A comunidade internacional há muito tempo ignora os abusos e as violações dos direitos humanos do Líbano contra os palestinos. Há inúmeras razões pelas quais os libaneses não querem os palestinos em seu país. Uma delas é que desde os anos de 1970, os palestinos trouxeram guerra e destruição ao Líbano e transformaram os campos de refugiados em bases de grupos terroristas. Foto: palestinos em Ain el-Hilweh, o maior campo de refugiados palestinos do Líbano, protestam em 31 de janeiro de 2020. (Foto: Mahmoud Zayyat/AFP via Getty Images) |
A questão do apartheid árabe e da discriminação veio recentemente de novo à tona depois que um ministro libanês anunciou que seu país decidiu permitir que os palestinos trabalhassem em vários setores que até agora eram reservados somente a cidadãos libaneses.
O portador do anúncio, Mostafa Bayram, Ministro do Trabalho do Líbano, pegou de surpresa inúmeros palestinos que até então, durante as últimas quatro décadas, eram proibidos de trabalhar em um sem-número de profissões.
Os palestinos esperam que a decisão acabe com décadas de discriminação e marginalização de um país árabe, no caso o Líbano.
Certa parcela da população libanesa, no entanto, expressou forte oposição à decisão de Bayram que visa aliviar as restrições trabalhistas impostas aos palestinos. Esses libaneses parecem temer que os palestinos tomem seus empregos ou se tornem cidadãos libaneses.
Em 8 de dezembro, Bayram, cupincha do grupo terrorista Hisbolá apoiado pelo Irã, publicou um decreto permitindo que os palestinos trabalhem em profissões regulamentadas pelos sindicatos.
O decreto determina que os palestinos nascidos em território libanês e oficialmente registrados no Ministério do Interior podem exercer profissões que requeiram filiação a sindicatos, das quais haviam sido anteriormente barrados.
Estes empregos regulamentados por sindicatos abrangem profissões como medicina, direito e engenharia, bem como transporte público e empregos relacionados ao turismo.
Isto não significa, contudo, que o Líbano tenha decidido acabar completamente com as medidas discriminatórias contra os palestinos.
"Não são todas as profissões que os palestinos poderão exercer segundo o novo decreto, já que algumas exigem mudanças legais ou mudanças no estatuto dos sindicatos para que os trabalhadores não libaneses tenham permissão de trabalhar naquele determinado segmento", isto de acordo com L'Orient Today, que se autointitula uma plataforma independente que visa examinar as falhas do sistema libanês.
"A história das interações dos refugiados palestinos com as políticas das restrições empregatícias no Líbano remonta ao período anterior à Guerra Civil Libanesa", de acordo com um estudo sobre o trabalho dos palestinos no Líbano.
O estudo observou que o Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais propôs em 1964 regulamentar a participação de estrangeiros no mercado de trabalho libanês. Consequentemente, os palestinos foram enquadrados na categoria de estrangeiros e obrigados a tirar uma licença de trabalho.
Em 1982, as autoridades libanesas limitaram ainda mais a lista de profissões liberadas para os palestinos. Eles foram impedidos de trabalhar em 70 profissões nos setores comerciais e administrativos.
O estudo também salientou que as restrições foram ligeiramente levantadas em 1995, com a introdução de uma nova emenda ao decreto ministerial. A emenda isentou destas restrições estrangeiros que nasceram no Líbano, filhos de mães libanesas ou casados com libanesas.
De acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA):
"refugiados da Palestina que se encontram no Líbano são socialmente marginalizados, gozam de direitos civis, sociais, políticos e econômicos muito limitados, incluindo acesso à saúde pública do Governo do Líbano, serviços educacionais e sociais, além de enfrentarem restrições expressivas ao direito ao trabalho e o direito à propriedade."
A UNRWA observou, ademais, que os refugiados palestinos ainda estão proibidos de exercerem 39 profissões, principalmente por conta de uma condição prévia que exige que eles tenham a nacionalidade libanesa e obtenham uma licença para trabalhar. Fazem parte destas profissões os setores da saúde, direito, transporte, engenharia e turismo.
O último decreto do Ministro do Trabalho libanês foi recebido com uma mistura de sentimentos contraditórios.
Ao mesmo tempo em que alguns palestinos e libaneses aplaudiram a medida como um passo positivo para acabar com a discriminação e o apartheid, outros disseram que ela foi tímida e não forneceu mecanismos pertinentes para fazer valer a decisão. De acordo com um membro do alto escalão da OLP Ahmad Tamimi:
"o decreto representa um importante divisor de águas na vida dos refugiados palestinos no Líbano, pois constitui o fim de suas dificuldades e um avanço significativo na mudança de suas condições humanas em direção a uma vida decente e normal."
Tamimi também salientou que a decisão libanesa "teve um impacto positivo nos corações dos palestinos em geral e dos refugiados no Líbano em particular."
Os críticos, por sua vez, estão menos entusiasmados com as perspectivas de acabar com o sistema de apartheid e da discriminação no Líbano.
"Assim como qualquer um de nós, me sinto no fio da navalha e com um pé atrás em relação a esta decisão", escreveu um usuário de redes sociais chamado Islam- # GoldStrike.
"Um dos primeiros e principais problemas é que se trata de uma decisão do próprio ministro, por isso ela está vinculada a ele estar neste cargo, o que significa que a decisão pode ser tranquilamente revogada pelo próximo ministro."
Há setores da população libanesa que parecem estar especialmente preocupados que os palestinos assumirão os empregos de cidadãos libaneses em um país onde a taxa de desemprego é estimada em mais de 40%.
Esses libaneses parecem estar preocupados que a decisão abra caminho para o assentamento permanente dos palestinos no Líbano. Existem várias razões pelas quais os libaneses não querem os palestinos.
Uma delas é que desde os anos de 1970, os palestinos trouxeram guerra e destruição ao Líbano e transformaram os campos de refugiados em bases de grupos terroristas.
Os libaneses temem que a presença contínua de palestinos no Líbano traga implicações econômicas e demográficas para o país. Eles argumentam que o Líbano está enfrentando uma crise econômica aguda e não pode se dar ao luxo de absorver cidadãos não libaneses, incluindo palestinos, que já vivem em condições degradantes em vários campos de refugiados.
Os libaneses também tremem na base em relação ao tawteen ("reassentamento"). Alguns suspeitam que há árabes e outros órgãos internacionais que gostariam de ver o Líbano se tornar uma pátria para os palestinos. É por isso que esses libaneses consideram os palestinos como "estrangeiros".
Os libaneses, em suma, estão dizendo que os palestinos não são bem-vindos para ficarem no Líbano.
Os presidentes dos sindicatos dos médicos e farmacêuticos do Líbano, que se opuseram à flexibilização das restrições impostas aos palestinos, estão "estarrecidos" com a decisão do ministro.
Eles ressaltaram que as leis de seus sindicatos estabelecem que nenhum médico tem o direito de exercer a medicina em território libanês até que seja aceito como sindicalizado.
O Partido Kataeb do Líbano, um partido político cristão, alertou que a decisão de permitir que palestinos trabalhem em diversos setores terá graves repercussões na situação política e econômica do Líbano:
"abrir a porta para que os refugiados que estão no Líbano pratiquem dezenas de profissões é um atentado ao direito dos libaneses e a consolidação de sua presença permanente no Líbano enquanto os libaneses estão emigrando... Esta medida contribuirá para reduzir os salários das profissões mencionadas acima de acordo com o mercado de oferta e procura. Também exigirá que instituições e empregadores registrem empregados palestinos na previdência social, que acumularão encargos insuportáveis que os levarão à falência".
O Partido Libanês também alertou que a decisão tem "intenções ocultas e de má-fé", como o permanente assentamento de palestinos no Líbano.
Apesar dessas indubitáveis visões antipalestinas por parte dos árabes, há, no entanto, libaneses que não têm medo de expressar sua vergonha pelos maus tratos e medidas discriminatórias do Líbano contra os palestinos.
"Já está na hora de acabar com essa história de sistemática discriminação e segregação," escreveu a consagrada jornalista libanesa Sawssan Abou-Zahr.
"Palestinos qualificados deveriam ter o direito de praticar suas profissões, em especial nas áreas onde são mais requisitados. Ouso dizer que chegou a hora de conceder aos palestinos, no mínimo, algum tipo de representação nos governos municipais. Pouquíssimos libaneses irão concordar com a minha opinião. Alguns poderão me acusar de traição, um grande número se recusará sequer a considerar esta sugestão, seja por racismo ou por medo de que melhorar as condições de vida dos refugiados equivalerá a fixá-los definitivamente no país".
Não se sabe ao certo a esta altura se a decisão do ministro filiado ao Hisbolá realmente encerrará as políticas e leis de apartheid de longa data do Líbano contra os palestinos. O que está claro, porém, é que a comunidade internacional há muito tempo ignora os abusos e as violações dos direitos humanos de um país árabe contra os palestinos.
Os jornalistas que cobrem o Oriente Médio geralmente ignoram a situação dos palestinos nos países árabes, incluindo o Líbano. Para eles, as ações e políticas do Líbano contra os palestinos não são dignas de nota.
A demonização impingida contra Israel por tantos jornalistas, autoridades e os assim chamados grupos de direitos humanos deixa pouco tempo para perguntar porque um palestino no Líbano não tem permissão para praticar medicina enquanto uma parcela significativa da equipe médica em hospitais israelenses é formada por médicos e enfermeiros árabes.
Imagine o alvoroço que teria estourado em instituições da ONU ou em campi universitários nos Estados Unidos ou Canadá se tais medidas tivessem sido tomadas por Israel. Ainda assim, quando um país árabe sujeita os palestinos a uma profunda discriminação e viola seus direitos humanos básicos, o único som que dá para ouvir é um silêncio ensurdecedor.
Khaled Abu Toameh é um jornalista premiado radicado em Jerusalém.