Um funcionário palestino da alta plumagem vem enfurecendo cristãos palestinos por se referir a eles como "Grupo Feliz Natal", acusando-os de apoiarem o movimento islamista Hamas. Jibril Rajoub, presidente da Associação Palestina de Futebol e alto funcionário da Fatah que anteriormente serviu como comandante da execrável Força de Segurança Preventiva da Autoridade Palestina (AP) na Cisjordânia, proferiu comentários ofensivos durante uma recente entrevista concedida a uma TV egípcia.
Referindo-se às eleições palestinas locais, que deveriam ser realizadas em 8 de outubro, mas foram suspensas devido à contínua luta pelo poder entre a Fatah e o Hamas, Rajoub salientou durante a entrevista:
"Até mesmo alguns de nossos irmãos, do Grupo Feliz Natal, votaram para o Hamas (nas eleições parlamentares palestinas de 2006). Hoje ninguém irá votar para o Hamas. O que o Hamas lhes deu? O Hamas não trouxe nada além de destruição."
A entrevista foi posteriormente transmitida pela TV oficial palestina da AP -- uma atitude que tem sido interpretada como um endosso ao ataque a cristãos palestinos. Críticos argumentaram que a TV Palestina deveria, no mínimo, ter removido os trechos em que Rajoub lança insultos e acusações contra os cristãos.
Embora Rajoub tenha se retratado, sem muito entusiasmo, por ter insultado a minoria cristã palestina, suas observações continuam provocando fortes condenações de muitos cristãos e até mesmo de alguns muçulmanos.
Esta foi a primeira vez que um alto representante da liderança da AP se manifestou abertamente contra a comunidade cristã. Muitos cristãos assinalaram que os comentários ofensivos de Rajoub irão botar mais lenha na fogueira das tensões entre eles e os muçulmanos nos territórios palestinos. Eles salientaram que ao se referir aos cristãos como um "grupo", o cacique da AP os estava, na realidade, excluindo de serem parte integrante do povo palestino.
As observações de Rajoub refletem a atitude arrogante e desrespeitosa de muitos na liderança da AP para com os cristãos palestinos. Isto contrasta fortemente com as políticas públicas da liderança da AP, que demonstra o maior respeito em relação aos cristãos palestinos e os considera cidadãos e parceiros em pé de igualdade no "projeto nacional" palestino. A julgar pelas furiosas reações dos cristãos palestinos, este não é o caso em que eles estariam dispostos a dar a outra face.
Em uma carta aberta a Rajoub, que já havia cumprido uma pena de 17 anos em uma prisão israelense por participar de atos relacionados ao terrorismo, o Pastor Danny Awad da Igreja Presbiteriana de Baraka em Belém ressaltou:
"Nós somos parte inseparável do povo palestino e alguns de nossos patrícios deram a vida defendendo a causa palestina. Não somos um grupo que veio de Marte. Estamos aqui há mais de 2000 anos. Não somos um grupo que você possa depreciar. Nós não somos estranhos ou convidados ou estrangeiros que falam uma língua estrangeira."
Habib Efram, presidente da Liga Siríaca, condenou os comentários anticristãos de Rajoub como "prejudiciais, bizarros e provocativos". Referindo-se à situação dos cristãos do Oriente Médio, ele ressaltou:
"Não sabemos mais de onde vem a pancada. Rejeitamos e condenamos os comentários de Jibril Rajoub, membro do Comitê Central da Fatah e exigimos uma retratação pública. Reivindicamos também intervenção da liderança palestina no sentido de remediar a situação".
Em um comentário anterior Efram declarou:
"Os cristãos são o elo mais fraco na região -- a ponto da presença cristã em cidades e vilarejos no Iraque e na Síria estarem à beira da extinção. Se o ISIS for derrotado, que garantias teremos que um novo ISIS não surgirá para ameaçar os cristãos? É necessário resistir com todos os meios disponíveis. Os cristãos devem permanecer no Oriente Médio. Precisamos mudar nossos métodos e precisamos também ter um programa político".
Os comentários de Efram sinalizam que os cristãos em geral e os cristãos que vivem nos territórios palestinos em particular veem os comentários ofensivos de Rajoub como parte da perseguição generalizada contra os cristãos em países árabes e islâmicos. Trata-se de uma campanha que ceifou a vida de milhares de cristãos nos últimos anos, levando muitos a fugirem para os EUA, Canadá, Austrália e Europa.
O Arcebispo Theodosius (Hanna Atallah) da Igreja Ortodoxa Grega de Jerusalém, enfatizou que as declarações de Rajoub são prejudiciais não só para os cristãos, mas para todos os palestinos. "Estas observações são estranhas a nossa cultura nacional", acrescentou.
"Os cristãos palestinos não são um grupo. Muito pelo contrário, nós pertencemos à primeira igreja da Palestina e estamos orgulhosos de sermos cristãos. Não somos fruto de um produto imposto pelo Ocidente. A presença cristã na Palestina tem uma história antiga e gloriosa. Tanto os cristãos quanto os muçulmanos têm orgulho dessa história. Estes comentários ofensivos só farão com que nos apeguemos mais no sentido de manter a nossa presença nacional, mensagem, identidade e ligação a esta Terra Santa. Os comentários não representam nosso povo nem nosso patrimônio nacional."
As inflamatórias observações de Rajoub vieram no auge da campanha eleitoral local e tinham o objetivo de causar danos consideráveis à Fatah nas urnas. A alegação de que alguns cristãos tinham votado a favor do Hamas nas eleições de 2006 nunca foi confirmada. Mas se o Supremo Tribunal palestino não tivesse suspendido as eleições locais, cristãos descontentes de Belém e de outras cidades e vilarejos palestinos provavelmente teriam votado em qualquer um menos na Fatah. Calúnias dessa natureza, difundidas por um alto funcionário da AP muito próximo ao presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas são levadas muito a sério. Curiosamente, o próprio Abbas não repudiou as observações de Rajoub -- fato este que contribuiu ainda mais para a indignação da comunidade cristã palestina.
Enquanto Abbas se manteve em silêncio no tocante à polêmica provocada por seu funcionário do alto escalão, funcionários da Fatah engrossaram as fileiras para exigir que Rajoub se retratasse.
Conscientes dos danos que tais comentários pudessem causar à Fatah, líderes da facção em Belém, onde os cristãos ao longo dos anos se tornaram minoria, decidiram por conta própria emitir um pedido de desculpas. "Os cristãos têm direito a um pedido de desculpas", ressaltou Mohamed al-Masri, secretário-geral da Fatah em Belém. "Em Belém somos uma família e nunca houve um grupo de pessoas entre nós. Os cristãos sempre foram proprietários da terra e parceiros no sangue, na unidade e na tomada de decisão."
Em um gesto que só poderia ser descrito como irônico, o Hamas e a Jihad Islâmica Palestina se manifestaram abertamente contra os comentários anticristãos de Rajoub. Estes grupos nunca perdem a oportunidade de atacar a Fatah e seus líderes, descrevendo-os como traidores que agem contra os interesses dos palestinos. No entanto, o fato desses dois grupos islâmicos se manifestarem sobre os direitos dos cristãos é no mínimo risível. Sob o seu governo na Faixa de Gaza, o número de cristãos diminuiu de 3500 para 1300 nas últimas duas décadas.
No início do corrente ano, os cristãos palestinos sofreram mais um golpe quando o Hamas destruiu as ruínas de uma milenar igreja bizantina recentemente descoberta na Faixa de Gaza. As ruínas da igreja de 1800 anos foram descobertas na Praça Palestina nas redondezas de Al-Daraj na cidade de Gaza, onde o Hamas planeja construir um enorme shopping center. Os cristãos palestinos expressaram desapontamento com a falta de interesse que a comunidade internacional, incluindo os Vaticano e as comunidades cristãs ao redor do mundo mostraram neste episódio que eles consideram um ataque ao seu patrimônio e aos lugares sagrados.
Na mesma linha, o ataque contra os cristãos palestinos por um alto representante da liderança da Autoridade Palestina também não chamou a atenção da comunidade internacional. Ao que tudo indica é admissível, do ponto de vista dela (comunidade internacional), que um funcionário palestino ridicularize os cristãos palestinos e os acuse de dar suporte ao Hamas. Se esses comentários tivessem sido feitos por um funcionário israelense, a cobertura teria sido um tanto diferente.
As palavras incendiárias de Rajoub coincidiram com um alerta sobre o declínio da presença cristã no Oriente Médio emitido pelo Dr. Hanna Issa, secretário-geral da Comissão Islâmico Cristã em Prol do Apoio a Jerusalém e aos Lugares Sagrados.
"O que está acontecendo na região, a saber, o declínio no número de cristãos é uma catástrofe, não só para os cristãos, mas também para os muçulmanos", advertiu ele. "Isso irá levar à desintegração da sociedade, impingindo a falta de diversidade e de competências científicas, econômicas e culturais devido à fuga dos cristãos". Após realçar que, apesar dos cristãos somarem quase 20% da população palestina ao redor do mundo, eles contam com menos de 1% dos palestinos que vivem na Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza, Issa conclui ressaltando:
"É do interesse dos muçulmanos do mundo como um todo e do Oriente Médio em particular preservar a presença cristã no mundo árabe e protegê-la com todas as forças. A emigração dos cristãos do Oriente Médio empobrecerá a cultura e a identidade árabes".
O menosprezo de Rajoub em relação aos cristãos palestinos irá, com toda certeza, incentivar os cristãos a deixarem as áreas da Autoridade Palestina financiadas pelo Ocidente. Esse tipo de comentário causa um profundo mal estar por ocorrer justamente quando os cristãos da Síria, Iraque e Egito estão enfrentando uma campanha de terrorismo e intimidação dos extremistas muçulmanos. A menos que os cidadãos do Ocidente que financiam a AP se manifestem contra os abusos aos cristãos palestinos, os cristãos de Belém poderão, independentemente das eleições locais, decidir ir embora.
Khaled Abu Toameh é um jornalista premiado radicado em Jerusalém.