Com que frequência temos a oportunidade de testemunhar comentários sobre a situação em Gaza, na Cisjordânia e em Israel elaborados com tal ímpeto, com ardor mesmo, cujo propósito é destacar para os leitores os "fatos" acerca de Israel? Eles costumam narrar mentiras que envergonhariam uma legião de fraudadores, trapaceiros e teóricos da conspiração.
Parece às vezes que não há limites em se tratando das modernas fantasias antissemitas sobre o Estado judeu de Israel que arrebatam aquelas calúnias mais antigas segundo as quais os judeus controlam as questões globais, como por exemplo na impostura totalmente fraudulenta dos Protocolos dos Sábios de Sião. Hoje somos levados a crer que são as crianças muçulmanas palestinas que são assassinadas pelos desprezíveis sionistas e que o governo de Israel trabalha de mãos dadas com uma rede global de cristãos e banqueiros judeus, políticos e chefões da mídia.
Não é de se admirar que pessoas comuns sejam seduzidas pelos meandros antissemitas e artifícios anti-israelenses. Um estudo realizado em 2015 pelos cientistas políticos J. Eric Oliver e Thomas J. Wood de Chicago, apresentaram evidências de que a crença em conspirações e outras falsidades são amplamente aceitas mesmo nos Estados Unidos:
"Munidos de quatro levantamentos representativos nacionalmente, realizados entre 2006 e 2011, descobrimos que metade do público americano endossa consistentemente pelo menos uma teoria da conspiração e que muitas das teorias da conspiração mais conhecidas são diferenciadas ao longo de dimensões ideológicas e anômicas. Diferentemente de inúmeras especulações teóricas, não constatamos que a crença em teorias conspiratórias seja consequência de maior autoritarismo, ignorância ou conservadorismo político. Melhor dizendo, a probabilidade de aceitar teorias da conspiração é fortemente prevista pela disposição de acreditar em forças invisíveis e premeditadas, além de uma atração por narrativas maniqueístas. Essas revelações demonstram o fascínio generalizado das teorias da conspiração como explicação política e oferecem novas perspectivas sobre as forças que moldam a opinião das massas e a cultura política americana."
Conforme mostrado com frequência (visualize alguns exemplos clicando aqui, aqui e aqui), os seres humanos são por natureza crédulos e dispostos a acreditar em qualquer tipo de disparate que esteja ao alcance das mãos. Como explicar de outra maneira a popularidade de arquiconspiradores como Adolf Hitler e Joseph Stalin? Não resta dúvida que ditadores como Hitler e Stalin têm condições de impor suas noções distorcidas por meio de ameaças e pela força. Nas democracias, no entanto, independentemente do livre acesso a informações verificáveis em bibliotecas, universidades, faculdades e agências governamentais, um enorme contingente de pessoas se apaixona por um sem-número de histórias da carochinha, propaladas por postagens deliberadamente provocativas e ofensivas na internet, pela imprensa sensacionalista e não raramente por políticos com segundas intenções.
O premiado jornalista britânico Will Storr, escreveu uma das mais completas investigações sobre pessoas que abraçam ideias controversas ou completamente bizarras, crentes em vidas passadas, fundamentalistas anti-evolucionários e todas as formas de autoilusão. Os hereges (publicado nos EUA como The Unpersuadables: Adventures with the Enemies of Science) descreve a impossibilidade de se convencer uma ampla gama de crentes de qualquer coisa que evidencie contrariamente que suas convicções não têm fundamento em fatos observáveis.
É um erro supor que todos os que abraçam ideias não convencionais só podem ser ignorantes ou pouco inteligentes. Muitas pessoas altamente instruídas, entre elas médicos e cientistas, levam a sério as principais formas de medicina alternativa e fazem exaustivas pesquisas relacionadas a elas. Os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA contam com uma divisão conhecida como Centro Nacional de Saúde Suplementar Integrado que financia e se dedica a essas pesquisas. São todas formas controversas de cuidados de saúde, mas pelo menos têm condições de serem cientificamente testadas.
Essa disposição de levar em conta pontos de vista alternativos e ao mesmo tempo manter uma postura crítica é muito positiva em tais circunstâncias e é parte fundamental do método geral original, racional e científico. Todos os avanços revolucionários da ciência foram alcançados por pensadores dispostos a desafiar o saber do dia, gigantes como Giordano Bruno, Galileo, Darwin e Freud, só para citar alguns.
Um dos piores exemplos que ainda persiste de um indivíduo aparentemente inteligente no tocante a uma convicção expressivamente desacreditada é a do historiador David Irving que nega o Holocausto, cuja reputação sofreu pesada humilhação durante o processo de grande repercussão por calúnia em 2.000. Richard Evans, historiador de Cambridge, principal perito técnico no julgamento, desmantelou por completo a sustentação de Irving ser um historiador com credibilidade. [1] Vale dizer que Irving não tem nenhuma formação em história, as duas tentativas fracassadas de obter um diploma universitário foram nas disciplinas: física e política econômica.
Após um vexame público dessas proporções, a maioria se encolheria no esquecimento, envergonhada. No entanto, Irving já com 80 anos, continua negando o Holocausto, continua com o antissemitismo, desafiando exaustivamente a historiografia oficial. Ele escreve livros, coordena a atualização constante de um site no qual apoia o regime de Maduro da Venezuela e inclui links que remetem a uma série de reuniões privadas que realiza. Ele tem muitos seguidores na Europa e nos Estados Unidos. Seu impacto pode não ser grande, mas numa época de crescente antissemitismo, visto sua persistência em dourar o nazismo até que ele está se saindo bem.
Não causa espécie o fato da professora Deborah Lipstadt, autora que Irving tentou, em vão, arruinar naquele processo, escrever em seu último livro Antisemitism Here and Now(London, 2019), sobre o poder das teorias da conspiração:
As teorias da conspiração dão a eventos aparentemente inexplicáveis para alguns, uma explicação que indica intencionalidade. Se nós déssemos aos teóricos da conspiração evidências de que o pouso foi realmente na Lua, eles, a priori, descartariam nossas palavras, partindo do pressuposto que fazemos parte da conspiração. Tentar acabar com uma suposição irracional, principalmente quando ela estiver firmemente enraizada pelos proponentes com explicações racionais é algo virtualmente impossível. Qualquer informação que não corresponda à narrativa social, política ou étnica abraçada pelos teóricos da conspiração é ipso facto falsa. Cientistas sociais descreveram tais teorias como tendo uma "qualidade autovedante" que as torna "particularmente imunes à contestação". (pp 7-8)
A negação do Holocausto é, felizmente, uma obsessão esposada por um pequeno número de amargos obstinados. Lipstadt no entanto escreve algo que vai mais além. O antissemitismo, em suas mais variadas formas, é a teoria da conspiração mais duradoura em grande parte do planeta. Ela abraça uma suposição de perversidade judaica inata que resulta em milhões de mortes, expulsões e guerras, particularmente nos progressistas séculos XX e XXI nos quais se espera que nos tornemos racionais.
No extenso raio de ação do antissemitismo, há um tema controverso no qual muitas pessoas esclarecidas e inteligentes deixam de lado qualquer interesse em ouvir o outro lado, de se inteirar dos fatos ou de chegar a conclusões para onde quer que esses fatos os levem: a queda de braço entre Israel e os palestinos.
O elo entre o antissemitismo tradicional, a forma irracional de pensar e o ódio a Israel encontra-se resumido em um artigo do Dr. Asaf Romirowsky, diretor executivo do Scholars for Peace in the Middle East.
"O 'anti-israelismo' é a face moderna do antissemitismo e tão maligna quanto. O 'anti-israelismo' é uma religião moderna na medida em que exige devoção incondicional a uma doutrina dogmática e repudia os céticos considerando-os moralmente inferiores."
Os dogmatistas anti-israelenses de quem eu falo não são os habitantes do mundo árabe, iraniano e o mais abrangente mundo muçulmano, onde o ódio a Israel e o apoio aos palestinos é imposto por governos e clérigos. Eles podem até ser desculpados porque não têm a liberdade de aprender ou falar livremente sobre o assunto nem sequer embarcar num avião e ver com os próprios olhos a realidade em Israel.
As mentiras sobre o Estado de Israel estão sendo gradativa e incessantemente amplificadas no Ocidente por meio dos "grandes meios de comunicação", tais como:
- The New York Times: em abril o New York Times publicou o que o Embaixador Dani Dayan chamou de "a correção do ano" depois que a Gray Lady (The New York Times) escreveu que os pagamentos da Autoridade Nacional Palestina a terroristas e suas famílias são uma "teoria da conspiração de extrema-direita". -CAMERA.org, 2 de janeiro de 2019.
- The New Yorker: "a 'Carta de Ramala' de Raja Shehadeh está repleta de deturpações que não fazem parte de uma publicação respeitada como a do The New Yorker, ainda que num artigo de opinião." CAMERA.org, 7 de janeiro de 2018.
- The New York Times: o "NYT publicou uma correção por Rotular o Apoio Palestino a terroristas de Fake News" - National Review Jack Crowe, 24 de abril de 2018.
- The Guardian: "The Guardian Deslegitima Israel em Editorial Mentiroso: The Guardian passa dos limites em um editorial repleto de mentiras, distorções e deslegitimação de Israel" — Honest Reporting, 23 de janeiro de 2019.
- BBC: "mais uma história de contrabando pela via marítima de Gaza ignorada pela BBC" -BBC Watch, 11 de junho de 2019.
- CNN: "a CNN Doura o Discurso de Mahmoud Abbas, Exclui Declarações Antissemitas" — CAMERA.org, 17 de janeiro de 2018.
- MSNBC: "Chris Hayes, da MSNBC, Apresenta a Propaganda do Hamas como Fato" — CAMERA.org. 8 de abril de 2018.
As redes sociais seguem o exemplo de forma generalizada.
As igrejas entram na dança:
- "Revelação: Igreja Unida de Cristo acusada de forjar boicote anti-Israel" — JNS, 6 de janeiro de 2019.
- "Um bispo da Igreja Episcopal se desculpa por inventar atrocidades israelenses" - The Times of Israel, 22 de agosto de 2018.
- "EAPPI: Campo de Treinamento do Conselho Mundial de Igrejas ao Apoio Anti-Israel" - NGO Monito, 14 de janeiro de 2019.
E obviamente as Nações Unidas, bem como as assim chamadas organizações de direitos humanos, onde sem dúvida vale tudo:
- Embora a AI garanta que não "aceita fundos para a pesquisa sobre direitos humanos de governos nem de partidos políticos", recebeu ajuda financeira governamental, inclusive do Departamento do Reino Unido para o Desenvolvimento Internacional(DFID), da Comissão Europeia, Holanda, Estados Unidos e Noruega...
- "Aponta única, exclusiva e desproporcionalmente Israel com o intuito de condenação, dirigindo o foco somente no conflito com os palestinos, deturpando a complexidade do conflito, ignorando gravíssimas violações de direitos humanos na região" —
Human Rights Watch (HRW):
- Análises sistemáticas da NGO Monitor demonstram que a HRW foca desproporcionalmente em condenações a Israel e nas publicações relacionadas a Israel que via de regra carecem de credibilidade. A HRW também promove um programa baseado exclusivamente na narrativa palestina de vitimização e agressão israelense.
- "Faz uso de retórica legal distorcida para acusar reiteradamente Israel de 'crimes de guerra', 'graves violações dos direitos humanos internacionais e das Leis Humanitárias Internacionais ', 'punição coletiva' e promove uma 'cultura de impunidade.' Aplica padrões únicos a Israel como parte de sua ampla campanha de deslegitimação."
- "Promove o 'direito de retorno' palestino que, caso implementado, significará efetivamente a eliminação de Israel como Estado-nação do povo judeu".
Ironicamente, inúmeros dos meios de comunicação envolvidos, particularmente da imprensa escrita e online, encontram-se as mais articuladas de nossas fontes e são lidas pelas camadas mais esclarecidas da sociedade. Se deixarmos de lado por um momento o viés político como um todo, não haverá dúvida que jornais como o The New York Times, The New Yorker, The Independent, The Guardian e outros se destacariam se comparados aos tabloides na forma como relatam e debatem sobre uma série de temas relevantes. O fato de todos eles serem de esquerda, via de regra, não deprecia a qualidade do que escrevem. Mas eles são de longe os mais equivocados e preconceituosos quando se trata de reportar e debater sobre Israel, Hamas, Hisbolá e Autoridade Nacional Palestina.
Ao ler a maioria de suas reportagens e artigos sobre esses temas, é de se acreditar que Israel é o país mais hediondo e cruel da face da Terra, um ponto de vista sustentado largamente nas Nações Unidas e pelas suas agências, que não são de esquerda nem socialistas, porém integram a maioria dos membros do bloco árabe e seus apoiadores.
Esse viés é bem monitorado por um sem-número de sites que trabalham para identificar os desacertos e distorções deliberados sobre Israel, as Forças de Defesa de Israel (IDF) e o terrorismo palestino. CÂMERA (Committee for Accuracy in Middle East Reporting in America), Honest Reporting, Honest Reporting Canada, UK Media Watch e BBC Watch todos examinam minuciosamente as reportagens ruins e contatam os editores para solicitar correções.[2]
Uma forma de discurso anti-Israel e antissemita que muitas vezes é negligenciado pode ser encontrado nas seções de comentários que seguem muitos artigos, independentemente se o conteúdo em si apresenta essas características. Mesmo um leve comentário pró-Israel pode desencadear uma tempestade de inverdades, distorções de fatos e linguagem grosseira.
Dois comentários apareceram recentemente no The Independent. Em 1º de fevereiro de 2019 o staff e as agências do The Independent publicaram uma reportagem razoavelmente acertada com o seguinte título: "os EUA cortam toda a ajuda aos palestinos da Cisjordânia ocupada e da Faixa de Gaza". A reportagem começa assim: "os EUA cortaram toda a ajuda financeira aos territórios palestinos ocupados da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, segundo autoridades do governo".
Isso poderia muito bem ser interpretado pelos leitores como se tanto a Cisjordânia quanto Gaza estão atualmente ocupadas por Israel, de modo que o autor deste artigo postou o seguinte comentário:
"Quando será que vai cair a ficha que a Faixa de Gaza não está ocupada desde 2005, quando todos os militares e civis israelenses ao fim e ao cabo foram embora? E quando será que as pessoas da esquerda irão acordar para o fato de que milhões da ajuda financeira fornecida à ANP são repassados para apoiar terroristas assassinos em prisões israelenses e para as famílias de 'mártires' que morreram enquanto atacavam civis inocentes, com pagamentos proporcionalmente mais altos conforme o número de pessoas assassinadas por cada terrorista individualmente. Não é preciso ser um Tory conservador (não sou) para ver como o apoio ao terrorismo mina os valores genuinamente de esquerda".
Não demorou muito para que Deanna, de 12 anos de idade, deixasse a seguinte resposta:
"Um comentário muito vergonhoso, grosseiro e tolo. Não é ocupado desde 2005? Que absurdo. Você mora nesse planeta? A ANP é uma organização eleita democraticamente. Quanto a assassinar civeis (sic) inocentes, vai, seus comentários são ridículos. Não são (sic) a ANP atirando em médicos inoquentes (sic) e manifestantes cadeiantes (sic) nas cercas de fronteira, com balas dundum. Não são o (sic) ANP governando um sistema de apartheid (sic). E não são (sic) o tiroteio da ANP contra crianças inoquentes (sic) por diversão. Suas (sic) bem documentada. "Crianças foram baleadas em outros países que eu cobri, esquadrões da morte as metralharam em El Salvador e Guatemala, mães com crianças de colo foram enfileiradas e massacradas na Argélia, mas nunca tinha visto antes soldados israelenses atraírem crianças como se fossem ratos para uma armadilha e assassiná-las por esporte em Gaza ". Chris Hedges -Vencedor do prêmio Pultizer (sic) de 2002."
Há muito que se possa responder a essa afirmação, no entanto, a paixão dos 12 anos de Deanna por uma série de fantasias em relação a Israel, Autoridade Nacional Palestina e Hamas claramente parecem estar tão profundamente arraigadas que nada, por mais evidente que seja, a induzirá a procurar fatos, inclusive sobre Chris Hedges, por conta própria.
Dr. Denis MacEoin lecionou Estudos Árabes e Islâmicos em uma universidade britânica e, por algum tempo, tradução de árabe para inglês em uma universidade em Fez, Marrocos. Residente no Reino Unido, ele é Ilustre Colaborador Sênior do Gatestone Institute.
[1] Para visualizar uma versão mais resumida, acesse Telling Lies about Hitler: The Holocaust, History and the David Irving Trial, de Richard Evans clicando aqui.
[2] Sobre essas reportagens, acesse Manfred Gerstenfeld and Ben Green, "Watching the Pro-Israeli Media Watchers", Jewish Political Studies Review, 16:3/4, Fall 2004, pp. 33-58; disponível por assinatura online clicando aqui.