Nós assistimos e nos apavoramos diante das horripilantes imagens de cristãos coptas decapitados pelo ISIS em 2015 na Líbia e dos repetidos atentados nas últimas duas décadas contra igrejas coptas no Egito. Lemos sobre o massacre de Maspero em 2011, quando tanques egípcios, posicionados para protegerem pacíficos manifestantes cristãos, os atropelaram, dilacerando-os. Persiste o recebimento de relatos sobre o rapto de meninas coptas, obrigadas a se converterem ao Islã e forçadas a se casarem com muçulmanos.
Sempre que aparecem notícias de atos de violência motivados pelo ódio contra os coptas ou contra outras minorias religiosas, estremecemos. Quando há ataques contra os yazidis no Berço da Civilização, contra os bahá'í no Irã e contra os cristãos e ahmadis no Paquistão, nos perguntamos como os muçulmanos podem defender esses crimes contra a humanidade perpetrados sob a bandeira do Islã.
Além de condenar a intolerância e o preconceito claro e evidente e de apelarem aos governos ocidentais em busca de assistência, os muçulmanos que se opõem ao extremismo islamista estão no mato sem cachorro sobre o que precisa ser feito para responsabilizarem os governos do Egito e de outros países de maioria muçulmana por eles não protegerem as minorias religiosas da violência sectária corriqueiramente dirigida a eles.
Abaixo algumas observações preliminares com respeito aos coptas do Egito que podem servir como proposta sobre como muçulmanos e não muçulmanos, em conjunto, podem encontrar uma saída para esse cenário terrível e proporcionar a mútua sobrevivência e coexistência pacífica:
Os muçulmanos egípcios são taxativamente responsáveis pelo agravamento da situação dos cristãos coptas no Egito. Sendo a esmagadora maioria da população do Egito, os muçulmanos têm a responsabilidade de assegurar os direitos dos coptas como minoria religiosa.
A violência e o incitamento à violência dirigidos pelos muçulmanos egípcios contra os coptas em especial pelas campanhas sectárias organizadas pela Irmandade Muçulmana e grupos do mesmo cunho, constituem crimes contra a humanidade e devem ser tratados como tais pela comunidade internacional.
Como parte de sua obrigação religiosa, os muçulmanos egípcios têm uma responsabilidade ainda maior de garantir o bem-estar e proteger os direitos e a dignidade dos cristãos coptas. Ao perseguirem os coptas, os muçulmanos do Egito estão rasgando as diretrizes do Alcorão no quesito respeitar e proteger judeus e cristãos como os "Povos do Livro." De acordo com o Alcorão, cada um de nós terá que prestar conta pelos nossos atos no Dia do Juízo Final. Não é para Deus perdoar o mal que um indivíduo faz a outro, a menos que o malfeitor tenha pedido e recebido o perdão da vítima. De acordo com suas próprias crenças, então, os muçulmanos do Egito são inegavelmente culpados pelo mal que fizeram aos coptas e com certeza serão responsabilizados no Dia do Juízo Final.
A tragédia dos coptas é expressivamente amplificada quando levamos em conta seu singular status na história do Islã: devido ao relacionamento muito especial e próximo que o líder da igreja copta tinha com o profeta Maomé atuou na intermediação de seu povo com o profeta. De acordo com a história oficial da Igreja Copta:
"Nos quatro séculos que se seguiram à conquista árabe do Egito, a Igreja Copta floresceu e o Egito permaneceu basicamente cristão. Isso se deve em grande medida à afortunada posição que os coptas desfrutavam, porque Maomé, Profeta do Islã, que tinha uma esposa egípcia chamada 'Maria a Copta' (mãe de seu filho Ibrahim), preconizava especial generosidade para com os coptas: "quando vocês conquistarem o Egito, sejam gentis com os coptas, pois eles são seus protegidos e parentes".
Sabemos que bastam algumas gotas de limão para azedar uma tigela inteira de leite. Os muçulmanos do Egito, como outros tantos muçulmanos em outros lugares, azedaram todo o rio Nilo, tornando-o tóxico por intermédio do preconceito e violência em sua tradição de fé. Nós muçulmanos degradamos nossa cultura através do autoritarismo e da tendência obstinada de culpar os outros pelos nossos problemas. Dessa maneira distorcemos o Islã que acreditamos ser a revelação definitiva.
A história egípcia foi em grande medida moldada pelo ciclo de invasões, conquistas, exploração de não árabes, brigas sectárias e conflitos religiosos, muito antes da chegada dos árabes no século VII da Era Comum e muito tempo depois que os árabes perderam sua supremacia na região para os não árabes e não muçulmanos. Os efeitos negativos de uma história tão longa e duradoura também se manifestam na violência que faz com que os coptas sejam vítimas da intolerância e violência muçulmanas na história recente.
Os muçulmanos em geral, assim como os do Egito, fazem parte do "terceiro mundo". Como consequência, eles são tanto vítimas quanto agressores da complicada história do mundo moderno. Sendo do "terceiro mundo", eles enfrentam o imenso desafio da modernização, dificultando ainda mais a sua complicada situação devido ao profundo envolvimento e intervenção das potências externas. No século passado o Egito teve que carregar a marca desta história complicada, particularmente desde o fracasso do levante 'protonacionalista' de 1882 do Vale do Nilo, liderado por Ahmed Arabi. O malogro levou diretamente à ocupação do Egito pela Grã-Bretanha e na subsequente luta do povo egípcio para alcançar a independência e o desenvolvimento. Foi um fracasso que desconcertou enormemente a inerente paciência e nobreza do povo egípcio, para quem as guerras e suas consequências devastadoras se tornaram um pesadíssimo fardo.
Pode não ser difícil ser magnânimo na vitória, conforme demonstrou o Profeta Maomé, quando da conquista de Meca em 630, mas com certeza é fácil ficar amargurado, ressentido e com vontade de vingança quando da derrota, como tem sido a história de árabes e muçulmanos no século passado. É quando a liderança de mente aberta se torna essencial, mas não há tal liderança nem no Egito e nem no mundo muçulmano.
Então, o que fazer, dada a situação dos cristãos coptas no Egito e das minorias religiosas por toda ummah (comunidade) muçulmana ?
Seja qual for a concreta iniciativa política adotada para se lidar com o sofrimento das minorias, há um prerrequisito indispensável para que se possa seguir em frente. Nas palavras do teólogo católico alemão Hans Küng: "não haverá sobrevivência sem ética mundial. Não haverá paz mundial sem paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre elas".
Os muçulmanos no cenário público têm uma tarefa singular porém descomunal pela frente: falar a verdade sobre a maneira pela qual os muçulmanos em todo o mundo vêm distorcendo a Palavra de Deus, transformando-a em uma ideologia política e a religião em uma interminável inquisição.
Em um discurso proferido em dezembro de 2014 a estudiosos da religião e clérigos na Universidade Al-Azhar no Cairo, a mais renomada instituição muçulmana sunita de aprendizado no mundo islâmico, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi declarou de maneira inequívoca:
"Honorável Imã (Grande Xeque de Al-Azhar), o senhor arca com a responsabilidade diante de Alá. O mundo inteiro aguarda suas palavras, porque a nação islâmica está sendo dilacerada, destruída, a caminho da perdição. Nós mesmos estamos conduzindo-a para a perdição... Temos que avaliar prolongada e cuidadosamente a atual situação em que nos encontramos. É inconcebível que a ideologia que santificamos, transforme toda a nossa nação em fonte de preocupação, perigo, assassinato e destruição em todo o mundo. É inconcebível que essa ideologia... não me refiro à "religião", mas à "ideologia", o conjunto de ideias e textos que santificamos no decorrer dos séculos, tenha chegado a um ponto que contestá-la é extremamente complicado."
O presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi fez um discurso histórico aos principais estudiosos e clérigos islâmicos na Universidade Al-Azhar no Cairo em 28 de dezembro de 2014. (Imagem: MEMRI) |
O fato do líder político do Egito dos dias de hoje ter entendido que os estudiosos e clérigos religiosos muçulmanos "devam arcar com a responsabilidade" de distorcerem o Islã, por transformá-lo em uma violenta ideologia política, é por si só inacreditável. A questão, no entanto, é se esses estudiosos e clérigos entenderam o que ele estava dizendo. Mais importante ainda, eles têm integridade suficiente para se levantarem e estarem à altura do desafio de al-Sisi? E a responsabilidade do Ocidente nessa matéria?
Quanto às potências ocidentais, se elas quiserem preservar a credibilidade em relação à liderança baseada em direitos humanos, não podem fazer vista grossa para o que está acontecendo no mundo muçulmano. Os muçulmanos do Egito e de outros lugares sabem por experiência própria até que ponto as potências ocidentais traem na prática o que elas afirmam em teoria quando se trata em apoiar povos oprimidos por regimes autoritários.
Os muçulmanos do Egito têm um longo histórico de lutas para modernizar a sociedade em que vivem. A falta de sucesso de reformadores religiosos como Muhammad Abduh (1849/1905) e Ali Abd al-Raziq (1888/1966) e de intelectuais seculares como Taha Hussein (1889/1973) Nasr Hamid Abu Zayd (1943/2010) e Hasan Hanafi (nascido em 1935), de tirar o Egito do atraso cultural do "terceiro mundo", foi agravado pela complicada história do país e do povo preso nas garras dos interesses coloniais, das lutas anticoloniais, das rivalidades dos próprios árabes, das guerras contra Israel e da Guerra Fria no Oriente Médio.
O que há muito se aguarda do Ocidente é uma política robusta para defender e garantir o respeito aos direitos humanos de todos, especialmente das minorias em países de maioria muçulmana. Ironicamente o Ocidente já possui políticas testadas à disposição para defender e promover com sucesso o respeito aos direitos humanos em países totalitários no modelo do Acordo de Helsinque de 1975 que, em retrospectiva, contribuiu para o fim do comunismo na União Soviética e nos satélites da Europa Oriental.
Uma política modelada segundo o Acordo de Helsinque e adaptada à particular situação do mundo muçulmano, como no caso do Egito, pelas potências ocidentais lideradas pelos Estados Unidos deveria ser apresentada como sine qua non aos países membros da Organização de Cooperação Islâmica (OCI) se desejarem manter uma relação de respeito mútuo e assistência, por exemplo, junto às Nações do G7. Como signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, adotada pela ONU, os Estados Membros da OIC, incluindo o Egito, devem estar de sobreaviso, de maneira inequívoca, que a sua colaboração ou inércia em prevenir abusos dos direitos humanos terá sérias consequências.
As potências ocidentais também deveriam deixar claro que a Declaração dos Direitos Humanos do Cairo sobre o Islã de 1990, adotada pela OIC, é inaceitável, porque o Artigo 24 do documento reza: "todos os direitos e liberdades preconizados nesta Declaração estão de acordo com os preceitos da Lei Islâmica". Em outras palavras, a Declaração de Cairo torna a Lei da Sharia a base dos direitos e liberdades nos países de maioria muçulmana. Isto deveria ser totalmente inaceitável para as potências ocidentais, particularmente para os Estados Unidos, sendo ele o mais importante membro fundador das Nações Unidas, assim como é inaceitável para os muçulmanos que compreendem a incompatibilidade da Sharia com os preceitos do mundo moderno.
A Sharia é fruto obsoleto de mentes de homens pertencentes ao início da Idade Média. Os coptas, assim como outras minorias religiosas que fazem parte dos estados membros da OIC, e muitos muçulmanos também, são vítimas diárias da Sharia no Egito. Não haverá tranquilidade para eles enquanto o governo continuar impondo regras e regulamentos direcionados pela Sharia no país como um todo e enquanto a sociedade egípcia aceder.
É necessário exigir, de maneira incessante, que os Estados Unidos liderem o G7 a adotar um acordo do tipo Helsinki em suas negociações com os estados membros da OIC. Tal acordo acabaria tendo um efeito parecido sobre o mundo muçulmano em termos de direitos humanos, proteção das minorias religiosas, igualdade de status para as mulheres e liberdade de expressão como quesitos essenciais para o avanço da democracia, assim como o Acordo de Helsinque teve na libertação do povo sob o comunismo na antiga União Soviética e na Europa Oriental.
O tratamento dispensado aos coptas no Egito é uma afronta moral para qualquer muçulmano ciente da tradição religiosa legada a ele pelo profeta. Esta tradição inclui o afeto de Maomé pelos coptas dado o seu casamento com Maria, filha de coptas, que lhe deu o filho Ibrahim (que morreu na infância), que ele tanto desejava. Como resultado desse relacionamento providencialmente abençoado, os coptas como povo se tornaram a extensão da família de Maomé seus amigos e parentes. Quando os muçulmanos egípcios buscam a misericórdia de Deus, eles precisam se lembrar que ela começa com a reparação do mal praticado contra os coptas e a busca de seu perdão. A liderança da Universidade Al-Azhar do Cairo poderia começar a seguir o exemplo do Presidente al-Sisi quando ele salientou recentemente ao receber os coptas de braços abertos como membros da família do Egito:
"Nós também amamos vocês. Vocês são a nossa família, vocês são um dos nossos, somos uma unidade e ninguém nos dividirá."
Salim Mansur é um Ilustre Colaborador Sênior do Instituto Gatestone. Ele leciona no departamento de ciência política da Western University de Londres, em Ontário, e é o autor de "The Qur'an Problem and Islamism". "Islam's Predicament: Perspectives of a Dissident Muslim". E "Delectable Lie: A Liberal Repudiation of Multiculturalism".
O presente artigo se baseia em observações proferidas pelo autor na 9a convenção anual da Solidariedade Copta ocorrida em Washington, D.C. entre os dias 21 e 22 de junho.