Recentemente e sem surpreender ninguém, a Autoridade Palestina (AP) anunciou que estava planejando entrar com uma representação junto a organizações internacionais contra Israel por conta dos "crimes" e "ataques" contra jornalistas palestinos.
O Ministério das Informações Palestino condenou os "ataques" como "crimes de guerra", afirmando que irá exortar a Federação Internacional de Jornalistas a enviar uma comissão de inquérito aos territórios palestinos com o intuito de iniciar uma investigação contra Israel.
Ironicamente, o anúncio da AP só veio alguns dias depois que ela própria ordenou o fechamento do escritório de um jornal em Ramala e a detenção da jornalista Naela Khalil. O anúncio também coincide com a ininterrupta repressão à liberdade de expressão por parte da AP na Cisjordânia, onde os palestinos estão sendo presos por publicarem posts com comentários desfavoráveis nas redes sociais.
A Autoridade Palestina obviamente não vê nenhuma necessidade de intervenção internacional para cessar sua própria repressão à liberdade de expressão. Ao que tudo indica, ela também não considera o fechamento do escritório de um jornal e a detenção de jornalistas um "crime de guerra" quando essas investidas partem dela.
No início desse mês, a Autoridade Palestina ordenou o fechamento do jornal online Al-Araby Al-Jadeed com sede em Ramala, sob o pretexto que o jornal estava em operação sem a devida licença do Ministério das Informações Palestino. A decisão de fechar o jornal veio depois que agentes da segurança palestina invadiram, diversas vezes, os escritórios do jornal e questionaram seus funcionários sobre a natureza de seu trabalho
Entretanto a direção do Al-Araby Al-Jadeed, afirmou que já tinha entrado com a papelada para a obtenção da licença em dezembro de 2014, mas até aquele momento não tinha recebido nenhuma resposta do Ministério das Informações Palestino.
Um funcionário do alto escalão daquele ministério admitiu depois que a decisão de fechar o jornal se deu após o jornal ter publicado um artigo considerado "ofensivo ao Estado Palestino e às suas instituições de segurança". Em outras palavras, a decisão não tinha nada a ver com o fato do jornal não possuir a licença do Ministério das Informações em Ramala.
O Ministério das Informações Palestino enviou uma carta ao procurador geral palestino exortando-o a autorizar o fechamento do jornal. Na carta constava o porquê da necessidade de fechar o jornal. A carta dizia o seguinte: "um jornal londrino com sucursal em Ramala publicou recentemente uma matéria que causou mal estar ao Estado da Palestina e às suas agências de segurança. A matéria retratava nossas forças de segurança como se elas não tivessem mais nada o que fazer a não ser prender pessoas e coordenar a segurança com o estado ocupador (Israel). Isso constitui incitamento contra a Autoridade Palestina e às suas instituições de segurança. Em vista do exposto, esperamos que o senhor despache em favor do fechamento desse escritório que não possui licença para funcionar".
De acordo com jornalistas palestinos, a matéria que enfureceu a AP e motivou a ação contra o jornal Al-Araby Al-Jadeed foi na realidade escrita pelo jornalista egípcio Shaima Al-Hadidi.
A matéria critica a Autoridade Palestina por ela impor restrições a jornalistas e opositores na Cisjordânia e também por se referir à coordenação da segurança entre as forças de segurança palestinas e israelenses.
"A Autoridade Palestina não hesita em abrir as portas de suas cadeias para prender opositores", acusa a matéria. "As prisões da Autoridade Palestina em Ramala estão lotadas de dezenas de detentos políticos acusados de resistirem à ocupação".
A matéria revela que os detentos palestinos foram submetidos a graves torturas enquanto estavam sob custódia da Autoridade Palestina. Somente em agosto último, houve pelo menos 12 casos nos quais os detentos se queixaram de torturas ministradas pelos interrogadores da Autoridade Palestina. Houve casos em que aos detentos foi negado tratamento médico segundo a matéria, salientando que nos últimos anos dez palestinos morreram em prisões palestinas. Como podemos observar no que se refere à comunidade européia ninguém deu a mínima atenção a isso. Em termos jornalísticos provavelmente esse tipo de informação "não dá Ibope": A liderança palestina já está de novo abusando de seu povo? Quem se importa? Não é conosco.
Alguns dos palestinos que morreram quando em detenção foram identificados como Majd Barghouti de Ramala, Fadi Hamadneh de Nablus, Arafat Jaradat de Hebron, Ayman Samara de Jenin, Nawaf Kawazbeh de Belém, Rabi Mahmoud al-Jamal de Hebron e Raed al-Hitleh de Tulkarem.
Em outro episódio os agentes de segurança da Autoridade Palestina prenderam o jornalista Amer Abu Arafeh depois de invadirem sua residência confiscando documentos, câmeras e computadores. Abu Arafeh disse posteriormente ter sido interrogado a respeito de suas publicações de posts no Facebook, nas quais ele supostamente teceu críticas à Autoridade Palestina.
A matéria sobre as violações de direitos humanos perpetrados pela Autoridade Palestina, publicada no jornal Al-Araby Al-Jadeed, enfureceu a AP de tal maneira que ela julgou que somente o fechamento do jornal de Ramala não era o suficiente. Na semana passada Naela Khalil, correspondente do jornal, foi detida para prestar esclarecimentos. Após seus colegas realizarem manifestações de protesto, a AP concordou em soltá-la mediante pagamento de fiança.
A detenção de Khalil deve ser vista no contexto do esforço concentrado da Autoridade Palestina em silenciar e intimidar jornalistas palestinos que ousam criticar a liderança palestina e suas instituições.
O Sindicato dos Jornalistas Palestinos e grupos de direitos humanos na Cisjordânia e Faixa de Gaza vêm condenando a decisão de deter Khalil e de fechar os escritórios de seu jornal.
No entanto, a maioria dos grupos de direitos humanos do Ocidente, que normalmente condena Israel pelas suas ações contra os palestinos, como de costume não respondeu a esse último ataque contra as liberdades públicas cometidas pela Autoridade Palestina. É um açoite à liberdade de expressão que aparentemente não incomoda ninguém, a não ser a nós mesmos.
Os casos de Al-Araby Al-Jadeed e Naela Khalil, a jornalista detida em Ramala, demonstram que a liderança da Autoridade Palestina, na realidade, não tolera nenhuma crítica. As autoridades palestinas acusaram o jornal e sua jornalista de "incitamento" contra a Autoridade Palestina. Entretanto essa é a mesma Autoridade Palestina que há muito tempo está empenhada em uma enorme campanha de incitamento contra Israel, principalmente nas últimas semanas.
É patente que a Autoridade Palestina quer que a mídia noticie tão somente casos contra Israel. O único incitamento permitido é aquele direcionado contra aquele país. Os jornalistas palestinos que promovem incitamento contra Israel estão seguros, eles não sofrem nenhum tipo de hostilidade por parte das forças de segurança da Autoridade Palestina. Mas se um jornalista ou um veículo de mídia ousar publicar qualquer matéria que seja considerada "ofensiva" pela Autoridade Palestina, os responsáveis pela publicação e/ou o repórter estará(ão) de imediato atrás das grades em Ramala.
É proibido criticar o Presidente Mahmoud Abbas ou qualquer alta autoridade ligada a ele. Também é proibido relatar qualquer violação de direitos humanos ou torturas perpetradas nas prisões da Autoridade Palestina.
Nos últimos anos inúmeros palestinos foram presos ou intimados a se submeterem a interrogatórios, por publicarem posts com comentários negativos a respeito de Abbas e demais autoridades palestinas no Facebook.
Contudo essa não é uma história que interessa fazer cobertura para a maioria dos jornalistas ocidentais ou supostos grupos de direitos humanos. Uma história que reflete de forma negativa a Autoridade Palestina ou o Hamas não é uma "notícia digna de ser impressa". A repressão da Autoridade Palestina contra a mídia não irá chamar a atenção da grande mídia no Ocidente, porque conforme assinala o repórter de esquerda da Associated Press Matti Friedman, o premiado jornalista Khaled Abu Toameh e outros, histórias desse quilate carecem de um ângulo anti-Israel. Se o jornal Al-Araby Al-Jadeed tivesse sido fechado pelas autoridades israelenses, a história provavelmente seria publicada nas primeiras páginas na maioria dos jornais dos Estados Unidos e da Europa.
Se fosse esse o caso, tanto a Autoridade Palestina quanto o Presidente Abbas não teriam com que se preocupar com respeito à reação da comunidade internacional aos persistentes ataques contra a liberdade de expressão. Eles podem continuar prendendo quantos jornalistas eles quiserem e fechar escritórios de jornais sem se preocuparem com a reação adversa da mídia com os assim chamados grupos de direitos humanos ou a comunidade internacional.
A Autoridade Palestina agora exige proteção internacional para os seus jornalistas contra os "ataques" dos israelenses. A verdadeira pergunta que as organizações internacionais de direitos humanos precisam fazer à Autoridade Palestina quando seus líderes os chamam para reclamar sobre as "violações" israelenses é:
quem irá proteger os jornalistas palestinos da Autoridade Palestina e de suas forças de segurança?
Bassam Tawil é um pesquisador estabelecido no Oriente Médio