Todo mundo já sabe - até mesmo a chanceler alemã Angela Merkel - que ela cometeu um equívoco político ao abrir as portas do seu país para mais de um milhão de migrantes do Oriente Médio, África e Ásia. Em termos políticos foi um triplo equivoco:
- Merkel pode ter achado que motivos humanitários (a guerra na Síria e no Iraque e o problema dos refugiados) poderiam ajudar a Alemanha a adotar abertamente uma política de migração que foi inicialmente promovida e conduzida nos bastidores.
- Merkel ajudou, acima de tudo, a acelerar os mecanismos de defesa contra a transformação da sociedade e da cultura alemã em um espaço "multicultural" - lê-se com "multi" a forma segregada da vida islâmica. O partido anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AFD) já é um ator respeitável no cenário político alemão.
- Merkel agravou a ansiedade em toda a Europa no tocante ao problema dos migrantes. Pode até ser que ela tenha encorajado o Reino Unido ao Brexit e que tenha pressionado países da Europa Central, como a Hungria, a ponto de se afastarem da União Europeia.
Por anos a fio a Alemanha tem sido o país europeu mais aberto à imigração. Segundo o Eurostat (Gabinete de Estatísticas da União Europeia), organização estatística oficial da União Europeia que atua na produção de dados, entre 2005 e 2014 a Alemanha recebeu mais de 6 milhões de pessoas. [1]
Nem todos os seis milhões de indivíduos vieram de Oriente Médio. A grande maioria, no entanto, não é da Europa. A imigração clandestina não está, obviamente, incluída nestes dados.
Outros países também participaram da corrida migratória. No mesmo período, 2005-2014, três milhões de pessoas imigraram para a França ou seja: em torno de 300.000 pessoas ao ano. Na Espanha o processo foi mais caótico: mais de 700.000 migrantes ingressaram em 2005, 840.000 em 2006, quase um milhão em 2007 e, em seguida, houve uma gradativa retração chegando a 300.000 ao ano até 2014.
A "crise dos refugiados", na verdade, ajudou a evidenciar o que estava latente: que por trás das razões humanitárias, uma política oficial de grandes proporções em relação à imigração na Europa estava sendo implementada em ritmo acelerado. Por razões econômicas a Europa decidiu, abertamente, há anos, incentivar a entrada de uma nova população, hipoteticamente para compensar a projeção do dramático encolhimento da população autóctone europeia.
De acordo com as projeções populacionais realizadas pelo Eurostat em 2013, sem os migrantes a população da Europa iria diminuir de 507,3 milhões em 2015 para 399,2 milhões em 2080. Em cerca de 65 anos, cem milhões de pessoas (20%) desapareceriam. Visto país a país, os números pareceriam ainda mais alarmantes. Na Alemanha os 80 milhões de habitantes de hoje virariam 50 milhões em 2080. Na Espanha 46,4 milhões virariam 30 milhões. Na Itália 60 milhões cairiam para 39 milhões.
Em alguns países a situação seria mais estável: em 2080 a França, que contava em 2015 com 66 milhões iria aumentar para 68,7 milhões e na Inglaterra, que em 2015 contava com 67 milhões, iria encolher apenas para cerca de 65 milhões.
A migração em si é uma coisa "ruim"? Claro que não. A migração de países de baixa renda para países de renda mais alta é quase que uma lei da natureza. Contanto que o número de nascimentos e de mortes permaneça maior do que o número de migrantes, o resultado é considerado benéfico. Mas quando a migração se torna o principal fator de crescimento da população, a situação é outra e o que deveria ser uma simples evolução se torna uma revolução.
É uma tripla revolução:
Pelo fato do número de migrantes ser gigantesco. O relatório Projeções da População Mundial das Nações Unidas para 2015 estima: "que entre 2015 e 2050 o total de nascimentos no grupo de países de alta renda exceda as mortes em 20 milhões de pessoas, ao passo que a projeção do aumento líquido de migrantes seja de 91 milhões. Assim, na variante média, a migração líquida projetada representa 82% do crescimento populacional nos países de alta renda".
Devido à cultura dos migrantes. A maioria dos migrantes pertence a uma cultura muçulmana e árabe (ou turca), que se encontra em um conflito antigo e histórico com a (ainda?) dominante cultura cristã da Europa. E, acima de tudo, porque este processo de migração muçulmana acontece no momento histórico de uma radicalização da população muçulmana no mundo.
Pelo fato de cada país europeu estar em situação de vulnerabilidade. Durante o processo de edificação da União Europeia, os estados nacionais deixaram de se considerar uma indispensável ferramenta integradora de diferentes culturas regionais dentro de uma estrutura nacional. Muito pelo contrário, para evitar o retorno de guerras chauvinistas em grande escala, como a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, todos os estados-nação europeus se envolveram no processo da UE e decidiram programar seu próprio desaparecimento, transferindo mais e mais poder a uma comissão executiva burocrática, não eleita e não transparente, em Bruxelas. Não é de se estranhar que juntamente com os problemas islâmicos que ocorrem em todos os países europeus, os mais fracos tenham que lidar com o forte ressurgimento de movimentos separatistas e regionalistas, como o Corsica na França, Catalonia na Espanha, fora a Escócia e o País de Gales no Reino Unido.
Por que a França, a Alemanha e outros países da União Europeia optaram pela imigração em massa, sem mostrar o que estavam fazendo e sem deixar que os eleitores debatessem sobre o assunto? Provavelmente porque eles acreditaram que uma nova população de contribuintes poderia ajudar a salvar seus sistemas de saúde e aposentadoria. Para evitar a falência da seguridade social e dos problemas sociais dos "aposentados insatisfeitos", a UE assumiu o risco de transformar os estados-nação mais ou menos homogêneos em sociedades multiculturais.
Parece que os políticos e economistas estão cegos diante dos conflitos multiculturais. Parece que eles sequer suspeitam da importância das questões de identidade e temas religiosos. Estas questões fazem parte das nações desde a Segunda Guerra Mundial, "a nação" é considerada "ruim". Além disso, os políticos e economistas parecem acreditar que qualquer problema cultural e religioso seja uma questão secundária. Por exemplo, apesar da crescente ameaça do terrorismo islamista (tanto interna quanto importada do Oriente Médio) eles, ao que tudo indica, continuam acreditando que qualquer conflito interno violento possa ser resolvido em uma sociedade "de pleno emprego". A maioria deles parece acreditar na solução imaginária para o terrorismo do Presidente Barack Obama: empregos para os jihadistas .
Para evitar conflitos culturais (migrantes muçulmanos contra nativos não-muçulmanos) a Alemanha podia, obviamente, ter importado pessoas dos países europeus onde não havia empregos como França, Espanha e Itália. Mas esta mão de obra "branca" é considerada "cara" pelas grandes empresas (de construção civil, cuidadores e demais serviços...) que necessitam de mão de obra importada barata, não importando de onde venham (Oriente Médio, Turquia e Norte da África). A migração interna dentro da UE também não teria resolvido o problema principal, da projeção do encolhimento populacional europeu como um todo. Somando a isso, em um mundo onde a concorrência é transferida parcialmente de nações para regiões globais, poder-se-ia imaginar que o poder dos países europeus estivesse no número de habitantes.
A Europa pode tomar emprestado uma população muçulmana da Turquia, Norte da África, África Subsaariana e Oriente Médio e se tornar uma potência mundial europeia com base em uma população multicultural e multirreligiosa?
Teoricamente sim. Mas para que dê certo e evitar se deparar, dia após dia, por tensões raciais e religiosas, duas questões essenciais sobre a integração devem ser postam sobre a mesa: 1) O que queremos dos recém-chegados? E 2) O que podemos fazer com aqueles que não aceitam as nossas condições?
Em outras palavras, a integração é um processo assimétrico onde se espera que o recém-chegado faça o esforço necessário para a sua adaptação.
É óbvio que se o fluxo de migrantes é grande, a sociedade acolhedora irá mudar, isso é evolução, o sentido de continuidade histórica e cultural não será forçado a entrar em declínio.
Na Europa, estas duas questões sobre a integração nunca foram apresentadas a ninguém. Segundo a socióloga e demógrafa Michèle Tribalat:
"Os países da UE concordaram, no Conselho de 19 de novembro de 2004, em adotar onze princípios básicos. Quando se tratar de integração eles não assumirão nenhuma assimetria entre a sociedade de acolhimento e os recém-chegados. Não serão concedidos privilégios aos europeus ou aos seus descendentes. Todas as culturas terão a mesma cidadania. Não haverá reconhecimento de uma cultura europeia substancial útil o bastante para ser preservada. O elo social será concebido horizontalmente entre as pessoas em questão. A sua dimensão vertical, em referência à história e ao passado parece ser supérflua. Eles falam sobre valores, mas estes valores pelo que consta são negociáveis".
Na França, Alemanha e Suécia, ficou rapidamente explícito que o crescente fluxo de uma população muçulmana radicalizada começou a mudar as regras do jogo da integração. Os migrantes não têm que se "adaptar" e são livres para reproduzir seus hábitos religiosos e culturais. Por outro lado, os "nativos" locais receberam ordens para não resistirem às mudanças "ambientais" resultantes da imigração. Ao tentarem resistir, mesmo assim, uma máquina política e o meios de comunicação começaram a criminalizar seu comportamento "racista" e suposta intolerância.
Na nova ordem migratória espera-se que a população acolhedora dê espaço aos recém-chegados e suporte o fardo, não do que deveria ser a "integração", mas a aceitação de uma convivência coercitiva.
O Arcebispo da França Pontier declarou ao Le Monde em outubro 2016:
"É necessário que as pessoas que acolhemos amem a França. Se nós sempre apresentarmos uma visão negativa do país eles não tem como amá-lo. No entanto, se nós os virmos como pessoas que nos trazem algo novo, cresceremos juntos".
No entanto quando "bons sentimentos" não funcionam, as autoridades frequentemente criminalizam e perseguem os críticos anti-imigração. O político holandês Geert Wilders está no momento sendo julgado por tentar defender seu país dos imigrantes marroquinos cuja escalada vertiginosa de crimes por eles cometidos está transformando a Holanda.
Ele pode ir para a cadeia por um ano e ser multado em até €7.400.
Na França, o promotor de Paris abriu uma investigação preliminar por uma "apologia ao terrorismo" contra o escritor anti-imigração Eric Zemmour. Em entrevista concedida à revista Causeur, publicada em 06 de outubro, Zemmour ressaltou que "os muçulmanos devem optar" entre a França e o Islã. Ele acrescentou que "respeitava os jihadistas dispostos a morrerem por aquilo que acreditam". O promotor de Paris tirou a frase do contexto para processá-lo.
Será este duplo movimento - a ordem de amar o Islã, somada à criminalização dos críticos anti-Islã - o suficiente para acabar com qualquer oposição à política de migração da UE e contribuir para islamizar o continente?
Logo saberemos.
Yves Mamou, radicado na França, trabalhou por duas décadas como jornalista para o Le Monde.
[1] Lista expandida da estatística:
- 707.352 migrantes em 2005
- 661.855 em 2006
- 680.766 em 2007
- 682.146 em 2008
- 346.216 em 2009
- 404.055 em 2010
- 489.422 em 2011
- 592.175 em 2012
- 692.713 em 2013
- 884.893 em 2014