O governo Biden deu luz verde à Autoridade Nacional Palestina (ANP) para que retomasse severas medidas repressivas contra usuários de redes sociais, ativistas políticos e rivais na Cisjordânia? Logo depois da visita do Secretário de Estado Antony Blinken, a Ramala em maio, as forças de segurança da ANP prenderam ou notificaram dezenas de palestinos a comparecerem perante os tribunais para serem interrogados. O grupo palestino de direitos humanos Lawyers for Justice revelou que alguns dos detidos confirmaram que foram espancados e torturados na prisão em Jericó controlada pela Autoridade Nacional Palestina. (Imagem: iStock) |
O governo Biden deu luz verde à Autoridade Nacional Palestina (ANP) para que retomasse severas medidas repressivas contra usuários de redes sociais, ativistas políticos e rivais na Cisjordânia?
Logo depois da visita do Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, a Ramallah no final do mês de maio, a capital de fato dos palestinos, as forças de segurança da ANP prenderam ou notificaram dezenas de palestinos a comparecerem perante os tribunais para serem interrogados.
Muitos desses palestinos foram acusados de "insultar" líderes palestinos em plataformas de redes sociais ou de manifestarem apoio aos rivais da ANP, Hamas e demais facções palestinas.
Ao que tudo indica, Abbas está animado com a decisão da Administração Biden de retomar incondicionalmente a ajuda financeira aos palestinos. A ajuda, sem nenhuma restrição ou condição, sequer um requisito para que a Autoridade Nacional Palestina ponha fim às violações dos direitos humanos e aos ataques contra as liberdades individuais e direitos fundamentais.
Em suma, a Administração Biden parece estar sinalizando aos palestinos de que os EUA apoiam as ditaduras árabes que oprimem e encarceram ativistas políticos e opositores, que barram o surgimento de novos e jovens líderes.
A Administração Biden também está ventilando aos palestinos, embora indiretamente, que os Estados Unidos continuarão apoiando um líder árabe que lhes negou a chance de realizarem as já atrasadíssimas eleições para o parlamento e à presidência palestinas.
O grupo palestino de direitos humanos Lawyers for Justice salientou em um comunicado publicado em 5 de junho que "a campanha de encarceramentos de políticos e notificações a comparecimentos perante os tribunais... atingiu inúmeros cidadãos de diferentes backgrounds, incluindo prisões baseadas em filiações políticas e detenções por exercerem a liberdade de opinião e de expressão nas redes sociais ou de participarem de qualquer entretenimento, após o cessar-fogo de 21 de maio" entre Israel e o Hamas.
O grupo revelou que alguns dos detidos confirmaram que foram espancados e torturados no centro de detenção palestino do Comitê de Segurança da ANP em Jericó. O grupo emitiu o seguinte comunicado:
"o Lawyers for Justice acredita que o continuado encarceramento dos detidos acima mencionados, sem provas nem justificativas reais faz com que sua contínua detenção resulte em prejuízo dos seus direitos e depreciação das suas garantias na obtenção dos direitos integrais de um julgamento transparente... o que é considerado uma violação das liberdades individuais, liberdade de expressão e liberdade de filiação política... as prisões e detenções destas pessoas foram realizadas sem qualquer fundamento..."
Tariq Khudairi, um ativista político de Ramallah, foi preso pelas forças de segurança da ANP sob a acusação de amaldiçoar o ex-líder da OLP Yasser Arafat durante uma manifestação em Ramala. Khudairi foi acusado de "instigar conflitos sectários", uma acusação normalmente feita pela ANP contra qualquer um que ouse criticar o presidente da ANP, Mahmoud Abbas ou outros altos funcionários.
O Lawyers for Justice assinalou em uma declaração separada em 29 de maio, que fazia parte das formas de tortura na prisão de Jericó, controlada pela ANP: pendurar detidos pelo teto, espancamentos e abusos verbais. "Entre os detidos se encontrava Mahdi Abu Awad, que confirmou ter sido submetido a tortura durante o interrogatório pela Promotoria de Jericó", salientou o grupo. "O grupo Lawyers for Justice solicita ao governo palestino... que impeça os serviços de segurança de continuarem a violar os direitos e liberdades individuais..."
Yassin Sabah, ativista político preso no mês passado pelas forças de segurança da ANP sob a acusação de participar de uma manifestação em solidariedade aos palestinos na Faixa de Gaza, disse a seu irmão que foi brutalmente torturado. A tortura, revelou ele, incluía choques elétricos e outras formas de abuso físico. "Devido à tortura e às péssimas condições na prisão, o peso de Yassin despencou de 85 para 50 quilos", de acordo com seu irmão. "Além disso, a ANP impediu que ativistas de direitos humanos o visitassem na prisão".
Em 16 de junho, a Força de Segurança Preventiva da ANP deteve Amir Abu Sharar, de 16 anos, por conta de um comentário que ele publicou no Facebook durante as hostilidades entre Israel e o Hamas. Abu Sharar sofre de diabetes e precisa de duas injeções de insulina por dia.
"Não vamos aceitar esta injustiça", escreveu o primo do adolescente, jornalista Salam Abu Sharar, no Twitter. "Não ficaremos calados, mesmo que ele fique detido por 15 minutos. Trata-se de uma criança doente".
O empresário palestino Badran Jbara salientou que teve que se esconder na semana passada porque os serviços de segurança da ANP queriam prendê-lo por causa de um post no Facebook no qual ele criticava a liderança palestina. Jbara, 59, cidadão panamenho, chegou à Cisjordânia para participar do casamento de sua filha. Poucos dias depois, vários agentes de segurança da Autoridade Nacional Palestina invadiram sua casa na cidade de Turmus Ayya, ao norte de Ramala, para prendê-lo. Felizmente ele não se encontrava em casa durante a invasão.
A violenta repressão das forças de segurança da Autoridade Nacional Palestina também atingiu os apoiadores de Mohammed Dahlan, arquirrival de Abbas, que reside nos Emirados Árabes Unidos. Dahlan, ex-comandante de segurança da Autoridade Nacional Palestina, fugiu da Cisjordânia em 2011 depois de uma briga com Abbas.
De uns tempos para cá, a ANP prendeu ou notificou a comparecer perante os tribunais para interrogatório dezenas de palestinos que se voluntariaram na lista eleitoral dos afiliados de Dahlan Al-Mustaqbal ("o Futuro") que participaria das eleições parlamentares palestinas. Em abril, Abbas cancelou a eleição marcada para 22 de maio.
"Condenamos as prisões ilegais realizadas pelos serviços de segurança do presidente Mahmoud Abbas de voluntários da campanha eleitoral da Lista do Futuro", salientou a Lista em um comunicado.
"A Lista do Futuro considera que o aparato repressivo do presidente Abbas se aproveitou que a mídia estava atarefada com a visita do secretário de Estado norte-americano Antony Blinken à Ramala para realizar uma campanha de intimidação, botar atrás das grades cidadãos patriotas, respeitadores da leis. Ficou claro que o aparato repressivo do presidente Abbas teme a oposição. A Lista do Futuro convoca todas as legendas aprovadas pela Comissão Central das Eleições, todos os órgãos de direitos humanos e todas as pessoas de honra deste país a formarem uma frente única para resistir às arbitrárias prisões políticas que visam silenciar toda e qualquer voz livre que se levantar em face da tirania e da corrupção praticada pela Autoridade Nacional Palestina."
No início do corrente mês, o professor palestino Sari Nusseibeh, candidato da Lista do Futuro, pediu aos diplomatas ocidentais para que pressionassem Abbas no sentido de darem um basta na repressão contra ativistas e rivais políticos. "A situação dos palestinos não suporta medidas arbitrárias desta natureza", alertou Nusseibeh.
Não se sabe se os diplomatas ocidentais realmente levantaram a questão com Abbas ou com outros líderes palestinos. No entanto, tudo indica que os diplomatas estão pouco se lixando se a ANP está prendendo, torturando e intimidando usuários de redes sociais e ativistas políticos.
Estes diplomatas e jornalistas ocidentais levantam suas vozes em alto e bom som, quando se trata de dizer algo condenatório em relação a Israel. O silêncio da comunidade internacional e do apoio cego e irrestrito do governo Biden à ANP encoraja a liderança palestina a intensificar as medidas repressivas contra a população palestina.
Quando os palestinos ficam desesperados para que haja alguma melhora na liderança da ANP, eles convergem em direção ao Hamas e a outros grupos terroristas vistos por muitos palestinos como melhor alternativa do que Abbas e sua facção Fatah.
Não deveria causar espécie, então, que a mais recente pesquisa de opinião tenha mostrado uma dramática escalada na popularidade do Hamas entre os palestinos. O que deveria sim ser surpreendente e inquietante, é o fato que o mundo ocidental está ajudando e estimulando diretamente essa sangrenta mudança de lealdade.
Khaled Abu Toameh é um jornalista premiado radicado em Jerusalém.