De que maneira o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, enfrenta seus adversários políticos incluindo os que deram o sangue para expor as atrocidades do grupo terrorista Estado Islâmico (ISIS)? Jogando-os na cadeia por supostamente "apoiarem o terrorismo".
Desde o fracassado golpe de 2016 na Turquia, Erdogan vem promovendo uma descomunal e violenta repressão contra opositores e críticos: como políticos, ativistas políticos, jornalistas e membros das forças de segurança e do exército turco.
A mais recente vítima dessa repressão é Eren Erdem, ex-deputado do principal partido de oposição, Partido Republicano Popular (CHP), conhecido por expor os crimes do ISIS e de outros grupos terroristas.
Erdem foi detido recentemente acusado de "ajudar uma organização terrorista", ele também está sendo investigado por "insultar o Estado turco". Erdem está sujeito a uma pena de 9 a 22 anos de prisão por "consciente e voluntariamente ajudar, como não membro, uma organização terrorista armada", "revelar a identidade de uma testemunha anônima" e "violar a confidencialidade da investigação".
Autor de nove livros, Erdem trabalhou como jornalista antes de ser eleito membro do parlamento pelo CHP em Istambul em 2015. Ele é provavelmente o membro mais corajoso do parlamento, que expôs as atividades do ISIS por toda a Turquia durante o seu mandato e tem insistido que o partido ora no governo, Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), pare com a repressão a ele e traga os criminosos às barras da justiça.
Erdem citou com detalhes evidências de processos criminais, indiciamentos e investigações conduzidas por autoridades estaduais, bem como boletins de notícias em suas declarações e moções no parlamento. Em 10 de dezembro de 2015, por exemplo, Erdem proferiu um discurso no parlamento da Turquia sobre as atividades do ISIS no país. Entre outras coisas consta a transferência dos ingredientes do gás Sarin através da Turquia para a Síria, realizada pelo ISIS, "com o qual milhares de crianças foram assassinadas no Oriente Médio". Referindo-se à investigação e à acusação conduzidas pelo escritório de um promotor público em Adana, ele salientou:
"Certos elementos na Turquia contataram membros da organização terrorista ISIS e transferiram a matéria-prima do gás Sarin, que é uma arma química, para a Síria. O promotor iniciou uma investigação sobre o caso. Os suspeitos que fizeram a transferência foram detidos e presos. Sob a ordem do promotor, os telefones de todos os suspeitos foram grampeados, detalhes do grampo se encontram no indiciamento... Porém, após uma semana, o caso foi arquivado, os suspeitos foram libertados e autorizados a deixarem a Turquia para atravessarem a fronteira rumo à Síria ".
Devido aos pronunciamentos proferidos no parlamento, Erdem se tornou alvo de uma campanha difamatória, particularmente depois que ele conversou com a imprensa internacional. Em dezembro de 2015, por exemplo, ele ressaltou à RT: "materiais para armas químicas foram trazidos para a Turquia e preparados em campos do ISIS na Síria, que naquela época era conhecido como a Al-Qaeda iraquiana."
Ao criticar duramente Erdem pela entrevista à RT, Erdogan realçou que Erdem "atingiu o fundo do poço da traição" e pediu ao CHP que o exonerasse: "vergonha para seu partido, para mim e para minha nação deixá-lo continuar como membro do partido." Uma investigação sobre a traição foi iniciada contra Erdem.
Erdem então declarou que após a publicação da entrevista ele recebeu ameaças de morte nas redes sociais, seu endereço residencial foi postado por usuários pró-governo no Twitter, ao que tudo indica, para viabilizar um ataque à sua residência:
"Acabei de compartilhar o conteúdo da acusação com o povo... Providenciei um documento... O governo está realizando uma campanha de linchamento contra mim. Ele está alvoroçado por conta das minhas denúncias. Eu expus a sujeira e a manipulação da religião empreendida pelo governo em meus livros... Eu recebi mais de mil ameaças de morte. A caixa de entrada do meu e-mail está lotada de ameaças de morte... Se algo acontecer comigo, a mídia pró-governo e os deputados da AKP serão os responsáveis."
Irredutível diante da pressão e das ameaças, Erdem continuou expondo e falando sobre as atividades de grupos terroristas jihadistas na região. Em um discurso no parlamento da Turquia em junho de 2016, por exemplo, Erdem criticou mais uma vez o governo por fazer vista grossa perante as atividades do ISIS: "o ISIS conta com células latentes na Turquia. Esses ninhos são monitorados por autoridades estatais. As informações obtidas do monitoramento dessas células confirmam que o ISIS é bem organizado na Turquia".
O suspeito número 1 do ataque terrorista perpetrado pelo ISIS em Ancara, salientou Erdem, é conhecido pelas iniciais I. B. (Ibrahim Bali) que "recrutou 1.800 terroristas para o ISIS, todos foram monitorados por câmeras de segurança, contudo não foi realizada nenhuma operação policial nem militar... Onde estão as forças policiais? Eu identifiquei 10 mil endereços (de membros do ISIS) nesses documentos de investigação conduzidos por promotores e juízes... Por que esses homens não estão presos?"
Erdem também teceu comentários sobre a revista Konstantiniyye de língua turca publicada pelo ISIS na Internet :
"O ISIS envia essas revistas às livrarias e aos seus ninhos. O governo sabe disso. Mas nenhuma operação militar nem policial foi realizada em nenhum lugar, nem mesmo na gráfica da revista."
Erdem então mostrou uma foto da interface do "banco de dados" criada pelo ISIS de seus membros feridos e sendo tratados, afirmando que muitos terroristas do ISIS recebiam tratamento médico na Turquia. Ele também pediu ao parlamento que criasse uma comissão para investigar as atividades do ISIS na Turquia, mas o pedido foi rejeitado pelos votos do AKP, partido do governo. No dia seguinte, em entrevista coletiva à imprensa no parlamento da Turquia, Erdem salientou:
"Se a comissão que propusemos fosse implantada, teríamos acabado com todas as células do ISIS na Turquia em poucos meses. Não sobraria nenhuma, porque conhecemos os endereços dessas células. Sabemos dos endereços via informações da polícia... Também sabemos da investigação, por intermédio da polícia, que os membros do ISIS se organizam em Istambul por meio de uma revista chamada "O Mundo Islâmico". Mas não houve nenhuma operação policial contra eles. Isso não é negligência. Isso é cooperação (com o ISIS)."
Erdem também ressaltou que recebeu ameaças e xingamentos nas redes sociais por propor a criação de uma comissão para investigar o ISIS. Ele acrescentou que foi autorizada, pelo governador, a sua proteção por guardas de segurança como medida de precaução devido às ameaças de morte.
Em maio de 2018, uma associação islamista exigiu que promotores emitissem um mandado de prisão contra Erdem. Ele respondeu que estava "sendo exposto a mais uma campanha de linchamento". Ele então recebeu a proibição de ir para o exterior quando estava prestes a deixar a Turquia rumo à Alemanha com a família em 21 de maio. Ele foi impedido de embarcar no aeroporto de Istambul pelas autoridades e seu passaporte foi confiscado.
O partido de Erdem, CHP, não o indicou a candidato ao Parlamento para as eleições de 24 de junho, consequentemente ele perdeu sua cadeira de parlamentar e a sua imunidade. Em 26 de junho ele foi preso em Istambul.
A organização terrorista à qual o indiciamento de Erdem se refere é a FETÖ (Organização Terrorista Fethullah), nome dado em homenagem ao clérigo islâmico Fethullah Gülen. Trata-se de uma organização que Erdogan e outros membros do governo turco acusam de conduzir uma tentativa de golpe em 2016 e que costumam usar como pretexto para prender aqueles que os criticam.
Foi ingressada uma ação na justiça contra Erdem devido a seus trabalhos no jornal Karşı, onde Erdem era o redator-chefe. A acusação de que ele é um "defensor da FETÖ" não tem fundamento, já que em 2016 ele publicou um livro intitulado "Nurjuvazi" no qual ele critica Gülen e seu movimento.
Enquanto isso, um ex-deputado do CHP anunciou em 3 de julho que os deputados do CHP que queriam visitar Erdem na prisão não tiveram autorização das autoridades. "Isso", escreveu ele no Twitter, "é o isolamento de Erdem".
Outra investigação foi recentemente iniciada contra ele, que investiga suas críticas ao Exército Livre da Síria (FSA), por supostamente violar o artigo 301 do Código Penal, que determina os termos de prisão por "denegrir a Turquia, a nação turca e instituições governamentais turcas".
Em um pesadelo orweliano, um ex-deputado e jornalista que de maneira tão corajosa dedicou sua carreira para expor e condenar organizações terroristas, agora está sendo acusado de "ajudar terroristas". Os verdadeiros terroristas que ele condena, no entanto, permanecem em liberdade.
Erdem está pagando o preço de dizer a verdade na Turquia. Ele arriscou sua própria vida para dar um basta ao ISIS e ajudar a salvar vidas. Chegou a hora dos ativistas de direitos humanos e da mídia defendê-lo.
Uzay Bulut, jornalista da Turquia, é Ilustre Colaboradora Sênior do Gatestone Institute. Ela está atualmente radicada em Washington D.C.