Mesmo assim, as medidas discriminatórias e racistas do Líbano contra os palestinos, ao que tudo indica, não incomodam os grupos pró-palestinos mundo afora. Esses grupos normalmente fazem vista grossa diante da angústia dos palestinos que vivem em países árabes. Longe disso, eles voltam os olhares para Israel, procurando chifre em cabeça de cavalo para apontar abusos dos israelenses contra os palestinos. Foto: Burj Barajneh, um campo de refugiados palestinos no Líbano administrado pela UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina). (Imagem : Al Jazeera English/Flickr CC BY-SA 2.0) |
Mais de 100 mil palestinos da Cisjordânia têm autorização para trabalhar em Israel, segundo fontes palestinas e israelenses. As fontes também afirmam que milhares de palestinos entram em Israel todos os dias sem autorização.
Em 15 de julho, o número de trabalhadores palestinos que entraram em Israel, segundo estimativas do Ministério da Defesa de Israel, superou a casa dos 80 mil.
Na semana passada, segundo consta Israel, na tentativa de chegar a uma trégua com o Hamas, concordou em aumentar de 3.500 para 5.000 o número de comerciantes e empresários palestinos autorizados a irem da Faixa de Gaza para Israel.
Ao que consta, o último gesto israelense foi o resultado das investidas do Egito e das Nações Unidas para evitar um confronto militar entre Israel e o Hamas.
À medida que Israel eleva constantemente o número de licenças de trabalho a palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, o Líbano, na contramão, lança uma campanha repressiva sem precedentes contra trabalhadores estrangeiros ilegais, entre eles os palestinos, provocando uma onda de protestos dos palestinos que vivem naquele país.
As autoridades libanesas ressaltam que a repressão aos trabalhadores estrangeiros ilegais é dirigida principalmente contra os sírios que fugiram para o Líbano após o início da guerra civil na Síria em 2011. Como parte desta campanha contra os trabalhadores ilegais, inúmeras empresas foram fechadas e muitos trabalhadores palestinos e sírios foram impedidos de trabalhar.
O ministro do trabalho do Líbano, Kamil Abu Sulieman, negou que a campanha foi idealizada como uma "conspiração" visando os 450 mil palestinos em seu país. "O plano para combater o trabalho ilegal foi concebido há vários meses e não tem como alvo os palestinos", salientou Abu Sulieman. "Há leis trabalhistas no Líbano e decidimos implementá-las. Demos um prazo de seis meses para que todos os trabalhadores e empresas ilegais obtivessem as devidas licenças."
O ministro libanês admitiu no entanto, que devido à campanha contra os trabalhadores ilegais, algumas empresas palestinas foram fechadas.
Os palestinos rejeitaram as justificativas do ministro. Promoveram protestos contra a repressão aos trabalhadores estrangeiros ilegais em várias partes do Líbano. Manifestantes queimaram pneus nas entradas de vários campos de refugiados e algumas facções e autoridades palestinas condenaram a campanha e pediram às autoridades libanesas que suspendessem as medidas repressivas contra empresários e trabalhadores palestinos.
"As medidas impostas pelo Líbano causam danos e sofrimento aos palestinos," assinalou Ali Faisal, membro da Frente Democrática para a Libertação da Palestina (DFLP) da OLP. Ele exortou as autoridades libanesas a rescindirem as medidas contra os palestinos e ressaltou que a contribuição palestina para o crescimento econômico do Líbano é estimada em 11%. O alto funcionário da DFLP também observou que, "sob vários pretextos", os palestinos são impedidos legalmente de trabalhar em inúmeras profissões no Líbano.
A lei libanesa restringe a viabilidade dos palestinos de trabalharem em diversas profissões, incluindo direito, medicina e engenharia e impede que eles recebam benefícios da seguridade social. Em 2001 o parlamento libanês aprovou uma lei que proíbe os palestinos de possuírem propriedades.
Segundo reportagens da mídia árabe, os protestos dos palestinos poderiam virar o início de uma "Intifada" (levante) palestina contra o Líbano. As reportagens salientaram que, seja lá como for, os palestinos enfrentam dificuldades em obter licenças de trabalho das autoridades libanesas.
"A taxa de desemprego entre os palestinos no Líbano é extremamente alta," ressaltou o empresário palestino Ziad Aref. "Temos o direito de nos debruçar para resolver o problema. A nova campanha das autoridades libanesas deixará milhares de palestinos sem emprego, agravando a crise financeira."
Estima-se segundo Aref que a taxa de desemprego entre os palestinos no Líbano seja de 56%. Ele também criticou duramente os líderes palestinos por não lidarem com a angústia dos trabalhadores e empresários palestinos no Líbano.
Os líderes palestinos na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e no Líbano afirmam que estão em contato diário com as autoridades libanesas na tentativa de conter a dura repressão contra os trabalhadores palestinos.
Azzam al-Ahmed, alto funcionário da OLP encarregado da "pasta palestina" no Líbano, manifestou profunda preocupação com a campanha libanesa contra os trabalhadores estrangeiros ilegais. Ele assinalou que entrou em contato com inúmeras autoridades libanesas para alertá-las sobre o sofrimento dos palestinos.
O Hamas por sua vez acusou as autoridades libanesas de empregarem uma política de "morte lenta" contra os palestinos no Líbano. O Hamas salientou em uma nota que a campanha libanesa contra trabalhadores e empresas ilegais parecia fazer parte de uma "conspiração para liquidar os direitos dos refugiados palestinos. Não vamos aceitar nenhuma ameaça à vida e ao futuro dos refugiados palestinos no Líbano e vamos frustrar a política da morte lenta ".
As medidas das autoridades libanesas contra os palestinos ressaltam novamente a discriminação que os palestinos enfrentam há tanto tempo neste país árabe. A reportagem "Palestinos no Líbano" de 2017 da Associated Press, salienta que os palestinos "sofrem discriminação em quase todos os aspectos da vida cotidiana... Muitos moram em assentamentos oficialmente reconhecidos como campos de refugiados, mas melhor descritos como guetos de concreto circundados por postos de controle e em alguns casos por muros à prova de explosão e arame farpado."
"A discriminação e a marginalização que os palestinos sofrem são agravadas pelas restrições por eles enfrentadas no mercado de trabalho, o que contribui para os altos níveis de desemprego, baixos salários e péssimas condições de trabalho", de acordo com um relatório da ONU. "Até 2005, mais de 70 tipos de emprego foram fechados aos palestinos, cerca de 20 ainda continuam fechados a eles. A miséria resultante é exacerbada pelas restrições impostas ao acesso à educação e aos serviços sociais do Estado."
Mesmo assim, as medidas discriminatórias e racistas do Líbano contra os palestinos, ao que tudo indica, não incomodam os grupos pró-palestinos mundo afora. Esses grupos normalmente fazem vista grossa diante da angústia dos palestinos que vivem em países árabes. Longe disso, eles voltam os olhares para Israel, procurando chifre em cabeça de cavalo para apontar abusos dos israelenses contra os palestinos.
Já está mais do que na hora dos grupos pró-palestinos nos campi universitários dos EUA, Canadá, Grã-Bretanha e Austrália organizarem uma "Semana do Apartheid Árabe" em vez de acusar Israel de "discriminação" contra os palestinos. Também já está mais do que na hora da mídia internacional observar atentamente as medidas antipalestinas tomadas pelo Líbano contra os palestinos, justamente quando Israel eleva o número de autorizações para trabalhadores palestinos entrarem em Israel para trabalhar.
Quem irá responder à seguinte pergunta: por que as Nações Unidas e demais instituições internacionais permanecem em silêncio enquanto os palestinos são expulsos de seus empregos em um país árabe, ao mesmo tempo em que mais de 100 mil palestinos entram em Israel todo santo dia para trabalhar? Será que veremos uma reunião de emergência da Liga Árabe ou do Conselho de Segurança da ONU para condenar o apartheid e o racismo do Líbano? Ou será que eles estão ocupados demais elaborando resoluções para condenar Israel que abriu suas portas para os trabalhadores palestinos?
Khaled Abu Toameh é um jornalista premiado radicado em Jerusalém, também é Shillman Journalism Fellow do Gatestone Institute.