Tropa de choque munida com kits antitumulto avança para dispersar milhares de manifestantes, em sua maioria mulheres, que participavam da "17ª Marcha da Noite Feminista", em 8 de março de 2019 em Istambul, Turquia. (Foto: Chris McGrath/Getty Images) |
Em Istambul, o pontapé inicial do Dia Internacional da Mulher foi o assassinato de uma mulher pelo namorado. Em questão de horas, milhares de manifestantes, em sua maioria mulheres que participavam da "17ª Marcha da Noite Feminista" foram atacadas com spray de pimenta pelo batalhão de choque que procurava dispersar o protesto anual de 8 de março, iniciado em 2003. No corrente ano, no entanto, a polícia turca adiantou que a marcha "não estava autorizada" e bloqueou todas as ruas que levavam à avenida marcada para o protesto. Houve confrontos entre a polícia e as mulheres que no final conseguiram furar o bloqueio.
O episódio dá uma ideia de como os direitos humanos das mulheres são corriqueiramente violados na Turquia, não só pelo governo mas muitas vezes pelos próprios familiares.
Somente no ano passado 440 mulheres na Turquia foram assassinadas por homens e pelo menos 60% desses assassinatos foram cometidos pelos maridos, namorados, ex-maridos, ex-namorados, familiares ou parentes, segundo o levantamento da "Plataforma Nós Iremos Parar com o Feminicídio" de 2018. Os criminosos responsáveis por 37% desses assassinatos não foram identificados.
Essas estatísticas aparecem recorrentemente em diferentes levantamentos elaborados por Sezgin Tanrıkulu, deputado do Partido Republicano Popular (CHP), maior partido de oposição. As conclusões do levantamento incluem revelações tais como:
- Desde 2002, quando o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) do presidente Recep Tayyip Erdoğan chegou ao poder, 15.034 mulheres foram assassinadas na Turquia.
- Em 2002 foram assassinadas 66 mulheres na Turquia, em 2018 o número de mulheres assassinadas saltou para 440.
- A Turquia ocupa o 131º lugar no ranking de 144 países quanto à participação das mulheres tanto na força de trabalho como na política.
- A participação no mercado de trabalho das mulheres entre 15 e 64 anos é de 34,6%. A participação dos homens é de 73,4%.
- Subiu o número de assassinatos de mulheres no ambiente de trabalho ou a caminho dele.
De acordo com o relatório do Banco Mundial de 2019 "Mulheres, Negócios e a Lei 2019: Uma Década de Reformas", a Turquia ocupa 85ª posição dos 187 países com respeito à igualdade de direitos econômicos em relação às mulheres.
O levantamento examina a forma como as perspectivas de emprego e empreendedorismo das mulheres foram e continuam sendo afetadas nos últimos 10 anos por discriminação legal de gênero. A Turquia atingiu um score de 79,38 pontos do total de 100, com desempenho particularmente baixo no tocante à igualdade no quesito remuneração e aposentadoria. A Arábia Saudita ficou em último lugar, pontuando 25,6.
Segundo o "Informe sobre a Mão-de-obra das Mulheres", conduzido pela Confederação dos Sindicatos Revolucionários dos Trabalhadores da Turquia (DISK), baseado em dados do Instituto de Estatística da Turquia (TUIK), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério do Trabalho da Turquia (ÇSGB) e a Agência de Emprego da Turquia (İŞKUR), a participação das mulheres na força de trabalho em 2017 foi de 28,9%, enquanto a dos homens foi de 65,1%.
Ainda há um recente levantamento elaborado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), que declara:
"Sendo o maior carcereiro de jornalistas do mundo, não causa espécie que a Turquia tenha colocado a maioria das jornalistas atrás das grades. Dos 68 jornalistas presos 14 são mulheres, na maioria dos casos sob acusação de atividades contra o estado".
Como se tudo citado acima não fosse pernicioso o bastante, o governo turco submeteu o projeto "arrependimento" ao parlamento que, caso aprovado, permitirá que os tribunais "empurrem com a barriga as punições ou adiem vereditos" em casos de homens que se casam com meninas menores de idade.
O Artigo 103 do Código Penal Turco reza:
"Qualquer um que abusar sexualmente de uma criança será condenado a um período de três a oito anos de prisão. O abuso sexual compreende avanços sexuais contra crianças menores de 15 anos de idade ou contra meninas que atingiram a idade de 15 anos, mas que não têm a capacidade de apreciar as consequências legais desses atos."
A nova lei, prevista para ser votada antes das eleições locais de 31 de março, visa reduzir a idade em que as relações sexuais com crianças (acobertadas por casamentos) são consideradas crime dos 15 para os 12 anos de idade. Caso seja aprovada, ela irá "perdoar" os crimes de casamento com menores de idade de aproximadamente 10 mil homens que atualmente cumprem pena de reclusão por acusação de abuso sexual.
O governo Erdoğan propôs uma lei nos mesmos moldes em 2016, mas ela foi retirada em consequência da reação de grupos de direitos das mulheres e da população em geral. A presente articulação de levar a proposta para votação no parlamento também causou indignação de grupos de direitos na Turquia. O "TCK (Código Penal Turco) Plataforma Feminina 103", organização que reúne 157 grupos de mulheres e LGBT, divulgou um comunicado em janeiro pedindo que o governo retire a proposta. O comunicado dizia em parte:
"Uma anistia dessa magnitude irá livrar a cara dos criminosos... e incentivar... casamentos ilegais com crianças... Também desencorajará as vítimas de apelarem aos mecanismos legais e reintroduzirá o conceito de 'casamento com estupradores' em lei."
Em 10 de março, dois dias depois que a marcha das mulheres em Istambul foi dispersada pela polícia, Erdoğan, que disse no passado que mulheres não são iguais aos homens, acusou as participantes da passeata de desrespeitarem o Islã. Isto não deveria causar surpresa dado que as escrituras islâmicas ensinam que os homens mandam nas mulheres e que as mulheres valem menos que os homens em questões como herança e competência para testemunharem em tribunais.
A teologia islâmica também sanciona a violência contra as mulheres, casamentos de adultos com crianças, escravidão sexual e poligamia, negando às mulheres o direito de tomar as decisões mais básicas sobre suas próprias vidas, como as que dizem respeito ao divórcio ou códigos de vestimenta.
Quando as atitudes acima descritas são mantidas e promovidas por um governo islamista autoritário como o de Erdoğan, o resultado é menos igualdade de gênero e mais abuso de mulheres.
Mesmo assim, a Turquia organizou uma conferência em Nova York em 13 de março, como parte da 63ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher na ONU, intitulada "O Papel das Políticas Amigáveis das Mulheres na Emancipação das Novas Gerações".
Na conferência, a ministra do trabalho, serviços sociais e família da Turquia, Zehra Zümrüt Selçuk se vangloriou em relação aos esforços de seu país em fortalecer a igualdade entre homens e mulheres, que ela afirmou incluir reformas legais e uma política de "tolerância zero em relação à violência contra as mulheres".
Selçuk passou a apresentar o "Documento sobre a Estratégia e o Plano de Ação com respeito à Emancipação das Mulheres" do governo.
O fato dessa conferência ter ocorrido apenas cinco dias depois que as mulheres foram impedidas de participarem do Dia Internacional da Mulher em Istambul e apenas poucas semanas antes do parlamento turco votar uma legislação que beneficiará homens que se casam com menininhas, confere mais uma prova da maneira pela qual o regime de Erdoğan não diz a verdade ao mundo ocidental sobre a galopante violação dos direitos na Turquia.
Uzay Bulut, jornalista da Turquia, Ilustre Colaboradora Sênior do Instituto Gatestone. Ela está atualmente radicada em Washington DC