Em novembro, o município da região metropolitana de Istambul, liderado pelo Partido Republicano Popular (CHP), principal partido de oposição da Turquia, atribuiu o nome de um parque em Istambul em homenagem a Hüseyin Nihal Atsız, um racista antissemita, um dos mais proeminentes simpatizantes dos nazistas da Turquia. Foto: Kemal Kilicdaroglu líder do CHP (esquerda), acena a apoiadores em um comício no distrito de Maltepe em 9 de julho de 2017. (Foto: Yasin Akgul/AFP via Getty Images) |
Em novembro, o município da região metropolitana de Istambul, liderado pelo Partido Republicano Popular (CHP), principal partido de oposição da Turquia, atribuiu o nome de um parque em Istambul em homenagem a Hüseyin Nihal Atsız, um racista antissemita, um dos mais proeminentes simpatizantes dos nazistas da Turquia. O pedido para a nomeação foi feito por membros de outro partido de oposição, o "Partido Bom" (Iyi). Atsız (1905-1975) ficou conhecido como "medidor de crânios", ofício que servia para constatar o "quão turco" era determinado indivíduo.
Em março, um membro do Partido İyi apresentou uma moção à assembleia municipal de Istambul, um pedindo para que um determinado parque no distrito de Maltepe, em Istambul, recebesse o nome de Atsız. A moção afirmava que Atsız passou a maior parte de sua vida na região Köyiçi de Maltepe e a matéria foi incluída na pauta da assembleia em novembro. Depois que a moção foi aprovada pela assembleia, o parque no bairro de Yalı recebeu oficialmente o nome de Atsız.
De acordo com o site oficial do município da região metropolitana de Istambul, a moção foi aprovada por unanimidade. Em um vídeo postado nas redes sociais, a ala de Maltepe do Partido İyi, agradece o prefeito de Istambul, Ekrem Imamoğlu, membro do CHP, pelo seu apoio.
Lamentavelmente, Atsız ainda tem muitos simpatizantes na Turquia. Em 11 de dezembro, por exemplo, Meral Aksener, presidente do Partido İyi, postou o seguinte no Twitter:
"festejo com respeito e graça a pessoa de Hüseyin Nihal Atsız, um dos valiosos representantes da ideia do nacionalismo turco e tradutor de nossos sentimentos no aniversário de sua morte."
Dito isto, qual é a visão de mundo de Atsız e o seu legado?
Atsız promoveu o pan-turanismo, também conhecido como turanismo, "turquismo" ou "pan-turquismo", uma ideologia nacionalista expansionista que surgiu na Turquia otomana durante a era dos Jovens Turcos (1908-1918). O turanismo acredita na supremacia dos turcos e visa unir todos os "povos turcos", da Hungria ao Pacífico sob o mesmo teto. O Comitê Otomano de União e Progresso (CUP), que organizou a primeira fase do genocídio cristão de 1914-1923 na Turquia otomana também era "pan-turquista-turanista". A contínua agressão de hoje da Turquia contra a Armênia, Israel, Chipre, Grécia e outras nações da região também é fruto do "turquismo", entre outras ideologias extremistas.
Em seu livro Turquia, os judeus e o Holocausto, a conceituada especialista na matéria Corry Guttstadt retrata Atsız como "defensor turco do nazismo alemão":
"Nihal Atsiz era um ávido simpatizante do nazismo. Ele se autointitulava 'racista, pan-turquista e turanista' de carteirinha. De 1934 em diante, Atsiz passou a publicar o jornal turanista Orhun, no qual defendia um Grande Império Turco que deveria se estender do Mediterrâneo ao Pacífico. Os pilares do seu turquismo consistiam nos laços sanguíneos e na raça, ele defendia um retorno às crenças turcas pré-islâmicas."
O professor Jacob M. Landau observa:
"Atsiz era um grande admirador das teorias raciais da Alemanha nazista, ele expressava algumas delas reiteradamente em seus próprios trabalhos nas décadas de 1930 e 1940 (nelas os turcos eram considerados a 'raça superior'). Seus artigos insistiam, sem parar, que o pan-turquismo poderia e deveria ser conquistado através da guerra. Durante anos, seu corte de cabelo se assemelhava ao de Hitler e sua postura pessoal tinha um semblante militar."
As obras de Atsız levaram à violência nos ataques às comunidades judaicas do leste da Trácia no pogrom antijudaico de 1934. Naquela época Atsız era professor de literatura na região. Guttstadt salienta:
"imediatamente antes dos eventos de 1934, artigos com ameaças dirigidas contra os judeus também haviam aparecido no jornal Orhun, publicado por Atsiz."
De volta de uma viagem à cidade de Canakkale, por exemplo, Atsız escreveu:
"o judeu daqui é igual ao judeu que vemos em qualquer outro lugar. Traiçoeiro, insolente, mal-intencionado, covarde, porém oportunista, o bairro judeu é o centro da balbúrdia, barulho e sujeira como nos bairros judeus em todos os outros lugares... Nós não queremos mais ver entre nós esta nação traiçoeira e bastarda da história como nossos cidadãos. "
Em outro artigo durante da mesma época, Atsız escreveu:
"a criatura chamada judeu não é amada no mundo por ninguém a não ser pelos próprios judeus e pelos ignóbeis... Termos em nosso idioma: 'como um judeu', 'não aja como um judeu', 'bazar judeu', 'parece uma sinagoga'... mostra o valor dado pela nossa raça a esta nação vil. Assim como a lama não irá virar ferro nem se for colocada no forno, o judeu jamais será turco, por mais que se esforce. Ser turco é um privilégio, não é para qualquer um, principalmente para aqueles como os judeus... Se ficarmos com raiva, não iremos só exterminar os judeus como os alemães fizeram, iremos mais longe..."
Motivados pelos textos de Atsız e de outros autores antissemitas, os turcos atacaram os judeus na Trácia oriental em pogroms que se estenderam de 21 de junho a 4 de julho de 1934. Estes começaram com o boicote aos negócios dos judeus e foram seguidos por ataques físicos a edifícios de propriedade de judeus, que primeiro foram saqueados e depois incendiados. Homens judeus foram espancados e mulheres judias estupradas. Aterrorizados por esta reviravolta inesperada na evolução dos acontecimentos, muitos judeus fugiram da região. De acordo com o historiador Rifat Bali, muitos dos seguidores de Atsız participaram diretamente dos violentos distúrbios.
Atsız contribuiu muitíssimo para envenenar as mentes turcas com o ódio aos judeus. De acordo com o Livro do Dr. Fatih Yaşlı, Our Hate is Our Religion: A Study on Turkist Fascism, Atsız escreveu:
"tem cabimento uma criança da nação turca que brandiu espadas e passou a vida nos campos de batalha por séculos a fio ser igual a uma criança da nação judaica que viveu de modo desonesto e fraudulento também por séculos a fio? Se pegarmos uma criança turca e uma criança judia nascidas no mesmo dia e as enviarmos à mesma instituição de ensino e ensinar-lhes somente o idioma esperanto, dando-lhes a mesma educação nas mesmas condições, a criança turca voltará, sem a menor sombra de dúvida, a ser corajosa novamente enquanto a judia será covarde novamente".
Atsız também costumava fazer declarações que desumanizavam aqueles que não eram turcos. Referindo-se aos gregos, por exemplo, ele convenientemente pulava o genocídio turco contra os armênios, assírios e gregos, ele escreveu:
"será que os gregos podem ser considerados seres humanos?... Grego significa escorpião. Assim como o escorpião picou a tartaruga que o ajudou a atravessar o rio para lhe fazer um favor e depois disse 'o que eu posso fazer? Eu sou assim (traidor)', os gregos também são moldados para serem inimigos dos turcos."
Salvo os turcos, Atsız odiava praticamente todos os outros povos. Em seu testamento, quanto ao seu filho Yagmur, então com um ano e meio de idade, Atsız escreveu, em uma passagem:
"Os judeus são os piores inimigos de todas as nações. Os russos, chineses, persas, gregos são nossos inimigos históricos.
"Os búlgaros, alemães, italianos, britânicos, franceses, árabes, sérvios, croatas, espanhóis, portugueses, romenos são nossos novos inimigos.
"Os japoneses, afegãos e americanos são nossos futuros inimigos.
"Os armênios, curdos, circassianos, abcásios, bósnios, albaneses, pomacos, lazos, lezguianos, georgianos, chechenos são nossos inimigos dentro da Turquia.
"É preciso estar bem preparado para combater tantos inimigos."
Seu filho Yagmur, no entanto, cresceu e se tornou um crítico das opiniões de seu pai. Em um livro escrito por ele em 2005, narra como seu pai media os crânios na expectativa de determinar a "taxa de turquiquês" das pessoas.
"Nihal Atsız era profundamente encasquetado com crânios. Ele media os crânios de pessoas que ele nem sabia de quem eram e crânios das proximidades e de vizinhos. Então calculava os crânios meticulosamente e os informava se eram turcos ou não. Por exemplo, ele lhes dizia que eram 37% turcos, possibilidade de nove entre dez ou então 69,4%. Para aqueles com um baixo índice de possibilidade de serem turcos, ele sempre tinha palavras de 'consolo'. Por exemplo, ele dizia: 'mas você pode eliminar em parte sua deficiência congênita por meio de um esforço voluntário extraordinário e uma consciência nacional vigilante.'"
"Claro, aqueles com um baixo índice de "turquiquês", de acordo com a medição do crânio, deixariam nossa casa extremamente angustiada."
Yagmur Atsız salientou que a "ferramenta" que seu pai usava para medir os crânios era uma espécie de calibrador de cerca de 45 centímetros de comprimento e que estava sempre em cima de sua escrivaninha. Atsız ressaltou que seu pai continuou assiduamente com a medição de crânios por décadas.
Atsız também continuou influenciando a vida política da Turquia nas décadas seguintes. Guttstadt observa:
"os antissemitas e fascistas, inspirados no exemplo alemão, se tornaram uma constante no sistema político da Turquia no período após a Segunda Guerra Mundial. Em 1962, Nihal Atsız, juntamente com outros de ideias do mesmo naipe, fundaram a Türkçülük Derneği (Associação do "Turquismo"), precursor do fascista Partido da Ação Nacional (Milliyetçi Hareket Partisi, MHP), que foi responsável por inúmeros assassinatos de estudantes, sindicalistas e intelectuais de esquerda nos anos de 1970. O líder desse movimento era Alparslan Türkeş, camarada de armas de Atsız. "
Também faz parte do MHP o movimento racista e de extrema direita Lobos Cinzentos (Bozkurtlar), recentemente banido na França depois que um memorial em homenagem às vítimas do Genocídio Armênio ocorrido entre 1914 e 1923 foi desfigurado. Oficialmente conhecido como Lareiras Idealistas (Ülkü Ocakları), o movimento se envolveu em inúmeros atos de violência contra civis, bem como contra autoridades políticas e religiosas. Entre estes atos figuram o massacre de Alevi na cidade de Maras, no sudeste da Turquia em 1978 e a tentativa de assassinato do Papa João Paulo II em 1981.
A visão de mundo racista de Atsız resultou em muitas mortes e destruição. No entanto, em sua homenagem, seu nome foi atribuído a pelo menos três outros parques em Ancara e Antalya e em uma rua na cidade de Amasya.
Dito isto, quais seriam as ideias e atividades de Atsız, que tantos na oposição turca, incluindo o prefeito de Istambul, acham tão importante a ponto de valer a pena promover? É a "medição de crânios", nazismo, racismo, supremacia turca e ódio com o qual a oposição turca também concorda?
Hoje, por trás de muitas das incessantes políticas agressivas da Turquia, como empreendimentos antiarmênios, antigregos, anticipriotas, antijudaicos, anticurdos, antiocidentais e anti-israelenses, se encontram enraizadas nas visões racistas de Atsız e dos da farinha do mesmo saco. Durante décadas, milhões de turcos foram envenenados com as visões alinhadas com o estilo nazista de Atsız.
Tudo indica que as opiniões de muitos membros da oposição turca não são tão diferentes da mentalidade violenta e supremacista do presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Somente quando os líderes e políticos da oposição turca se defrontarem e criticarem de forma honesta com a história de crimes, massacres e racismo sistemático da Turquia é que a verdadeira democracia deixará de ser apenas um sonho.
Uzay Bulut, jornalista turca, Ilustre Senior Fellow do Gatestone Institute.