Recentemente um tribunal de recursos da Holanda manteve a condenação do político holandês Geert Wilders por ele ter, segundo consta, insultado marroquinos em comentários feitos num comício eleitoral em 2014. Foto: Wilders discursa no parlamento holandês em Haia em 19 de setembro de 2018. (Foto: Jerry Lampen/AFP via Getty Images) |
Recentemente um tribunal de recursos da Holanda manteve a condenação do político holandês Geert Wilders por ter, segundo consta, insultado marroquinos em comentários feitos num comício eleitoral em 2014. Ao mesmo tempo, no entanto, o tribunal de recursos anulou a condenação de Wilders por incitar ódio ou discriminação contra marroquinos.
Em um comício eleitoral em Haia em março de 2014, na qualidade de líder do Partij voor de Vrijheid (Partido da Liberdade), segundo fontes próximas do mais importante partido de oposição do país atualmente, Wilders perguntou aos presentes se eles queriam "mais ou menos marroquinos" no país. Depois que a multidão entoou as palavras de ordem "menos, menos", Wilders disse: "vamos arrumar a casa."
Wilders foi processado e condenado em dezembro de 2016 de ter cometido dois crimes: primeiro por "insultar deliberadamente um grupo de pessoas por conta da raça delas". Segundo, por "incitar o ódio ou à discriminação contra esse grupo de pessoas". Wilders não foi condenado até então, nem o será agora: o Juiz Jan Maarten Reinking determinou: "há anos que o acusado paga um alto preço por expressar sua opinião", referindo-se ao fato de Wilders estar vivendo sob constante proteção policial por mais de uma década e também por não parar de receber ameaças. De uns anos para cá, a Al Qaeda, entre outras, emitiu uma ameaça contra Geert Wilders. "Ameaças terríveis", salientou Wilders.
"Eu já constava na lista deles de alvos a serem eliminados, já tinha duas fatwas do Paquistão e agora outra de assassinato da Al-Qaeda. Nojento. Isso me custou a liberdade por 16 anos, algo que eu não desejaria nem ao meu pior inimigo."
Segundo as ponderações do juiz em manter o veredito de "insulto a um grupo de pessoas por conta da raça", Reinking ressaltou que os comentários de Wilders "poderiam contribuir para a polarização da sociedade holandesa, até porque em nossa sociedade democrática e pluralista o respeito pelos outros, em especial pelas minorias, é de extrema importância" realçou Reinking:
"muito embora, o linguajar ofensivo seja até certo ponto protegido pelo direito à liberdade de expressão, neste caso o suspeito foi longe demais e, portanto, é culpado de delito penal".
Não houve nenhum aceno quanto à prioridade de se poder falar livremente sem medo em uma sociedade livre, a exemplo da ex-União Soviética, de se ser arrastado para os tribunais pelo Estado. Como ressaltou o dissidente soviético Natan Sharansky:
"contudo, era óbvio para todos que por unanimidade queríamos viver em uma sociedade onde as pessoas pudessem... manifestar seus pontos de vista... e não serem punidas por isso. É o chamado teste da praça central, onde cada um pode ir ao centro da cidade, dizer o que pensa, no que acredita, insistir no seu direito de promover suas opiniões e tampouco ser preso por isso. E se assim for, então teremos uma sociedade livre. Caso contrário teremos uma sociedade do medo. Não existe meio termo."
"A Holanda virou um país corrupto", salientou Wilders após o veredito.
"Os marroquinos que incendiaram nossas cidades e suas imediações geralmente se safam... mas o líder do maior partido de oposição que faz uma pergunta sobre os marroquinos com a qual milhões de holandeses concordam, é condenado em um julgamento politizado. Dando nome aos bois, é exatamente isso que aconteceu... o juiz jogou fora... a liberdade de expressão... E não se trata só da minha liberdade de expressão, mas a de todos. Fico feliz, claro, que a acusação... da condenação inicial do tribunal, quando da incitação à discriminação, virou absolvição. Também não há provas desse incitamento ao ódio... Mas condenado, isso sim, embora sem punição, por insulto coletivo, em um julgamento politizado".
Ao que tudo indica, Wilders estava se referindo aos distúrbios que ocorreram recentemente em várias cidades holandesas, nas quais jovens holandeses/marroquinos, juntamente com manifestantes de outras comunidades de imigrantes, segundo consta, se envolveram em "pancadarias, confusão, ameaças e perturbação da ordem de emergência determinadas para acalmar os ânimos".
Wilders também anunciou que irá recorrer da sentença no tribunal de recursos da Suprema Corte da Holanda. "É claro que vamos recorrer e iremos ao Supremo Tribunal porque o veredito e a condenação são ridículos", salientou Wilders.
A Holanda faz parte da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, cujo artigo 10 estipula o seguinte:
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Faz parte deste direito a liberdade de ter opiniões e de receber e transmitir informações e ideias sem a interferência do poder público, independentemente de fronteiras...
2. O exercício destas liberdades, desde que englobem deveres e responsabilidades, poderá estar sujeito às formalidades, condições, restrições e penalidades previstas em lei e necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, integridade territorial e segurança pública, na prevenção da desordem e da criminalidade, na proteção da saúde e da moral, na proteção da reputação e dos direitos de terceiros e evitar a divulgação de informações recebidas em sigilo e manter a autoridade e imparcialidade do judiciário.
Em sua jurisprudência (1), o Tribunal Europeu de Direitos Humanos declarou que o artigo 10 protege não só "as informações e ideias consideradas inofensivas, mas também as que ofendem, chocam ou perturbam, estas são as exigências desse pluralismo, tolerância e mente-aberta sem as quais não há sociedade democrática. As opiniões expressas em linguagem forte ou exagerada também estão sob a égide da lei".
Além disso, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos,
"...a extensão da proteção depende do contexto e do objetivo da crítica. Em questões de polêmica pública ou de interesse público, durante o debate político, em campanhas eleitorais... palavras e críticas duras poderão fazer parte do jogo e serão toleradas em grau mais elevado pelo Tribunal".
Perguntar se os eleitores querem menos marroquinos em sua cidade ou país pode parecer para alguns ofensivo. No entanto, o que parece ofensivo costuma ser extremamente subjetivo. Em maio, no Marrocos, o ator Rafik Boubker foi preso por "blasfêmia" por postar um vídeo no qual diz aos seguidores "para que façam ablução com vinho e orem com uísque". O vídeo ao que consta "enfureceu milhões de marroquinos. O ator rapidamente postou outro vídeo, se desculpando para com seus fãs e seguidores pelo que havia dito".
Em 2007 no Sudão, as autoridades sentenciaram uma professora de inglês a duas semanas de prisão e deportação por "insultar o Islã", porque ela permitiu que seus alunos da escola primária dessem o nome de Maomé a um ursinho de pelúcia, nome muito comum por lá. Nesse meio-tempo ela era ameaçada de morte.
Liberdade de expressão significa o direito de ofender. Conforme Sigmund Freud, citando o neurologista John Hughlings Jackson, supostamente colocou assim: "o homem que primeiro lançou uma palavra ofensiva contra seu inimigo em vez de uma lança foi o fundador da civilização". Uma fala com a qual todos concordam não necessita de proteção.
À luz da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que protege especificamente o discurso político dos atores políticos e das campanhas políticas, é difícil ver como a questão colocada por Wilders poderá legitimamente ser limitada de acordo com o artigo 10 (2). Wilders não incitou à violência, nem colocou em risco a segurança nacional ou pública ou qualquer um dos outros problemas apontados como relevantes para limitar a liberdade de expressão.
Caberá agora ao Supremo Tribunal da Holanda determinar se deseja uma "sociedade livre" ou uma "sociedade do medo". Conforme observa Sharansky, "não existe meio termo."
, ilustre Senior Fellow do Gatestone Institute.
(1) Monica Macovei: orientadora da implementação do Artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, p 16, (Manuais de direitos humanos, No. 2, 2004).