques com Ácido (1999 a 2013)," UN Women, United Nations, 2014; Sheikh Mohammad Farshid, "Ataques Com Ácido como Crise Social em Bangladesh".
[5] Veja Julian Raby, Quadros de Qajar: Pinturas de Silhuetas da Pérsia do Século Dezenove, Londres, 1999
[6] Abdelwahab Bouhdiba, Sexualidade no Islã, trans. Alan Sheridan, Londres, 2004, 2012, página 95
[7] Veja Yalasarat (texto persa).
[8] Citado em Abdellatif Sharara, Falsfat al-hubb 'ind al-'Arab, Beirute, 1960, página 59
[9] Citado em Mas'ud al-Qanawi, Fath al-Rahman, página 14, do Bouhdiba, Sexualidade no Islã página 118
[10] Sahih al-Bukhari, edição oficial, Cairo, 1312/1894-95, vol. 4, página 91
[11] Sarah Halim e Marian Meyers, "Cobertura do Noticiário sobre a Violência Contra as Mulheres Muçulmanas: Uma Visão do Golfo Pérsico," Communication, Culture & Critique, volume 3, Edição 1, páginas 85 a 104, março de 2010.