Éric Zemmour, que de acordo com pesquisas de opinião o colocam em segundo lugar, atrás somente do atual presidente francês Emmanuel Macron para as eleições presidenciais que ocorrerão em 2022, representa a França de outrora: a França de Napoleão, da Notre Dame de Paris e do General Charles de Gaulle, a França que não quer virar uma república islâmica. "O perigo é a França virar um segundo Líbano", Zemmour costuma dizer ao se referir ao país fragmentado entre comunidades sectárias que odeiam e temem umas às outras. (Foto: Christophe Simon/AFP via Getty Images) |
O Financial Times o chama de "o extrema direita". Para o New York Times ele é o "expert da direita". Para o Die Zeit, ele é "o homem que divide a França"... Eric Zemmour, jornalista e ensaísta, não é (ainda) candidato oficial à presidência da França, mas devido à sua popularidade, a França já vive em clima eleitoral.
As eleições presidenciais ocorrerão em cerca de 200 dias, mas não passa uma semana sem que uma pesquisa de opinião mostre que Éric Zemmour esteja subindo cada vez mais nas projeções para a eleição de 2022. Uma pesquisa da Harris Interactive publicada pela revista Challenges em 6 de outubro já o coloca com 17% dos votos, ultrapassando Marine Le Pen, candidata do partido União Nacional (com 15%, desabando 13 pontos desde o verão). Zemmour ainda está atrás do atual presidente Emmanuel Macron, com projeção de 24%. Mas por quanto tempo?
Visto do exterior, a projeção de 17% para Zemmour pode parecer baixa. Mas na França, a eleição para presidente é uma corrida de dois turnos. As pesquisas aqui citadas referem-se somente ao primeiro turno, onde poderá haver 25 candidatos na corrida presidencial. Consequentemente, as intenções de voto para o primeiro turno darão necessariamente resultados fragmentados. Se as eleições fossem realizadas na próxima semana, os únicos dois candidatos que iriam para o segundo turno seriam Marcon e Zemmour.
"É uma ascensão meteórica jamais vista num espaço de tempo tão curto, insiste Jean-Daniel Lévy, vice-diretor da empresa de pesquisas de opinião Harris Interactive. "Estamos testemunhando o colapso do cerne do eleitorado" de Marine Le Pen.
Quem é Eric Zemmour? Ele foi aquele que rompeu as barreiras e introduziu na mídia debates sobre "imigração" e "jihad", temas sobre os quais ninguém jamais ousou falar publicamente. Ele é o protagonista que personifica o medo de ver a França tradicional, a das torres de igrejas e da "baguete", desaparecer sob os golpes da jihad e do politicamente correto.
O livro publicado por Zemmour em 16 de setembro que leva o título de La France n'a pas dit son dernier mot (A França Ainda Não Disse a Última Palavra) trata da identidade nacional, 100 mil cópias foram vendidas na primeira semana do lançamento. Zemmour representa a França de outrora: a França de Napoleão, da Notre Dame de Paris e do General Charles de Gaulle, a França que não quer virar uma república islâmica. "O perigo é a França virar um segundo Líbano", costuma dizer Zemmour, referindo-se a um país fragmentado entre comunidades sectárias que odeiam e temem umas às outras.
Zemmour não é um político de carreira. Ele estreou como repórter político no diário Le Figaro na década de 1990, mas por ser brilhante e possuir impressionante capacidade crítica em relação aos políticos franceses e compreender profundamente a cultura política e histórica, ele começou a ser convidado a aparecer nos programas de rádio e televisão. O Le Figaro lhe ofereceu uma coluna rotineira e em 2006 se tornou uma autêntica estrela da televisão. A sua participação por cinco anos no programa "On n'est pas couché" ("Não Estamos Dormindo"), um programa de entrevistas aos sábados à noite, fez com que ele se tornasse conhecido em toda a França. Em 2015, o apresentador do programa, Laurent Ruquier, lamentou ter feito parceria com Zemmour. "Não achamos que iria aparecer um monstro" salientou Ruquier.
Por qual razão Zemmour é "um monstro"? Porque ele alega que "os franceses com background imigratório são mais facilmente manipulados do que os demais porque a maioria dos traficantes são negros e árabes... Isso é um fato." Zemmour foi condenado no tribunal por ter feito esta afirmação, não por ser mentira, mas porque tal afirmação é impossível de ser provada. A lei francesa se recusou a usar estatísticas étnicas a exemplo da Grã-Bretanha ou dos Estados Unidos.
Zemmour choca porque afirma que a França deixou de ser França no dia em que permitiu que pais de origem estrangeira dessem nomes africanos ou muçulmanos aos filhos (Maomé é o nome mais comum nos subúrbios parisienses). Zemmour diz que quer retomar uma lei do Século XIX que obriga todos os cidadãos franceses a "darem nomes franceses" aos filhos. Zemmour também exige que a França deixe de se sujeitar à autoridade dos juízes do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. São eles, diz Zemmour, que impedem a deportação de criminosos estrangeiros.
Ele também é intransigente quanto às questões sociais: é contra reprodução assistida ("quero que crianças tenham pai e mãe"), propaganda transgênera nas escolas, casamento homossexual e militância LGBT nas escolas. Zemmour não é anti-homossexual, ele só diz que "lobbies LGBT" e "minorias" estão em guerra com a França, assim como os islamistas estão em guerra com todos os países ocidentais.
Zemmour é popular não porque faz comentários num tom provocador sobre a imigração ou sobre os direitos LGBT. Ele é popular porque traz à mídia apreensões que antes eram expostas somente em círculos familiares e entre amigos. A popularidade de Zemmour está aumentando nas pesquisas de hoje porque ele já está transferindo o debate da esfera da mídia para a esfera política.
Zemmour realmente tem chance de se tornar presidente? Zemmour nem é candidato oficial às eleições presidenciais. Ele também é o cara que disse que "decepcionaria muitos se não concorresse".
Por inúmeras razões, pode, Zemmour tem chance de ser o próximo presidente. Primeiro, porque Macron provou que um indivíduo que não pertence a nenhum partido político pode vencer. A irregularidade é, portanto, reproduzível.
Além disso, a Constituição da Quinta República na França foi inteiramente montada para organizar um encontro de personalidades excepcionais com o povo francês. Este sistema foi costurado sob medida para o General de Gaulle no qual ele foi eleito diretamente pelo povo francês. Visto por este ângulo, o encontro entre Zemmour e os franceses já é uma realidade. Quando Zemmour organizou a promoção de seu último livro, milhares de pessoas correram para apertar sua mão.
Há também outras razões que explicam a excepcional popularidade de Zemmour. Primeiro, a população francesa está atualmente segmentada em diferentes "turmas", centros de interesse. Na França, no campo político, as principais características de todas essas "turmas" são os sentimentos de "angústia" e "raiva" contra as elites que promoveram a imigração em massa sem consultar a população autóctone. O Confidence Barometer, uma pesquisa publicada todos os anos na França pelo Cevipof, centro de pesquisa do Instituto de Estudos Políticos de Paris, é um bom indicador da "lassidão, morosidade, desconfiança" que a maioria da população francesa, ao que tudo indica, sente em relação à classe política.
Escapando da atual armadilha eleitoral
A meteórica ascensão de Zemmour teve outra consequência: ele gorou a degradante armadilha eleitoral na qual o povo francês se encontra tolhido... impedindo-o do direito de retornar ao poder. Esta armadilha eleitoral foi inventada em meados da década de 1980 pelo presidente socialista da França, François Mitterrand: dividir a direita com o intuito de impedi-la de retornar ao poder. Mitterrand promoveu no rádio e na televisão estatais um partido microscópico de extrema direita, a Frente Nacional, o primeiro que ousou se manifestar contra a imigração.
Desde meados dos anos de 1980 até os dias de hoje, a mídia e a esquerda, juntas, montaram a máquina da vergonha de força industrial para estigmatizar como "racista" e "nazista" qualquer um que ouse levantar a voz relacionada a questões de imigração.
Esta política da vergonha era tão forte que recentemente até Marine Le Pen, líder da União Nacional (como é atualmente chamada a Frente Nacional), tentou se desvencilhar do estigma de ser chamada de "nazista" e dizer coisas positivas sobre a imigração muçulmana e não excluir o uso da imigração para preencher uma suposta escassez de mão de obra.
Com Zemmour, no entanto, a mídia antirracista agora se vê no vazio. Quanto mais a mídia procura estigmatizar Zemmour como "nazista", mais a popularidade dele aumenta.
Além disso, os dirigentes do partido de direita Les Républicains, que não se atreveram a pronunciar a palavra "imigração", já estão propondo "pôr fim à frouxidão com respeito à migração" e dar um basta à "imigração descontrolada". Até Macron reconheceu ao pé do ouvido que Zemmour "estava certo" sobre a imigração.
A luta de Zemmour está apenas começando. Uma coisa, porém, é certa: Zemmour está resgatando um debate democrático autêntico sobre tópicos como segurança, imigração, Islã, realmente relevantes para os franceses. Para muitos, Zemmour é a última chance para a França não virar uma nação islâmica, um "Líbano na Europa".
Yves Mamou, autor e jornalista radicado na França, trabalhou por duas décadas como jornalista para o Le Monde.