Dr. Li Wenliang, que faleceu devido ao coronavírus em 7 de fevereiro, foi repreendido juntamente com outros sete médicos pelo governo chinês por alertarem sobre o surto em dezembro. Ele foi acusado de "disseminar boatos espúrios" e "perturbar a ordem social" e, por sua corajosa diligência, foi detido por um breve período e interrogado. Foto: vigília em memória a Wenliang em 7 de fevereiro em Hong Kong. (Foto by Anthony Kwan/Getty Images) |
Ao ouvir a notícia de que o Dr. Li Wenliang havia morrido em decorrência do coronavírus em 7 de fevereiro, moradores da cidade de Wuhan, região central da China, sob rigorosa quarentena,abriram as janelas aos prantos. Outros foram às ruas para assoprar apitos em homenagem ao médico e soou o alerta sobre o vírus. A tristeza e a raiva exibidas nas ruas, varandas e redes sociais chinesas atingiram níveis, por assim dizer, sem precedentes nos últimos dias.
Li foi repreendido juntamente com outros sete médicos por alertarem sobre o surto em dezembro. Ele foi acusado de "disseminar boatos espúrios" e "perturbar a ordem social" e, por sua corajosa diligência, foi detido por um breve período, interrogado e forçado a assinar um "aviso de advertência". Sem sombra de dúvida, Li contraiu o vírus ao tratar pacientes no Hospital Central de Wuhan.
Assim que a sua morte foi oficialmente anunciada na noite de quinta-feira, logo desencadeou indignação na internet. A mídia estatal, talvez para aplacar a opinião pública, sustentou que ele estava vivo, mas gravemente doente. Quando ele foi oficialmente considerado morto pela segunda vez, o comunicado provocou um tremendo alvoroço. Censores chineses deletaram milhões de postagens nas redes sociais em apoio ao jovem médico. Li morreu aos 34 anos.
Alguns dizem que à medida que a poeira for baixando sob o calor do próximo verão, o sistema político chinês terá condições de resistir a mudanças. Muito pelo contrário, a doença que assola o país poderá se transformar, como já circula na boca do povo, no "Chernobyl" chinês, o acobertamento de um desastre levando à queda do regime.
Inabalavelmente contrário ao paralelo de Chernobyl se encontra o ex-primeiro ministro da Austrália Kevin Rudd. "Xi dispõe de poder político quase absoluto sobre o estado marxista-leninista da China", escreveu ele em artigo em 8 de fevereiro. É "certo", garante ele, "que a crise, uma vez resolvida, não mudará a forma como a China será governada no futuro".
O argumento de Rudd enfatiza que as prioridades de Xi, que ele chama de "dez conjuntos de círculos concêntricos que emanam do centro do partido", permanecerão as mesmas. O cerne dessas prioridades é a manutenção do sistema político do país. Conforme observa Rudd, agora presidente da Asia Society Policy Institute: "desde que chegou ao poder em 2012, Xi fortaleceu o poder de controle do Partido Comunista além de desenvolver uma agenda nacional abrangente da qual tudo, incluindo o gerenciamento doméstico de crises, tem que se encaixar."
Xi é tão forte assim? Ele resistiu às demandas, acumulou poder jamais visto desde os dias de Deng Xiaoping, astuto sucessor de Mao. Alguns analistas comparam a condição de Xi a do próprio Mao. Politicamente Xi parece ter "nove vidas".
É dado como praticamente certo que ele está assentando as bases para que seu adversário, o primeiro-ministro Li Keqiang, assuma a culpa quando as coisas não derem certo. Li, sem dúvida, foi encarregado de coordenar a resposta de Pequim ao coronavírus.
Em 26 de janeiro, o Partido Comunista anunciou que Li presidirá a força-tarefa da China, Pequeno Grupo Central Encarregado de Combater a Nova Epidemia de Pneumonia via Contaminação pelo Coronavírus. Xi também tomou emprestado a tática de Mao de sair dos holofotes, sumindo flagrantemente da mídia oficial na última semana de janeiro.
No entanto, por mais inteligente que Xi seja, há motivos de sobra que o impedem de fugir das suas responsabilidades. Primeiro, seu enorme poder faz com que ele tenha que prestar contas e ao que tudo indica, ele percebeu que há ocasiões em que ele tem que reconhecer a importância do seu cargo. Na luta contra a epidemia, Xi ressaltou em uma reunião realizada em 28 de janeiro em Pequim com o Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde Tedros Adhanom Ghebreyesus: "eu mesmo tenho dirigido e organizado os trabalhos".
Segundo, a economia chinesa, devido à epidemia e por outras razões, parece estar se contraindo, não só de trimestre em trimestre, mas de ano a ano. A demanda por petróleo da China é 20% menor se comparada ao mesmo período do ano passado. Muitas fábricas e lojas permanecem fechadas muito tempo depois do feriado do Novo Ano Lunar. A rodada da primavera da Feira de Cantão, prevista para abril, foi cancelada. Companhias aéreas cancelaram voos para a China; muitas rotas foram suspensas por tempo indeterminado.
Esse estado de emergência ocorre justamente quando a economia já estava desacelerando, na realidade crescendo cerca de 2% antes do surto epidêmico, quando as coisas caminhavam normalmente.
Muitos analistas calculam que Pequim irá estimular a economia, mas o estímulo só funciona se houver atividade econômica por trás. Grande parte da economia está parada, portanto não há muito o que estimular. Uma economia morta representa uma crise existencial para um regime cuja base primária de legitimidade é a entrega contínua de prosperidade.
Terceiro, o povo chinês, como ficou evidente pela reação à morte de Li Wenliang, não será impelido pelas manobras internas do Partido Comunista de Xi. Para começar, as autoridades locais detonaram o acobertamento praticado por Pequim. Em 27 de janeiro, Zhou Xianwang, prefeito de Wuhan,disse publicamente que ele não pôde divulgar a epidemia do coronavírus ao público porque estava aguardando autorização dos superiores. Esse tipo de acusação não faz ninguém se sair bem na fita em Pequim.
O povo chinês, em parte porque Zhou dedurou 'os superiores', está furioso e, diferentemente de situações anteriores de má conduta de Pequim, agora eles já estão falando sobre questões fundamentais e exigindo direitos básicos. O refrão que se ouve agora na China é: "queremos liberdade de expressão!" As pessoas dessa castigada sociedade, a exemplo das que buscam liberdade em Hong Kong, adotaram como hino a música politicamente impactante dos Les Miserables, "vocês conseguem ouvir o povo cantar?"
A morte do Dr. Li ocorreu logo depois que um professor de direito da Universidade Tsinghua, Xu Zhangrun disse publicamente na semana passada que Xi Jinping "não é muito inteligente" e pediu que ele renunciasse. Concomitantemente, Xu juntamente com outros oito assinaram uma carta aberta ao Congresso Nacional do Povo, intitulado "O Direito à Liberdade de Expressão Começa Hoje".
A ousadia das recentes demandas mostra que devido ao surto, o povo chinês está começando a perder o medo de Xi e do Partido Comunista. Rudd e os propagandistas chineses dizem que o Partido irá superar a crise, mas quando o povo perde o medo, tudo pode acontecer.
Quando as pessoas perdem o medo, elas acham que podem tudo ou simplesmente estão pouco se lixando para as consequências. Via de regra é numa hora como essa que sistemas políticos aparentemente poderosos caem por terra.
Xi deve estar se preparando para o início do verão, após o pico do surto do coronavírus em abril e maio nos principais centros populacionais fora da província de Hubei, o atual epicentro. Então, o povo chinês trocará ideias a sério sobre quem é o responsável.
No presente momento Xi está focado mais em controlar a narrativa nacional do que em acabar com a doença. A composição do Pequeno Grupo Central Encarregado, formada por nove membros, descrita acima, é particularmente desconcertante. Há somente uma autoridade responsável pela saúde pública na lista, repleta de marmelada política e agentes da propaganda. O czar da propaganda do Partido, Wang Huning, é o vice-presidente. "Manter a integridade do regime ditatorial de Xi Jinping é evidentemente o foco principal do Grupo Líder", salientou Charles Burton, observador do Macdonald-Laurier Institute de Ottawa na China ao Gatestone Institute.
Xi Jinping, no entanto, já perdeu a batalha da narrativa. Seu esforço no tocante à propaganda dificulta sua capacidade de erradicar a doença. O sigilo e a supressão de informações nunca ajudam.
De qualquer maneira, uma mulher não permitirá que as autoridades suprimam informações por muito tempo. "Se eles não nos derem uma explicação, não desistiremos", disse Lu Shuyun, mãe do Dr. Li Wenliang, exigindo que a polícia de Wuhan explique porque ele foi assediado quando procurava salvar pacientes.
Uma mulher pode enfrentar o homem forte Xi Jinping? Nessa queda de braço, aposte na mãe. Em última análise, ela conta com cerca de 1,4 bilhão de pessoas furiosas ao seu lado.
Gordon G. Chang é o autor do livro The Coming Collapse of China e Destacado Senior Fellow do Gatestone Institute.