Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina (foto) e sua facção Fatah mostraram que, no fundo no fundo, não são muito diferentes de outros regimes totalitários, em especial os do mundo árabe. Estes líderes palestinos transformaram as áreas da Cisjordânia controladas pela Autoridade Nacional Palestina em um estado policial onde oponentes políticos são espancados até a morte, presos, torturados e intimidados. (Foto: Alaa Badarneh/Pool/AFP via Getty Images) |
No início deste ano, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina, promulgou um decreto-lei expandindo as liberdades em vista da proximidade das eleições parlamentares e presidenciais palestinas, que deveriam ter ocorrido em 22 de maio e 31 de julho.
O Artigo I da lei estipula a "criação de um clima no qual imperam as liberdades individuais e direitos fundamentais em todos os territórios da Palestina, incluindo a liberdade política e criação e filiação política".
O Artigo II estipula a "proibição de deter, prender, processar ou responsabilizar qualquer um por motivos relacionados à liberdade de opinião e filiação política."
Desde que a nova lei foi promulgada em 20 de fevereiro, no entanto, Abbas, que já entrou recentemente no 16º ano do seu mandato de quatro anos, cancelou as eleições sob o pretexto de que Israel não respondeu ao seu pedido de autorizar a votação em Jerusalém.
Israel, é bom lembrar, jamais disse que iria proibir a realização de eleições palestinas em áreas sob sua soberania em Jerusalém.
Ao cancelar as eleições no final de abril, Abbas estava evidentemente tentando criar a impressão de que Israel havia proibido os palestinos de Jerusalém Oriental de votarem.
A Comissão Central Eleitoral Palestina de Abbas, obviamente bateu de frente com ele.
Em uma declaração, a Comissão salientou que 150 mil eleitores de Jerusalém Oriental poderiam votar nas seções eleitorais em áreas controladas pela Autoridade Nacional Palestina nos arredores de Jerusalém, o que não requereria sinal verde de Israel. Fora isso, simbolicamente, 6.300 eleitores teriam permissão de votar nas agências dos correios israelenses situadas em Jerusalém Oriental, tudo de acordo com os conformes assinados anteriormente entre Israel e os palestinos.
A verdadeira razão de Abbas ter cancelado as eleições foi o temor de que a já fragmentada facção Fatah perdesse para o Hamas e para os demais oponentes políticos. Abbas temia que o Hamas vencesse novamente as eleições parlamentares, a exemplo do que aconteceu em 2006.
Além disso, Abbas temia na base porque autoridades do alto escalão da sua própria facção, entre eles Marwan Barghouti, Nasser al-Qidwa e Mohammed Dahlan, o desafiavam abertamente ao criarem suas próprias legendas.
Abbas faltou à palavra dada de realizar a primeira eleição para o parlamento palestino desde 2006 e a primeira eleição presidencial desde 2005. Nas últimas semanas, ele também quebrou a promessa de "consolidar" as liberdades individuais e direitos fundamentais e proibir as detenções de palestinos por eles expressarem suas opiniões ou por conta de sua filiação política.
Neste ínterim, Abbas e sua facção Fatah mostraram que, no fundo no fundo, não são muito diferentes de outros regimes totalitários, em especial os do mundo árabe.
Estes líderes transformaram as áreas da Cisjordânia controladas pela Autoridade Nacional Palestina em um estado policial onde oponentes políticos são espancados até a morte, presos, torturados e intimidados.
Eles transformaram essas áreas em um estado policial onde o governo palestino se faz valer de hooligans para espancar manifestantes pacíficos e jornalistas.
Nizar Banat, o ativista político e ferrenho crítico da liderança palestina que foi ao que consta espancado até a morte em 24 de junho por agentes de segurança palestinos, não foi a única vítima palestina da repressão sem precedentes ordenada por Abbas à liberdade de expressão. Logo após a decisão de Abbas de cancelar as eleições, dezenas de palestinos foram presos pelas forças de segurança da Autoridade Nacional Palestina.
A repressão foi por assim dizer totalmente ignorada pela grande mídia do Ocidente, isto até a morte de Banat. Ela não foi levada a sério porque os perpetradores não eram policiais ou soldados israelenses. Ela foi ignorada porque a mídia não conseguiu dar um jeito de jogar a culpa em Israel racionalizando o fato do governo palestino estar assediando, intimidando e torturando palestinos.
Se a mídia estrangeira e as organizações internacionais de direitos humanos tivessem prestado atenção às práticas do governo palestino contra seu povo, Banat poderia ainda estar vivo. Se eles tivessem dado atenção às prisões diárias de ativistas políticos, aos protestos de jornalistas e ativistas políticos palestinos contra a morte de Banat nas ruas de Ramala, talvez eles não tivessem sido espancados.
O silêncio da comunidade internacional e da mídia em relação às violações dos direitos humanos pela Autoridade Nacional Palestina levou os jornalistas palestinos a apelarem diretamente à União Europeia para que ela lhes desse proteção.
Inúmeros jornalistas palestinos que foram brutalmente espancados ou intimidados pelas forças de segurança palestinas nos últimos dias emitiram a seguinte declaração:
"sou jornalista palestino. Apelo à União Europeia e às instituições internacionais de direitos humanos para que tomem as medidas necessárias para me proteger ao exercer minha função jornalística. Lamentavelmente, meus colegas e eu estamos sujeitos a ataques, restrições e proibições durante nosso trabalho jornalístico por dias a fio pelas forças de segurança palestinas."
A ativista palestina Jihan Awad comentou assim no Twitter:
"a imprensa palestina corre perigo, o perigo da repressão, impedimento de cobertura, abafamento e falsificação da verdade."
Outra palestina, Hala Marshood,escreveu em resposta aos violentos ataques de agentes de segurança palestinos e gângsteres da Fatah contra os manifestantes palestinos da seguinte maneira:
"a situação de hoje é alarmante. Espancamentos e agressões, alguns seguidos de assédio (sexual) e roubo de celulares. Ataques a qualquer sicrano que filmava os acontecimentos, paus, pedras e latas são atirados contra os manifestantes. É o que acontece quando uma autoridade corrupta cria gangues e bandidos."
Samer Nazzal é um dos jornalistas palestinos que quebraram seus crachás de imprensa em sinal de protesto contra a violência e brutalidade da Autoridade Nacional Palestina perpetrada contra ele e seus colegas. "Ele não tem mais utilidade", ressaltou Nazzal em uma das inscrições no cartão de imprensa emitido pela Autoridade Palestina.
O atual levante contra Abbas e contra a Autoridade Nacional Palestina não é por amor ao ativista que segundo denúncias teria sido arrastado da cama por 27 agentes de segurança palestinos e espancado até a morte com barras de ferro e cassetetes.
Todavia os protestos espontâneos refletem a crescente frustração e desilusão dos palestinos com seus corruptos e opressores líderes. E não para por aí, os protestos estão acima de tudo sendo dirigidos ao governo Biden, cujos representantes recentemente vêm cortejando e passando a mão na cabeça de Abbas e seus asseclas da Fatah. O recado que eles estão mandando para a administração Biden é: pare de conferir poderes aos nossos corruptos líderes.
Ao se referir às iniciativas do governo Biden de fortalecer a Autoridade Nacional Palestina e retomar a incondicional ajuda financeira, a escritora palestina Nadia Harhash salientou:
"logo após a última decisão americana de 'fortalecer' a ANP na Cisjordânia, a realidade no palco dos acontecimentos começou a refletir a escalada na supressão das liberdades, no topo se encontra a liberdade de expressão e seguindo de perto a corrupção que bate na porta de nossas casas. A comunidade internacional, juntamente com seus respectivos governos, instituições e corpo social também são responsáveis por este assassinato porque eles sabem muito bem que têm apoiado uma corrupção sistêmica nos últimos anos que só faz aumentar e com isso a situação dos palestinos está se deteriorando. Ainda assim eles dão respaldo a esse corrupto sistema criminoso. É o apoio da comunidade internacional a esse regime que faz com que tais crimes continuem acontecendo. Nizar Banat e dezenas de outros a seu exemplo, incluindo eu, somos vítimas deste sistema criminoso e corrupto que continua ameaçando nossas vidas."
O que o mundo ocidental, a começar pelo governo Biden, fará com o testemunho dos jornalistas e ativistas políticos palestinos que estão sendo visados e silenciados por seus próprios líderes? Será que o governo Biden e o mundo ocidental realmente legitimarão e recompensarão com milhões de dólares e possivelmente até um estado, a líderes políticos que brutalizam, torturam e assassinam seus próprios jornalistas e cidadãos? A troco de quê? Um legado para os Estados Unidos que defende um regime como esse?
Khaled Abu Toameh é um jornalista premiado radicado em Jerusalém.