As atividades do Catar na França deveriam causar muita inquietação naqueles que se preocupam com a estabilidade das democracias europeias. Durante anos o Catar tem sido o motivo de muitas reclamações no que diz respeito ao fundamentalismo islâmico e seu suposto apoio à Irmandade Muçulmana, Irã, ISIS, elementos da Al-Qaeda, Hamas, Talibã e outros extremistas.
O emir do Catar, Tamim bin Hamad al Thani, proporcionou recentemente provas contundentes que a França é campo fértil para a projeção de seu país que por mais de um ano tem sido boicotado pelos seus vizinhos do Golfo Em julho houve o terceiro encontro em poucos meses, em Paris, entre o emir do Qatar e o presidente da França, Emmanuel Macron. Já foram assinados contratos superiores a 12 bilhões de euros, tornando o Qatar o terceiro maior consumidor de produtos franceses do Golfo, perdendo somente para a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. O Catar, no entanto, é motivo de desconforto não somente em relação à economia francesa.
O dinheiro do Qatar financia muitas das "megamesquitas" da França. São enormes estruturas com minaretes, não aquelas mesquitas improvisadas que apareceram em garagens, lojas e centros culturais. A Grande Mesquita de Poitiers, por exemplo, fica nas proximidades do local onde ocorreu a Batalha de Tours (também conhecida como Batalha de Poitiers), onde Charles Martel, soberano dos francos, deteve o avanço do exército muçulmano de Abdul al-Rahman no ano 732.
Boubaker El-Hadj Amor, imã da Poitiers de hoje, ressaltou que a construção da mesquita, que tem auditório de orações para 700 fiéis e um minarete de 22 metros de altura, foi possível graças ao dinheiro desembolsado pela organização "Qatar Charity". Em um vídeo, o imã de Poitiers reconhece ter se beneficiado dos fundos do Catar para continuar com a construção da mesquita, interrompida por vários anos devido à falta de financiamento dos fiéis locais. "O que construímos é graças a Alá e com a ajuda da organização Qatar Charity", salientou o imã.
De acordo com o jornal Libération:
"presenciamos atualmente a um relativo amordaçamento dos parceiros históricos do Islã na França: Marrocos e Argélia. Embora permaneçam doadores importantes, mantêm laços estreitos com as primeiras gerações de imigrantes e têm assegurado posições chave no Conselho Francês da Fé Muçulmana (CFCM), esses dois países veem sua influência encolher na geração mais nova."
"O Catar opera se infiltrando traiçoeiramente, embora consensualmente, na União das Organizações Islâmicas da França (UOIF), representante na França da Irmandade Muçulmana."
"A intenção do Qatar era assumir o controle do Islã na França através da UOIF", realça Georges Malbrounot repórter do jornal Le Figaro e coautor do livro "Nos très chers émirs"("Nossos queridos Emires") sobre as relações entre a França e o Catar.
A mesquita Assalam Mosque em Nantes é em grande parte financiada com dinheiro do Catar.
Sua minarete de 17 metros de altura, a gigantesca cúpula de 14 metros e sua iluminação exterior noturna, a mesquita Assalam "ilumina a cidade de Nantes." A mesquita aparentemente responde aos verdadeiros anseios dos muçulmanos da cidade. Os fiéis costumavam rezar na Mesquita Arrahma e na Mesquita El Forqane (antiga Capela Cristã de Saint-Christophe antes de ser transformada em um salão para orações islâmicas), mas os líderes da comunidade muçulmana dizem que elas são pequenas demais para as necessidades da comunidade.
A Mesquita Assalam em Nantes. (Imagem: Belgacem Ben Said/Wikimedia Commons) |
O dinheiro do Catar também está fluindo para Mulhouse, cidade da Alsácia, onde a Qatar Charity ajudou a construir o Centro An Nour, que contém uma enorme mesquita, "uma das mais impressionantes da Europa". A mídia do catari retratou o projeto da seguinte maneira:
"O centro encontra-se estrategicamente localizado na região fronteiriça da França, Alemanha e Suíça, onde os muçulmanos somam mais de 20% da população da cidade que é de 256 mil habitantes. Mais de 150 mil pessoas dos três países usufruirão da obra".
Em Marselha, o dinheiro do Catar também financia a futura Grande Mesquita de Marselha que acomodará de 10 mil a 14 mil fiéis, em uma cidade que já abriga "cerca de 70 mesquitas e salões oficiais para as orações"segundo o Conselho Regional da Fé Muçulmana. Além disso, o governo do Catar, tem doado milhões de euros à Grande Mesquita de Paris.
Dos estados do Golfo Pérsico, ao que tudo indica, o Catar é o mais expressivo no tocante à criação da história islâmica na França. Bernard Godard, que durante anos serviu como consultor sobre o Islã para o Ministério do Interior, ressaltou: "não se pode afirmar que o Islã na França seja financiado principalmente pela Arábia Saudita. Ela contribui um pouco, mas bem menos do que países como o Catar ou Kuwait". O estudioso francês Bérengère Bonte escreveu um livro no ano passado intitulado:A República Francesa do Catar("La République française du Qatar").
O Catar, ao que consta, também ajudou a financiar o campus Saint-Denis do European Institute of Human Sciences (IESH) Essa "Universidade Muçulmana" privada, oferece cursos de língua e teologia árabes para estudantes muçulmanos pós-graduados. Em quinze anos, as matrículas saltaram de 180 alunos para cerca de 1.500.
O Catar também está por trás da primeira escola de fé muçulmana financiada pelo estado, a Lycée-Collège Averroès. A escola estava no centro de uma altercação há alguns anos quando um de seus professores pediu demissão por ter escrito que a escola era "um foco de antissemitismo e que 'promovia o islamismo' aos alunos". A escola é financiada com dinheiro público, mensalidade escolar e doações da comunidade muçulmana. Mas quando se tornou necessário comprar um novo edifício e reformá-lo ao custo de 2,5 milhões de euros, o Banco de Desenvolvimento da Arábia Saudita concordou em pagar 250 mil euros e a ONG Qatar Charity 800 mil. De acordo com o jornal Libération:
"Mas quando se tornou necessário comprar um novo edifício e reformá-lo ao custo de 2,5 milhões de euros, o Banco de Desenvolvimento da Arábia Saudita concordou em pagar 250 mil euros e a ONG Qatar Charity 800 mil.
Eis que surge "a Grande Mesquita de Saint-Denis," localizada no subúrbio parisiense de Saint-Denis, que concentra um alto contingente de imigrantes muçulmanos. Ahmed Jamaleddine, tesoureiro da associação Amal, que está por trás da construção da mesquita, salienta: "recebemos financiamento do exterior... Tudo é transparente: os recursos são enviados pelos fiéis da Arábia Saudita e do Catar".
A famosa catedral, Basílica de Saint-Denis, também está localizada em Saint-Denis, nela se encontra a necrópole real onde estão enterrados inúmeros reis franceses, entre eles Charles Martel, citado acima, que conteve o avanço do exército muçulmano em 732.
Parece que o Emir do Catar sabe muito mais da história francesa do que muitos franceses. As democracias fariam um bem a si próprias se abrissem os olhos em relação ao Catar.
Giulio Meotti, Editor Cultural do diário Il Foglio, é jornalista e escritor italiano.