Raphael Israeli é professor emérito de história Islâmica, chinesa e do Oriente Médio da Universidade Hebraica. Ele é autor de mais de 50 livros, incluindo, Libelo de Sangue e Suas Ramificações: Flagelo e Veneno do Antissemitismo: Manifestações Modernas de um Libelo de Sangue.
"No mundo político árabe, temas clássicos de antissemitismo extremo são usados como ferramentas políticas. Essas difamações aparecem em diversos países, são até protagonizadas por estudiosos consagrados e difundidas pelos principais veículos de mídia. Uma dessas calúnias é o libelo de sangue. Essa invenção originalmente alegava que os judeus sequestram e matam crianças cristãs para a fabricação de matzót (pão sem fermento) para a celebração da Páscoa Judaica. A primeira vez que o libelo de sangue apareceu foi em 1144 na cidade britânica de Norwich. Desde então ele tem sido repetido em diversas localidades europeias.
"Não apenas isso, os cristãos também levaram o libelo de sangue para o mundo islâmico. Em 1840 o cônsul francês em Damasco e alguns dos monges afirmaram falsamente que um padre cristão naquela cidade, o padre Thomas, foi assassinado por judeus que usavam seu sangue. O libelo de sangue também foi instigado pelos nazistas. Sua publicação antissemita Der Sturmer, publicou uma edição especial em 1934. A primeira página destacava uma ilustração de um menino alemão deitado sobre uma mesa rodeado por judeus com longas barbas e cachos. Eles sugavam o sangue do corpo do menino através de longos tubos."
Raphael Israeli |
"A utilização do libelo de sangue pelos árabes se manifesta em parte por meio da reciclagem do caso Damasco. Tomemos com exemplo Mustafa Tlas, ministro da defesa da Síria entre os anos de 1972 e 2004, que auferiu credibilidade ao libelo de sangue ao escrever a sua tese de doutorado sobre a matéria, como se ela fosse um fato histórico e não uma invenção antissemita.
"Algumas caricaturas se valem do tema libelo de sangue. Em 1990 o jornal do Bahrein, Al-Bayan, publicou uma charge onde dois soldados sionistas golpeiam a machadadas uma criança (presumivelmente árabe) até a morte. Na caricatura a Sra Shamir, esposa do então primeiro-ministro israelense Yitzhak Shamir exclama: "pena que vocês estão desperdiçando o sangue da criança. Eu preciso dele para assar o pão ázimo".
"Além desse libelo há novas variantes sendo instigadas. Em 1992 o jornal egípcio Al-Ittihad retratou um judeu retirando sangue do povo americano com um canudo. Em 1994 o diário jordaniano Al-Dustur retratou um judeu de aspecto grotesco presenteando uma garrafa com sangue de crianças palestinas a uma senhora (personificando o fanatismo sionista), declarando que o sangue era um presente do Dia das Mães para a "melhor mãe no mundo'. Naquele mesmo ano o jornal Sawt al Quweit do Kuwait publicou uma charge de um canibal judeu após ele ter consumido corpos árabes, deixando os ossos na mesa. É importante notar que mesmo no caso desses jornais árabes serem privados, são submetidos ao controle do governo que censura o que eles publicam.
"Em 2010 a Hamas TV transmitiu um vídeo de desenho animado com o título "Colonos Bebem Sangue Palestino". O vídeo retrata crianças palestinas em uma poça de sangue e o estereótipo do judeu europeu lambendo os lábios vermelhos depois de tê-las assassinado. A Hamas TV também entrevistou o Dr. Salah Sultan, o fundador do Centro Americano de Pesquisa Islâmica. Ele ressuscitou o libelo de sangue de Damasco, ressaltando que o Padre Thomas foi assassinado juntamente com a sua enfermeira. Posteriormente, as matzót (pães ázimo) foram sovadas com o seu sangue.
"A conceituada intelectual saudita Dra. Umayma al-Jalahma da Universidade Rei Faisal em Damam, inventou uma nova variante do libelo de sangue cristão clássico, no qual dirige o foco no feriado de Purim em vez da Páscoa Judaica. Ela alega que durante este feriado os judeus devem preparar doces especiais. Os judeus precisam obter sangue humano para que seus clérigos possam assar os bolos. Segundo Al-Jalahma a vítima deve ser um adolescente, muçulmano ou cristão. Na sequência ela entra em uma série de detalhes sobre o método de matar a vítima e como o sangue é preparado. Um relato sobre esta 'obra' foi publicado no diário do governo saudita Al-Riyadh.
"Um dos mais conceituados jornais árabes, o egípcio Al-Ahram al-Iqtisadi, publicou um artigo do 'especialista' Dr. Lutfi abd-al-Adhim, intitulado "Árabes e Judeus: Quem Irá Aniquilar Quem?" Um trecho diz o seguinte: a única diferença entre os vários círculos judaicos é se a vítima árabe deve estar anestesiada ao ser morta ou se ela deve ser atacada violentamente e seu sangue bebido de imediato... Nesse ponto todos os judeus estão de acordo ".
"Não são só os árabes muçulmanos que promovem o libelo de sangue. O consagrado poeta libanês cristão Marwan Chamoun, descreve detalhadamente o uso do sangue do padre cristão em 1840 em Damasco para a fabricação de matzót, como se ele estivesse lá presente. Chamoun diz que em vez de chocolates, ele presenteia livros sobre essa matéria para os casais recém-casados.
"Todos os casos acima mencionados devem ser vistos como parte de uma iniciativa no mundo árabe e islâmico de criar uma atmosfera na qual os judeus não são considerados plenamente humanos. Fazer vista grossa a essa empreitada só incentiva os elementos mais extremos destas sociedades a florescerem sem obstáculos e aumentarem a sua influência política. Há raras vozes sãs no mundo árabe. Ocasionalmente, a pressão americana também tem sido exercida. No entanto, nada disso teve um impacto duradouro".