Até a sua morte em 2105 o Professor Robert Wistrich ocupou a Cadeira Neuberger de História Europeia e História Judaica Moderna na Universidade Hebraica de Jerusalém e foi Diretor do Centro Internacional de Estudos sobre o Antissemitismo da Universidade Vidal Sassoon.
"O antissemitismo que grassava na elite intelectual da antiguidade pagã começou em Alexandria há mais de 2.000 anos. Este tipo de antissemitismo - particularmente aquele existente nas culturas mais elevadas, ou seja: Egito, Grécia e Roma - tinha como foco as questões que pareciam ter uma ressonância perene. Em especial a acusação de que os judeus eram antissociais. Eles não comiam nem bebiam como seus vizinhos como era costume do ethos Mediterrâneo. Esta acusação milenar de exclusivismo e isolacionismo dos judeus forneceu uma infraestrutura sobre a qual inúmeras acusações mais graves foram sendo elaboradas ao longo dos milênios.
"O papel do antissemitismo dos intelectuais persistiu através dos séculos. Os fundadores da Igreja, particularmente no Século IV da era cristã, estabeleceram as bases ideológicas sobre as quais foram desenvolvidas a demonização dos judeus, do judaísmo e do povo judeu. Eles tacharam, de maneira explícita, os judeus como os assassinos de Cristo, um povo deicida. Isso remonta ao início do Novo Testamento. Os únicos intelectuais da Europa cristã durante o período da Idade Média eram os clérigos. Por mais de mil anos muitos dos teólogos mais proeminentes doutrinavam desprezo em relação ao povo judeu. Após a Segunda Guerra Mundial o autor judeu francês Jules Isaac descreveu isso em detalhes".
Robert Wistrich |
"A percepção do caráter hipoteticamente satânico dos judeus persistiu por toda a Idade Média. Mais tarde, nesse mesmo período os judeus, literalmente, se tornaram uma generalização demoníaca. Quase tudo o que eles faziam era interpretado como algo de extraordinária malícia e perversidade. O reformador da Igreja Martinho Lutero era um homem de considerável capacidade intelectual. Suas acusações contra os judeus estão entre as mais violentas da história da difamação antissemita.
"No mundo católico, evangélico e da Igreja Ortodoxa Oriental, o antissemitismo se tornou um fenômeno generalizado. Os judeus foram definidos pelas igrejas como agentes do diabo e inimigos da religião. Esta demonização gerou um ethos pós-cristão, racionalista, adquirindo uma nova vitalidade secular. Por exemplo, o Iluminismo do Século XVII levantou a bandeira da revolta contra a igreja estabelecida. Ele (Iluminismo) proclamou a soberania da razão, da humanidade e da 'tolerância' universal. No entanto continuou mergulhado na tradição antissemita de antes. Seus proponentes intelectuais transformaram seu antissemitismo numa visão contrária à própria Igreja Católica. Era a abordagem voltairiana às cidadelas da 'superstição' e, em particular, à Igreja Católica e às Escrituras Sagradas. Isto se traduziu em um ataque total contra a Bíblia Hebraica, o povo judeu e o judaísmo como fonte de tudo o que havia de errado. Ele e outros filósofos franceses do Século XVIII proclamaram que o crime capital dos judeus era que eles tinham inventado Deus e o monoteísmo, a pior coisa que já aconteceu à civilização. Em outras palavras, o pecado dos judeus não foi ter crucificado Cristo e sim terem sido os responsáveis por seu nascimento.
"Todos os grandes filósofos idealistas alemães do Século XVIII, de Kant a Fichte e Hegel, eram antissemitas. Assim também eram os proeminentes intelectuais que os seguiram ou que foram contrários a eles, como Schopenhauer, Nietzsche e o jovem Karl Marx. Nietzsche e Kant eram menos antissemitas do que os demais. Esta tradição atingiu o ponto culminante com Martin Heidegger, que muitos consideram o maior filósofo do Século XX. Seu comprometimento com o nazismo era profundamente arraigado, influenciando sua atitude em relação aos judeus.
"Entre os herdeiros das tradições do Iluminismo se encontravam os primeiros socialistas franceses do Século XIX. Com raras exceções eles lançaram as bases do antissemitismo francês do final do Século XIX. Entre eles se encontravam Charles Fourier, Pierre-Joseph Proudhon - fundador do anarquismo e uma figura embrionária do movimento operário francês - e Alphonse Toussenel. A principal figura do antissemitismo francês na época do caso Dreyfus foi o semi-intelectual Edouard Drumont, autor do Best Seller La France Juive (A França Judaica). Com cerca de 100 edições, o livro deixou para trás todos os outros livros em voga no Fin-de-siècle na França.
"Karl Marx , o grande rival e antagonista de Proudhon escreveu que os marxistas sempre incluíam no panteão de suas obras a Zur Judenfrage (A Respeito da Questão Judaica). Entre as inúmeras pérolas de inspiração intelectual em seu trabalho encontram-se frases como: 'dinheiro é o deus mundano dos judeus', ou 'o mundo cristão atual na Europa e na América do Norte atingiram o ápice desse tipo de fenômeno e se tornaram totalmente judaizados'.
"O antissemitismo não é de nenhuma maneira a única província do ignorante e do inculto. Movimentos de massa como o nazismo e muitas formas de fascismo, nacionalismo e alguns tipos de socialismo têm entre seus componentes principais o anti-intelectualismo. No entanto, esses movimentos que são tanto anti-intelectuais quanto antissemitas, também têm uma base intelectual. Entre os inspiradores do fascismo europeu havia pensadores como George Sorel, Giovanni Gentile, Ernst Jünger, Oswald Spengler e muitos outros. 'Os Professores de Hitler', usando a frase de Max Weinreich, ajudaram a preparar o terreno para o genocídio dos judeus perpetrado pelos nazistas.
"A demonização intelectual dos judeus continua até o presente, apesar das mudanças radicais que tiveram lugar na história europeia intelectual, social e política. Deslegitimar Israel está hoje na moda entre as elites cultas da Europa. Inúmeros escritores, artistas, proeminentes jornalistas e acadêmicos estão na vanguarda fazendo comparações odiosas do sionismo em relação ao nazismo e Israel em relação à Alemanha de Hitler. O Prêmio Nobel português José Saramago era apenas um entre muitos. No entanto, todos eles se encaixam em uma longa tradição dos intelectuais de ódio aos judeus".