O ex-primeiro-ministro Tony Blair aceitou o convite de assumir o posto de presidente do Conselho Europeu para a Tolerância e Reconciliação (ECTR em inglês). O ECTR conta com uma assessoria administrativa composta de uma dezena de presidentes e primeiros-ministros europeus. Ele se conceitua como órgão não governamental que "promove entendimento e tolerância entre povos de diversas origens étnicas, ensino de técnicas de reconciliação, auxilio na identificação de problemas sociais pós-conflito, monitoramento de comportamentos chauvinistas, propõe iniciativas pró-tolerância e de soluções legais".
Por trás de todo esse jargão, Blair e o ECTR alegam promover convicções religiosas e diálogo como meio de enfrentar discurso de incitamento ao ódio e extremismo. Blair e o Presidente do ECTR Moshe Kantor escreve no The Times declarando o seguinte:
"é nossa convicção que não é a religião nem a fé por si só que causa ou fomenta o conflito. É o uso indevido da religião, que se transforma em uma máscara atrás da qual aqueles inclinados a massacres e destruição se escondem frequentemente. ... O ECTR agrupa partidos e líderes políticos que estiveram no coração de alguns dos conflitos mais complicados do mundo a fim de promoverem o diálogo. Nossos projetos também tratam de conflitos a partir da estaca zero, com atenção especial às raízes da intolerância, que normalmente se resumem na ignorância em relação a outras religiões e culturas, e com essa proposta o ECTR leva a sua mensagem a escolas e universidades pela Europa para estimular a tolerância e a reconciliação".
A missão do ECTR encontra-se detalhada em um documento intitulado "O Plano Europeu: Estatuto Nacional para a Promoção da Tolerância". Esse "plano" está sendo apresentado aos parlamentos por toda a Europa. Para Blair e o ECTR, contudo, "tolerância" parece não significar liberdade de expressão e sim o padrão de comportamento orweliano a ser aplicado de forma rígida e regulamentado pelo governo.
"Tolerância", segundo o ECTR, significa "respeito e aceitação da expressão, preservação e desenvolvimento da distinta identidade de um grupo (religioso, racial ou cultural)".
Proponentes da liberdade individual, contudo, argumentam que a verdadeira tolerância significa tolerar pontos de vista que desgostamos. Em uma sociedade livre, não há requisitos para mostrar "respeito" para tais pontos de vista, meramente a aceitação de pessoas livres para expressá-las.
"Não há necessidade", segundo o ECTR, "de tolerar o intolerável". Parece que a "tolerância" européia significa apenas tolerar a agenda européia.
A noção de "direitos de grupos" é vista como solapamento das liberdades individuais. O ECTR exorta os países europeus a introduzirem uma série de delitos penais puníveis como crimes com agravantes", como parte do "Estatuto para a Promoção da Tolerância". Fazem parte desses crimes:
(iii) Difamação de grupos...
(iv) Apoio público de ideologia totalitária, xenofobia ou antissemitismo.
(v) Apoio público ou negação do Holocausto.
(vi) Apoio público ou negação de qualquer outro genocídio cuja existência tenha sido determinada por um tribunal ou corte criminal internacional.
Essas medidas constituem ataques desconcertantes contra a liberdade de expressão. Sobremaneira prejudicial é o proposto delito criminal "difamação de grupos", noção esta que diz que declarações difamatórias sobre um grupo de pessoas podem ser levadas à justiça por membros ou membro daquele grupo.
Difamação de grupos não tem nenhum fundamento na lei britânica. Em 1993, um tribunal britânico decidiu no caso Derbyshire CC v Times newspapers que entidades governamentais não podem fazer uso de processos por difamação porque isso levaria a restrições antidemocráticas sobre a liberdade de expressão. Leis de difamação de grupos, como aquelas que o ECTR está propondo, permitiriam a movimentos extremistas religiosos e políticos censurarem reportagens e críticas contrárias às suas opiniões.
Na Grã-Bretanha, o Public Order Acts já criminaliza o incitamento à violência. Se por exemplo, um ativista neonazista sustentar que os judeus devem ser assassinados nas ruas de Londres, ele provavelmente será processado.
O ECTR, entretanto, quer ir mais longe. Como "crime com agravante", da difamação de grupos, o plano do ECTR esclarece: também significa "comentários difamatórios... com um viés para... difamar o grupo ou ridicularizá-lo".
Blair está repetindo seus velhos equívocos. Em 2006, seu governo foi condenado pelas investidas de criminalizar quem quer que fosse que "intencionasse... incitar o ódio religioso ou que fosse incauto quanto à possibilidade do ódio religioso ser incitado".
Após perder uma votação no parlamento e depois que políticos, comediantes e jornalistas convincentemente argumentaram que tais proibições censurariam críticas pertinentes sobre grupos religiosos, Blair foi forçado a aceitar emendas à legislação.
Criminalizar a ridicularização seria desastroso. Em uma sociedade livre, ninguém tem o direito de não ser ofendido. Conforme disse a parlamentar conservadora Dominic Grieve em 2006, as propostas eram uma tentativa de "acomodar" alguns grupos minoritários.
Juntamente com a criminalização, em nome da tolerância, além do que o ECTR tacha de intolerável, o grupo de Blair também propõe meios orwelianos de regulamentação a fim de promover sua ideologia de "tolerância". "O governo deve assegurar", segundo o ECTR "que as estações de transmissão de rádio e TV dediquem uma determinada percentagem de sua programação para promover um clima de tolerância".
Além disso, órgãos financiados pelo governo irão aplicar e zelar pelo cumprimento dessa tolerância, e a estrutura do ECTR irá convocar os governos a "estabelecerem uma Comissão Nacional de Monitoramento da Tolerância como órgão independente, composto por eminentes autoridades fora do serviço público, investidos com a autoridade de promoverem a tolerância". Um órgão governamental independente também será criado para "supervisionar a implementação" do Estatuto para a Promoção da Tolerância.
O ECTR também fará uso de lobby para "transformar a ajuda financeira para instituições religiosas em lei".
E mais uma vez, Blair parece não ser capaz de aprender com seus próprios erros. No governo Blair, as autoridades transferiram milhões de libras esterlinas em financiamento para os bolsos de grupos religiosos, os quais o governo acreditava iriam colocar em cheque o extremismo e a violência. Entre os grupos financiados pelo governo se encontravam organizações islamistas ligadas a movimentos terroristas.
O atual Primeiro Ministro David Cameron, salienta o seguinte:
"conforme as evidências começam a emergir sobre os backgrounds dos condenados por crimes de terrorismo, fica claro que muitos deles foram inicialmente influenciados por aquilo que alguns chamam de extremistas não-violentos, tomam essas opiniões radicais e as levam mais adiante abraçando a violência. ... Algumas organizações que procuram se apresentar como portão de entrada para a comunidade muçulmana são inundadas com dinheiro público, apesar de não fazerem quase nada para combaterem o extremismo. Como já foi observado por outros, é como apelar para um partido fascista de extrema-direita que combata um movimento violento de supremacia branca".
A Europa precisa divorciar o estado de grupos de interesse opressivo, e não fazer o oposto e abraçá-los ainda mais.
As propostas do ECTR servem apenas para reforçar os perigosos equívocos da política do multiculturalismo. Nesse sistema, as pessoas são classificadas como membros de grupos religiosos e culturais, não como cidadãos individuais com direitos individuais. Ao definir indivíduos por grupos aos quais eles pertencem, negam-se a esses indivíduos suas próprias opiniões e direitos de cidadão.
Em um caso recente ocorrido no Superior Tribunal de Londres, um juiz britânico julgou um imigrante ilegal que tinha espancado seu próprio filho que fosse perdoado devido ao "contexto cultural". Em outras palavras, a lei serve apenas para proteger crianças brancas, a decisão avaliza implicitamente o espancamento de filhos de minorias, tudo em nome da diversidade e tolerância. Trevor Phillips, ex-presidente da Comissão da Igualdade, descreveu a decisão como "o efetivo abandono do filho de família de imigrantes no altar do multiculturalismo".
Como extensão da política do multiculturalismo, o ECTR propôs medidas que procuram proteger os diversos grupos que os países europeus classificam como seus cidadãos. Essas leis e regulamentações irão dividir ainda mais a Europa em agrupamentos tribais, compostos de diversas religiões, etnias, movimentos culturais e políticos, todos competindo entre si por apoio e suporte governamental.
Ao criminalizar nossa liberdade de criticar movimentos religiosos ou até de expressar pensamentos intolerantes, oferecendo proteção legal a grupos religiosos no que diz respeito à ridicularização ou insulto, tanto Blair quanto o ECTR irão destruir o princípio mais importante da liberdade individual: a liberdade de expressão.
Uma sociedade livre não pode proibir a tolerância do intolerante. A verdadeira tolerância requer que cidadãos livres tolerem pontos de vista que eles discordam.
Com certeza não devemos, como quer o ECTR, sermos forçados a "respeitar" a maneira de ver as coisas da forma que o governo declara adequada.
Em uma democracia a lei é formulada para proteger as pessoas contra a agenda de grupos de interesse opressivo. Mas Blair e o ECTR estão propondo exatamente o contrário. Sob a "tolerância" aplicada pelo governo, florescerão extremistas, verdadeiros críticos serão silenciados, a liberdade de expressão será criminalizada, e com o respeito preconizado aos "grupos" religiosos e culturais, o indivíduo perderá o direito de ser indivíduo.