Havia um "forte cheiro de pólvora no ar" quando diplomatas americanos e chineses se reuniram em Anchorage em 18 de março. "Pólvora" é uma daquelas palavras que Pequim costuma usar quando quer sinalizar que está pensando em guerra. Foto: diplomatas americanos e chineses no Captain Cook Hotel em Anchorage, Alaska em 18 de março de 2021. (Foto by Frederic J. Brown/Pool/AFP via Getty Images) |
Havia um "forte cheiro de pólvora no ar" no início, quando diplomatas americanos e chineses se reuniram em Anchorage em 18 de março. Isso segundo Zhao Lijian do Ministério das Relações Exteriores da China, ao discursar poucas horas após o primeiro dia das negociações EUA-China serem concluídas.
"Pólvora" é uma daquelas palavras que Pequim costuma usar quando quer sinalizar que está pensando em guerra.
O mais preocupante é que o termo também vem carregado de forte emoção, palavra que os propagandistas chineses usam quando querem provocar a população da China continental, lembrando-a da exploração estrangeira, britânica e branca, na época da Guerra do Ópio do século XIX. O Partido Comunista da China, portanto, está agora tentando catalisar o sentimento nacionalista, confluindo o povo chinês, até preparando-o para a guerra.
Mais fundamental ainda, Pequim está, com a referência à pólvora e outras referências, tentando dividir o mundo em linhas raciais e formar uma coalizão global contra os brancos.
O que aconteceu no Alasca foi bem mais do que só um cheirinho de pólvora. Zhao, do Ministério das Relações Exteriores, culpou o lado americano de exceder o prazo acordado para os comentários de abertura pelo Secretário de Estado Antony Blinken e pelo Conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan. Blinken e Sullivan ultrapassaram os quatro minutos acordados em... 44 segundos.
O jornal oficial do partido comunista chinês Global Times reclamou que as duas apresentações "ultrapassaram demasiadamente o tempo". Zhao, do Ministério das Relações Exteriores, disse que o excesso americano levou o lado chinês a atropelar as apresentações americanas com suas próprias apresentações, que duraram 20 minutos e 23 segundos, muito além dos quatro minutos acordados.
Yang Jiechi, o mais importante diplomata chinês e o seu imediato, ministro das Relações Exteriores Wang Yi, liam na maior parte do tempo seus anteriormente elaborados textos, dando a entender que muitos de seus comentários, na realidade, com o objetivo de bagunçar o coreto, foram armados com muita antecedência.
Além da indignação, claramente ensaiada do diplomata e dos comentários incendiários de Zhao, houve também um terceiro elemento na campanha: uma explosão propagandista contra as políticas que Pequim diz serem racistas. O alvo principal desta avalanche foram os Estados Unidos.
"Tudo o que Washington diz gira em torno dos EUA e na supremacia branca", salientou o Global Times, controlado pelo Partido, em editorial de 19 de março, ao se referir aos tons de pele mais escuras dos "poucos aliados" dos Estados Unidos na região.
Além disso, a narrativa baseada na raça aparece em uma série de recentes peças publicitárias do Partido Comunista retratando indiretamente a China como protetora dos asiáticos nos Estados Unidos. Senão vejamos: em 18 de março o Global Times publicou uma matéria intitulada "Grupos da Elite dos EUA são Cúmplices de Crimes Contra Americanos de Origem Asiática."
Há anos que Pequim joga a cartada racial na América do Norte. A China, por exemplo, tentou dividir o Canadá em linhas raciais. No início de 2019, Lu Shaye, quando embaixador de Pequim no Canadá, protestou veementemente contra o "egocentrismo ocidental e a supremacia branca" , numa tentativa malsucedida de conseguir a libertação imediata de Meng Wanzhou, responsável pelo setor financeiro da Huawei Technologies, detida pelas autoridades canadenses enquanto aguardava os procedimentos do processo de extradição instituído pelo Departamento de Justiça de Trump.
Digno de nota é Yang Jiechi ter mencionado propositalmente os protestos do movimento Black Lives Matter em Anchorage no discurso de abertura na quinta-feira, dando seguimento ao ataque chinês contra os Estados Unidos fundamentado na raça.
O regime chinês continua abordando a ascensão da China, só que agora a propaganda de Pequim é um tanto nefasta. A nova narrativa do governante Xi Jinping é a de que a China é líder do "Oriente". Em um discurso separador de águas que proferiu no final do ano passado, ele declarou "o Oriente está em ascensão e o Ocidente em declínio."
Esse tema evoca o Japão Imperial e sua famigerada Esfera de Co-prosperidade da Grande Ásia Oriental, que a partir dos anos de 1930 procurou unir os asiáticos contra os brancos.
As divisões raciais nos levam ao O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial de Samuel Huntington. "No mundo pós-Guerra Fria, as diferenças mais importantes entre os povos não são ideológicas, políticas nem econômicas", escreveu o já falecido cientista político de Harvard. "Elas são culturais."
Analistas e acadêmicos teceram duras críticas ao inédito livro de Huntington publicado em 1996, mas pelo sim, pelo não, se a obra é fundamentalmente equivocada ou não, Xi Jinping está de fato tentando refazer a ordem mundial liderando "o Oriente" numa batalha civilizacional contra "o Ocidente".
Mao Tsé-Tung, herói de Xi, viu a China liderar a África e os povos da Ásia contra o Ocidente, de modo que a noção de divisão global de Xi não é nada nova, mas os sucessores de Mao, em sua maioria, abandonaram o discurso racialmente motivado ao mesmo tempo em que buscavam fortalecer o país comunista com dinheiro e tecnologia do Ocidente.
Deng Xiaoping, o mais pragmático sucessor de Mao, aconselhou a China a "esconder suas habilidades e dar tempo ao tempo". Xi, porém, acredita que chegou a vez da China, em parte porque acha que os Estados Unidos estão ladeira abaixo, sem volta.
A concepção de mundo de Xi é abominável além de errada, mas os americanos não podem se dar ao luxo de ignorá-lo. Tanto eles quanto outros devem reconhecer que na mente de Xi, raça define civilização e civilização é a nova linha que divide o mundo.
Xi está falando sério. Em janeiro ele ressaltou que seu exército, em rápida expansão, deve estar pronto para a batalha "a qualquer momento". Naquele mesmo mês, a Comissão Militar Central do Partido tirou do Conselho de Estado, órgão civil, o poder de mobilizar toda a sociedade para a guerra.
Estados militantes raramente se preparam para o conflito e depois recuam. Para o Partido Comunista da China, há um cheiro de pólvora ao redor do mundo, enquanto Xi precipita um choque de civilizações e de raças.
Gordon G. Chang é o autor do The Coming Collapse of China, Ilustre Senior Fellow do Gatestone Institute e membro do Conselho Consultivo.