Nadia Murad, ativista yazidi dos direitos humanos, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, uma das milhares de mulheres yazidis feitas prisioneiras pelo ISIS e mantida como escrava até ela ter dado um jeito de escapar, escreveu recentemente: "meu maior temor é que se o mundo continuar indiferente, minha comunidade, a comunidade yazidi, deixará de existir". (Foto: Erik Valestrand/Getty Images) |
O debate na Europa Ocidental sobre os direitos de retorno dos terroristas do Estado Islâmico (ISIS) reflete um sentimento inquietante: parece haver uma tremenda preocupação com o bem-estar daqueles que resolveram deixar os países em que nasceram ou países que os acolheram e jurar lealdade ao ISIS, cujos seguidores perpetraram alguns dos crimes mais hediondos que se tem notícia, cometidos neste ou em qualquer outro século.
Agora que as forças apoiadas pelos EUA na Síria tomaram a cidade síria de Baghuz, última fortaleza do ISIS naquele país e o fato do ISIS, tanto no Iraque quanto na Síria ter sido derrotado, os terroristas do grupo juntamente com suas noivas, ao que tudo indica, já estão com saudades do Ocidente.
Poucos no Ocidente parecem estar cismados que a razão dessa saudade não seja apenas e tão somente o conforto do Ocidente e sim ordens do ISIS. Abu al-Hassan al-Muhajer porta-voz do ISIS, "transmitiu recentemente uma gravação conclamando os agentes da organização em todas as províncias do ISIS para que continuassem no caminho da jihad e expandissem suas atividades contra as 'nações infiéis', particularmente os Estados Unidos..."
As autoridades suecas manifestaram preocupação em relação à volta dos criminosos do ISIS em termos um tanto bizarros. Por exemplo, uma dessas manifestações, a de Klas Friberg, chefe do Serviço de Segurança da Suécia (Säpo), retratou em janeiro, os combatentes do ISIS que voltavam ao país como "pessoas quebradas, traumatizadas pelas experiências que passaram" salientando que a sociedade sueca tem que "desempenhar um papel importantíssimo para reintegrá-las".[1]
Também houve declarações capciosas em relação à Shamima Begum, noiva do ISIS que procurava retornar à Grã-Bretanha. Durante uma recente entrevista concedida diretamente da Síria, Begum, num piscar de olhos admitiu que não teve nenhum problema com decapitações e demais atrocidades cometidas pelo ISIS, porque "islamicamente falando tudo isso é permitido". Mesmo assim, Richard Barret, ex-diretor de contraterrorismo global da agência de inteligência MI6 do Reino Unido, ressaltou que Begum deveria ter "uma oportunidade" e permissão de voltar para casa, apesar de não sentir nenhum remorso. Na sequência ele lamentou que o governo britânico, por iniciativa do Secretário do Interior, Sajid Javid, tenha despojado Begum de sua cidadania não permitindo que ela voltasse ao Reino Unido, mostrando "total falta de consideração em relação ao sofrimento dela". A parlamentar britânica Diane Abbott salientou que tornar Begum "apátrida" é uma atitude "insensível e desumana".
O problema é que esses mesmos representantes do establishment político não mostraram nem de longe consideração como aquela, se é que houve alguma, pelas vítimas dos terroristas do Estado Islâmico; parece que elas foram totalmente esquecidas.
As verdadeiras vítimas, um mar de gente, que os terroristas do Estado Islâmico voluntariamente se ofereceram para estuprar, torturar, decapitar, afogar, queimar vivo, crucificar e balear até que a vítima morresse, só por diversão, . No entanto, o horror que essas vítimas: yazidis, cristãos, drusos e o "tipo errado" de muçulmano, tiveram que suportar é escassamente mencionado nos debates públicos acerca do retorno dos combatentes do Estado Islâmico. É como se essas vítimas nem tivessem existido. A única coisa que se ouve recorrentemente é o direito dos facínoras de retornarem, pelo fato deles estarem de posse da cidadania ocidental. A pergunta que não quer calar é se esse tipo de compaixão também seria dado hoje, digamos, aos nazistas, caso tivessem se mandado com o intuito de trucidar vítimas no exterior e, depois de derrotados, pedissem para voltar.
O Ocidente, devido a esse descaso com respeito às vítimas do Estado Islâmico, está cometendo um crime duplo contra elas: primeiro, por não botar a boca no trombone e ajudar a resgatar as vítimas quando elas estavam sendo dizimadas, segundo, pela sentimental comiseração por esses terroristas após a derrota, cuja vitória em cima deles foi conquistada a duras penas.
Não faz muito tempo, 5 mulheres yazidis foram encontradas decapitadas na cidade de Baghuz. Essa descoberta, no entanto, parece não incentivar a liderança ocidental a ajudar encontrar os milhares de yazidis que continuam desaparecidos, entre eles um sem-número de crianças. Segundo um levantamento, 3 mil mulheres ainda estão na mãos do ISIS sendo usadas como escravas e a perspectiva é que sejam mantidas escravas sexuais pelo resto de suas vidas, a menos que alguém as salve. Nadia Murad, ativista yazidi dos direitos humanos, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, uma das milhares de mulheres yazidis feitas prisioneiras pelo ISIS e mantida como escrava até ela ter dado um jeito de escapar, escreveu recentemente: "meu maior temor é que se o mundo continuar sendo indiferente, minha comunidade, a comunidade yazidi, deixará de existir".
Lamentavelmente o mundo tem estado passivo por quase cinco anos, desde agosto de 2014, quando o genocídio Yazidi perpetrado pelo ISIS entrou em andamento a todo vapor. Alguns desses terroristas já estão de volta ao Ocidente ou a caminho. Uma adolescente yazidi vendida como escrava pelo ISIS conseguiu fugir para a Alemanha, onde ficou horrorizada ao descobrir que o homem que a sequestrou, espancou e estuprou também estava morando na Alemanha:
"Eu te conheço", disse ele. Sei onde você mora e com quem você mora. Ele sabia tudo sobre a minha vida na Alemanha... A última coisa que eu esperava era encontrar o membro do ISIS que me sequestrou e que ele saberia tudo a meu respeito.
Parece estar surgindo em alguns dos principais órgãos de imprensa, pelo menos no Reino Unido, a sensação de que a inércia da Grã-Bretanha em prol das minorias perseguidas no Oriente Médio está fazendo com que o governo seja visto como execrável. O Sunday Times assinalou recentemente o seguinte a respeito do governo do Reino Unido:
"O Ministério do Interior deixou recorrentemente de oferecer abrigo na Grã-Bretanha a uma proporção razoável de cristãos, yazidis e drusos, segundo dados obtidos com base nas leis de liberdade de informação através do Barnabas Fund, que ajuda cristãos perseguidos no exterior".
"A descoberta de que o Ministério do Interior, ao que tudo indica, discrimina em favor dos muçulmanos poderá causar mal estar no governo que acaba de iniciar uma reavaliação, solicitada pelo ministro das relações exteriores Jeremy Hunt, no tocante à perseguição dos cristãos ao redor do mundo".
"Ao anunciar a reavaliação no Boxing Day, Hunt citou estimativas segundo as quais cerca de 215 milhões de cristãos sofrem perseguições nos quatro cantos da terra e sugeriu que a Grã-Bretanha não tem sido generosa o suficiente."
Isso na melhor das hipóteses. Segundo o Sunday Times, dos 4.850 sírios abrigados em 2017 pelo Ministério do Interior, 4.572 eram muçulmanos sunitas, somente 11 eram cristãos. De acordo com os dados do segundo trimestre de 2.018, dos 1.197 sírios abrigados no Reino Unido, 1.047 eram sunitas e 10 eram cristãos. Não houve menção alguma quanto aos yazidis, apesar do genocídio perpetrado contra eles em 2014, quando terroristas do ISIS invadiram a cidade de Sinjar de maioria yazidi no norte do Iraque, destruindo santuários yazidis, assassinando, sequestrando e estuprando os yazidis. Fugiram de Sinjar 200 mil pessoas e cerca de 50 mil se refugiaram no Monte Sinjar. Até hoje os refugiados yazidis vivem naquela região em tendas e em inimaginável pobreza, esperando ajuda de um mundo que os esqueceu completamente.
Lamentavelmente, a podridão no cerne do Ministério do Interior britânico parece ser tão profunda que é de se duvidar que ainda haja espaço para algum tipo de vergonha. Segundo o The Times, o Ministro do Interior recentemente se recusou a conceder asilo a um iraniano que se converteu do Islã ao cristianismo, alegando que o cristianismo, segundo consta, não é uma religião pacífica:
"Funcionários da imigração escreveram para o homem citando passagens violentas da Bíblia para provar o que haviam dito. Eles disseram que o Livro do Apocalipse estava "repleto de imagens de vingança, destruição, morte e violência". A Igreja da Inglaterra condenou a "falta de conhecimento religioso" demonstrada pelos funcionários da imigração, depois do homem ter alertado que agora ele corria o risco de ser perseguido no Irã por conta da sua fé.
Em todo o mundo ocidental, as classes política e da mídia montam o espetáculo fingindo todo santo dia que se preocupam com os direitos humanos, ao mesmo tempo em que abandonam as minorias perseguidas, entre elas inúmeras muçulmanas. Conforme escreveu Asra Nomani:
"Um dos nossos maiores desafios aqui nos Estados Unidos é que os progressistas nem sempre estão ao lado dos progressistas muçulmanos, porque no interesse da liberdade religiosa e das liberdades civis e da correção política, eles não querem afrontar as escolhas culturais dos muçulmanos. Eu sei que as pessoas têm ido a esses encontros interreligiosos em diferentes mesquitas e elas veem que as mulheres acabam ficando no porão, mas ninguém quer confrontar ninguém porque elas acham: Fazer o quê, é cultural".
Já passou muito da hora de todos começarem a dar nome aos bois e exporem essa postura de narcisismo moral, que não passa disso, e exigir de seus políticos e da mídia do establishment, que aparentemente não se cansam de proclamar seu compromisso com os direitos humanos, a começarem a ajudar algumas das incontáveis vítimas que esperam por ajuda.
, também é Ilustre Colaboradora Sênior do Gatestone Institute.
[1] A integração de ex-combatentes do ISIS na Suécia não está dando muito certo. Em um estudo recente realizado com 29 combatentes do ISIS do sexo masculino que voltaram à Suécia, 13 eram suspeitos ou já foram condenados por cometerem crimes na Suécia após o retorno. Os crimes praticados incluíam grave abuso físico, lavagem de dinheiro, tráfico de bens roubados, extorsão, roubo e crimes envolvendo drogas.