A mensagem que os árabes estão mandando ao novo governo dos EUA é a seguinte: não repita os erros do ex-presidente Barack Obama, cujo governo tomou partido do então presidente egípcio Mohammed Morsi, membro da Irmandade Muçulmana. Foto: o então Secretário de Estado americano John Kerry (esquerda) com Morsi no Cairo em 3 de março de 2013. (Foto: Khaled Desouki/AFP via Getty Images) |
Será que o novo governo dos Estados Unidos, provavelmente sob o comando de Joe Biden, irá ajudar a ressuscitar a Irmandade Muçulmana, considerada uma organização terrorista pelo Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Síria? Por que tanto regozijo da Irmandade Muçulmana em relação à "vitória" de Joe Biden?
Certa parcela da população árabe diz estar preocupada em ver a Irmandade Muçulmana celebrar os resultados da eleição presidencial americana. Eles receiam que a Irmandade Muçulmana, apoiada pelo Catar e pela Turquia, esteja se preparando para voltar a ficar na crista da onda diante da provável administração Joe Biden.
A mensagem que os árabes estão mandando ao novo governo dos EUA é a seguinte: não repita os erros do ex-presidente Barack Obama, cujo governo tomou partido do então presidente egípcio Mohammed Morsi, membro da Irmandade Muçulmana. Os árabes também querem lembrar à nova administração americana, caso seja confirmada, que os islamistas e seus apoiadores são mentirosos deslavados que só olham para seus próprios umbigos.
"Ativistas da Irmandade Muçulmana e os órgãos de imprensa parecem entusiasmadíssimos com o progresso do candidato democrata Joe Biden nos resultados das eleições americanas", segundo o jornal londrino The Arab Weekly.
"Analistas atribuíram tal entusiasmo ao desejo da Irmandade Muçulmana de revivenciar a era do ex-presidente Barack Obama, na qual eles desempenharam um papel notável, nadando de braçada nos levantes da 'Primavera Árabe'"...
"Ativistas pró-Irmandade Muçulmana e profissionais da mídia do Egito, Tunísia, Iêmen e países do Golfo não disfarçam suas preces a favor de Biden...
"Desde o início a Irmandade Muçulmana não escondeu seu forte viés a favor de Biden. Eles o pintaram como apoiador do Islã e dos muçulmanos, destacando o fato de que ele menciona os hádices do Profeta (Maomé)..."
Na semana passada, a Irmandade Muçulmana publicou uma declaração em seu site oficial na qual destacou que "admira o processo eleitoral americano, que resultou na conquista do cargo de Presidente dos Estados Unidos por Joe Biden, vitória esta que prova que o povo americano ainda é capaz de impor sua vontade."
A organização tachada de terrorista, salientou, de cara fechada, que "deseja a Joe Biden, ao povo americano e aos povos do mundo todo que continuem a viver com dignidade sob os princípios da liberdade, justiça, democracia e respeito aos direitos humanos".
A Irmandade Muçulmana pediu a Biden "que revise as políticas de apoio às ditaduras árabes e aos crimes e violações cometidos pelos regimes tirânicos nos quatro cantos da terra."
A declaração causou espécie em um punhado de árabes, muitos dos quais zombaram da conversa da Irmandade Muçulmana sobre "liberdade, justiça, democracia e respeito pelos direitos humanos". O escritor saudita Tariq Al-Homayed observou:
"como era de se esperar, a organização Irmandade Muçulmana saiu da toca emitindo um comunicado parabenizando Joe Biden, aproveitando o ensejo para pedir que ele aja contra aqueles que ela chama de ditaduras... Dizemos como era de se esperar, porque a Irmandade Muçulmana, que costumava condenar aqueles que a criticavam como agentes do Ocidente e sionistas, revelaram sua face e agora pedem que os Estados Unidos intervenham em nossos países dando ouvidos à sua conversa fiada sobre democracia".
Al-Homayed pondera não ter ficado claro se as ditaduras que a Irmandade Muçulmana se refere incluem o Irã, a Turquia e o Catar. "A Irmandade Muçulmana se refere àquelas ditaduras que querem proteger os países árabes do mal da Irmandade Muçulmana, de suas mentiras e de seu terrorismo?", perguntou ele.
Al-Homayed destacou que a Irmandade Muçulmana ficou enlutada com a morte de Qassem Soleimani, comandante da Força Quds do Irã, "que lutou contra iraquianos, sírios e libaneses e foi o arquiteto da devastação na região".
Soleimani foi assassinado em um ataque cirúrgico de drones americanos em 3 de janeiro de 2020 em Bagdá. Ele foi punido com sanções pelas Nações Unidas e também pela União Europeia, além de ter sido classificado de terrorista pelos EUA em 2005.
Ao reagir à declaração da Irmandade Muçulmana, a analista política e escritora egípcia Israa Ahmed Fuad, ressaltou que a organização terrorista "procura inúmeras alternativas para tirar proveito de qualquer vicissitude internacional a fim de se reciclar e aumentar a sua visibilidade depois que seu projeto de sabotagem na região deu com os burros n'água com o colapso de seu regime no Egito em 2013"; referência à queda do presidente Mohammed Morsi.
"Há um sem-número de informes que confirmam o apoio da Irmandade Muçulmana a Biden para que a organização tenha condições de driblar as restrições aos movimentos políticos islâmicos", destacou Fuad. "A era Obama foi um período ideal para eles. Agora, eles esperam que os EUA os retirem da lista das organizações terroristas."
O cientista político marroquino Amin Al-Alawi salientou que a "aclamação de Biden pela Irmandade Muçulmana reflete a nostalgia da era das revoluções e do apoio dos democratas à Primavera Árabe". A Irmandade Muçulmana, acusa ele, "é parceira das administrações democratas na arruinação da região e sustentação do extremismo. A Irmandade Muçulmana acredita que Biden os conduzirá de volta ao poder (no Egito), especialmente depois que a presença de quatro anos de (presidente Donald) Trump abortou suas ambições."
Khaled Salah, redator-chefe do jornal egípcio Al-Youm Al-Sabi ', ridicularizou as saudações da Irmandade Muçulmana a Biden. Salah salientou que a Irmandade Muçulmana alimenta a esperança de que Biden pressione o Egito a soltar da prisão os membros do alto escalão da organização terrorista. "A toupeira (Irmandade Muçulmana) está dançando de alegria com a vitória de Biden, como se estivesse se preparando para voltar ao poder a mando da Casa Branca", comentou ele.
Nabil Na'im, ex-membro da Organização Jihad Islâmica Egípcia, disse também acreditar que a Irmandade Muçulmana está querendo "virar a página" no que diz respeito ao novo governo dos EUA. Ao parabenizar Biden, Na'im argumenta que a Irmandade Muçulmana espera que o Partido Democrata a adote, defenda sua existência e abra caminho para a sua volta à arena política.
Nenhuma administração americana pode se dar ao luxo de fazer pouco caso dos árabes que soam o alarme em relação à cartada da Irmandade Muçulmana de se apresentar como grupo pacífico que quer trazer liberdade e democracia ao mundo árabe.
Os islamistas estão desesperados para retornarem ao poder no Egito, e é por isso que estão dispostos até mesmo a seduzirem o "Satanás" americano para que possam alcançar esse objetivo. Esses são os mesmos islamistas que condenam os árabes que mantêm qualquer contato com os americanos. Neste momento de possível mudança na administração dos Estados Unidos, os árabes que não apoiam a Irmandade Muçulmana, particularmente os que vivem no Egito e nos países do Golfo, esperam fervorosamente que o alarme no tocante aos islamistas seja ouvido em alto e bom som por Biden e sua equipe.
Khaled Abu Toameh é um jornalista premiado radicado em Jerusalém, também é Shillman Journalism Fellow no Gatestone Institute.