Pelo menos três palestinos que fugiram da Faixa de Gaza controlada pelo Hamas sumiram, ao que tudo indica, após o barco no qual se encontravam virar na costa greco-turca. Reagindo à tragédia, muitos palestinos reclamam que enquanto os peixes comem os pobres emigrantes, os líderes do Hamas que gozam um estilo de vida suntuoso continuam saboreando o que há de melhor em peixes e frutos do mar oferecidos no Catar e na Faixa de Gaza. Foto: dois habitantes de Gaza puxam um barco na praia de Khan Yunis, na Faixa de Gaza, em 22 de setembro de 2021. (Foto: Said Khatib/AFP via Getty Images) |
Uma tragédia que recentemente atingiu a Faixa de Gaza expôs mais uma vez a dimensão do sofrimento dos palestinos sob o comando do grupo Hamas apoiado pelo Irã.
A tragédia também serve de lembrete a respeito dos padrões de dois pesos e duas medidas da comunidade internacional no tocante ao conflito israelense/palestino, em especial à obsessão em relação a Israel e a propensão de fazer vista grossa a qualquer malfeitoria perpetrada pelo lado palestino.
Segundo informes oriundos da Faixa de Gaza, pelo menos três palestinos que fugiram do enclave costeiro controlado pelo Hamas sumiram, ao que tudo indica, após o barco no qual se encontravam virar na costa greco-turca. Os três se encontravam entre dezenas de palestinos que buscavam uma vida melhor longe da repressão e corrupção do Hamas.
Uma das vítimas foi identificada como sendo Anas Abu Rajileh de 25 anos, a outra Nasrallah al-Farra.
O incidente sensibilizou os palestinos por causa de uma gravação de áudio de um dos emigrantes palestinos a bordo da embarcação. Na gravação, uma mensagem de voz que ele enviou para sua mãe na Faixa de Gaza, o rapaz diz à mãe que um de seus amigos se afogou. Ele pede a ela que avise a família do amigo. "Mãe," ouve-se ele dizendo: "estamos nos afogando e os peixes estão nos comendo."
Muitos jovens da Faixa de Gaza que conseguem economizar ou guardar dinheiro suficiente, têm fugido nos últimos anos para outros países através da Turquia e da Grécia. Eles ao que parece pagam milhares de dólares em propinas a agentes do Hamas, guardas de fronteira egípcios e contrabandistas para ajudá-los a deixarem a Faixa de Gaza e começarem uma nova vida na Europa e em outros países.
Uma pesquisa de opinião pública conduzida pela Universidade Al-Aqsa na Faixa de Gaza no ano passado mostrou que 51% dos jovens que vivem em Gaza migrariam voluntariamente se tivessem a oportunidade.
Mais de 80% explicaram que o principal motivo para saírem da Faixa de Gaza é o fator econômico.
Digno de nota, o levantamento constatou que 73% dos entrevistados acreditam que se o Hamas e seus rivais na facção Fatah, liderada pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, parassem de brigar, os jovens palestinos não considerariam a emigração.
O Hamas e o Fatah estão em guerra desde 2007. Naquela época, o Hamas levou a cabo um violento golpe contra a ANP, assassinaram membros da ANP jogando-os do alto de edifícios e assumiram o controle da Faixa de Gaza.
Não se sabe ao certo quantos palestinos fugiram da Faixa de Gaza nos últimos anos. Alguns informes estimam que mais de 40 mil palestinos conseguiram sair entre 2014 e 2020. Outros estimam que passa dos 70 mil.
Palestinos que participaram da enquete mostraram apreensão de que entre muitos dos emigrantes se encontram graduados universitários e profissionais, em particular médicos que preferem trabalhar e viver em países europeus e não sob o comando do Hamas.
"Os afogamentos de jovens durante as viagens de emigração deixam as famílias dos imigrantes ansiosas", afirmou o jornal pan-árabeAl-Quds Al-Arabi. "Ao mesmo tempo, o afogamento mostra a extensão da tragédia vivida pelos moradores da Faixa de Gaza, que leva a nata a emigrar."
O último incidente desencadeou uma onda de protestos de muitos palestinos que foram a várias plataformas de redes sociais para expressarem aturdimento e perplexidade à tragédia e acusam os líderes do Hamas de terem fracassado em melhorar as condições de vida de seu povo.
Referindo-se ao estilo de vida suntuoso da maioria dos membros do Hamas na Faixa de Gaza e no exterior, muitos palestinos reclamam que enquanto os peixes comem os pobres emigrantes, os líderes do Hamas continuam saboreando o que há de melhor em peixes e frutos do mar oferecidos no Catar e na Faixa de Gaza.
Ao saber da tragédia, outros palestinos lançaram uma hashtag no Twitter, intitulada "Nós Queremos Viver", na qual eles também responsabilizam o Hamas pela alta taxa de desemprego e pobreza na Faixa de Gaza.
Usuários de redes sociais também culparam a facção Fatah de Abbas pela contínua miséria, por conta da sua incessante rivalidade com o Hamas.
"O governo do Hamas não está fazendo nada para mudar as condições de vida dos palestinos de lá", escreveu o jornalista palestino Walid Mahmoud. "Soma-se a isso que a mídia não fala a respeito disso e eu acredito que eles não vão falar sobre este assunto." Mahmoud, que é da Faixa de Gaza, explicou que a hashtag "Queremos Viver" reflete a que ponto chegou a indignação da população de Gaza quanto "à estupidez da administração Hamas ora no poder".
Ao se referirem à corrupção e à apatia dos líderes do Hamas em relação ao sofrimento de seu povo, alguns palestinos revelaram que os filhos dos líderes do Hamas estavam dando uns aos outros ingressos ao resort egípcio de Sharm a-Sheikh a título de presente.
Um palestino da Faixa de Gaza, que não quis se identificar, postou um vídeo no qual teceu duras críticas aos líderes do Hamas, acusando-os de destruir o futuro dos jovens.
"Se nossos líderes não ligam para nós, é um desastre... As pessoas estão morrendo, estão morrendo de fome. As vidas das pessoas foram destruídas. Os jovens estão morrendo e os peixes os estão comendo. Os líderes dos Hamas e seus filhos não são melhores do que eu e meus filhos."
Aparentemente, os dois milhões de palestinos que vivem sob o domínio do Hamas chegaram à conclusão de que é o Hamas, não Israel, o responsável pela sua miséria.
A julgar pelas reações dos palestinos à última tragédia envolvendo os emigrantes, é óbvio que muitos palestinos entendem o que a maioria dos ativistas anti-Israel não conseguem captar, que o Hamas prioriza a fabricação e o contrabando de armas em vez de dar emprego aos desempregados e ajudar os que vivem na miséria.
O Hamas poderia ter transformado a Faixa de Gaza na Cingapura do Oriente Médio. Em vez disso, o Hamas optou por transformar a Faixa de Gaza em centro da jihad (guerra santa) contra Israel.
Ghanem Nusseibeh, um muçulmano palestino pertencente à família árabe mais antiga de Jerusalém, salientou:
"nos últimos 15 anos, com o Hamas no poder, Gaza foi de mal a pior. Os habitantes de Gaza vivem debaixo de um brutal regime islamista, refém de políticas estagnantes que servem apenas e tão somente aos interesses do Hamas e de seus aliados islamistas globais. Se a comunidade internacional pudesse ajudar a libertar Gaza destas forças, ela poderia ajudar os habitantes de Gaza a criarem uma Dubai no Mediterrâneo ou uma nova Cingapura."
Se os palestinos na Faixa de Gaza estão de fato tão desesperados, caberia a eles derrubarem o Hamas e acabar com seu domínio de punho de ferro na Faixa de Gaza.
No entanto, o Hamas continua esmagando a dissidência e intimidando quem o critica. Além disso, o Hamas continua gozando de popularidade entre muitos palestinos, não só na Faixa de Gaza, mas até na Cisjordânia. A razão pela qual o Hamas é tão popular é que muitos palestinos apoiam seu chamamento para a eliminação de Israel.
Seria bem melhor se os palestinos que fogem da Faixa de Gaza permanecessem em casa e dedicassem as energias para afastar o Hamas do poder, ainda que tal remoção custasse caro. Este é o único jeito de resolver os problemas de Gaza.
Culpar Israel por tudo que há de errado na Faixa de Gaza pode até enganar muitos nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Reino Unido. Mas os palestinos que fogem de Gaza e suas famílias que ficam para trás sabem muito bem qual é a verdade, que foi o Hamas que os levou para o abismo, incluindo o mar em que estão agora se afogando.
Khaled Abu Toameh é um jornalista premiado radicado em Jerusalém.