Um número cada vez maior de árabes está dizendo que os americanos estão equivocados se acham que a guerra ao terrorismo terminará com a retirada das tropas americanas do Afeganistão. Foto: milicias afegãs montam guarda contra o Talibã em um posto avançado na Província de Balkh, Afeganistão. (Foto: Farshad Usyan/AFP via Getty Images) |
À medida que os Estados Unidos se preparam para a retirada do Afeganistão programada para ser finalizada até 31 de agosto de 2021, um número cada vez maior de árabes está temeroso de que a medida americana não só trará o Talibã de volta ao poder naquele país, como também levará ao reaparecimento de outros grupos terroristas islamistas, como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico (ISIS).
Os árabes estão dizendo que os americanos estão equivocados se acham que a guerra ao terrorismo terminará com a retirada das tropas americanas do Afeganistão.
Eles estão avisando os EUA que pagarão caro por deixarem que o Afeganistão caia nas mãos de grupos terroristas. Além disso ressaltam que eles não veem nenhuma diferença entre o Talibã, Al-Qaeda e ISIS e que estes grupos cooperam abertamente entre si.
Mounir Adib, especialista egípcio em movimentos islâmicos e terrorismo internacional, destacou que o Talibã já deu cobertura à Al-Qaeda e até se recusou a entregar Osama bin Laden aos EUA quando ele residia no Afeganistão, sob o pretexto de que os americanos não conseguiram provar que ele tinha algo a ver com os atentados de 11 de setembro de 2001.
"O Talibã se recusou a entregar o líder da Al-Qaeda dando a ele refúgio que seu grupo continua desfrutando até os dias de hoje", escreveu Adib.
"Relatórios de inteligência confirmaram que há cooperação tanto militar quanto de segurança entre o Talibã e a Al-Qaeda, cujos combatentes engrossaram fileiras na luta contra as forças dos EUA nas últimas duas décadas. Isso significa que o Talibã divide os princípios fundamentais com a Al- Qaeda. O perigo que a Al-Qaeda e o Talibã representam continuará ameaçando o mundo."
Adib alertou que os EUA pagarão o devido preço por sair do Afeganistão. "O custo da retirada será maior e mais perigoso para os Estados Unidos e para o restante do planeta", salientou ele. "A Al-Qaeda e o Talibã estão se preparando para estabelecer um estado cujas características serão semelhantes às do ISIS. A ameaça do ISIS ainda está presente, cujas células ainda estão espalhadas por todos os lados."
De acordo com o especialista egípcio, a ameaça terrorista irá recrudescer por conta do passo em falso americano de não consultar seus aliados no Oriente Médio, entre eles o Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, a respeito da guerra ao terrorismo.
Em um artigo mais recente, Adib achincalhou a administração americana pela pressa em negociar com o Talibã:
"Os Estados Unidos invadiram o Afeganistão há duas décadas para acabar com o domínio do Talibã... Agora, os Estados Unidos estão negociando com ele. A maioria dos relatórios de inteligência realça que o Talibã estenderá o controle político e militar sobre todo território afegão. Os americanos estão deixando o Afeganistão, apesar do Talibã estar de mãos dadas com a Al-Qaeda. A retirada americana diante do Talibã e da Al-Qaeda confirma que estamos perante um novo cenário no qual a Al-Qaeda pode retornar à vanguarda da ação jihadista. A maior catástrofe é que o Afeganistão voltará a ser a capital do terrorismo e agora também temos a ameaça da Al-Qaeda também voltar. A batalha contra o terrorismo está testemunhando um declínio após a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão, à medida que esses grupos acham que estão por cima e vitoriosos, o que os levará a continuar lutando contra os Estados Unidos, árabes e europeus." "
Adib salientou que o Talibã conseguiu capturar novas áreas antes mesmo da saída das forças americanas do Afeganistão. "Este gesto visa mandar um recado ao mundo de que a retirada americana nada mais é do que rendição e derrota", observou ele.
"As consequências da retirada aparecerão logo no primeiro ano da saída das forças americanas e o Talibã controlará todo o Afeganistão dentro de dois anos. Os Estados Unidos, por meio de sua política, restaurará o regime talibã que os próprios americanos derrubaram há vinte anos, além de restaurar o poder de fogo da Al-Qaeda. Os Estados Unidos têm uma visão confusa em face do terrorismo que poderá prenunciar terríveis consequências para o mundo." "
Atef Al-Saadawi, especialista egípcio em assuntos estratégicos e internacionais, alertou que a guerra contra o terrorismo não acabou. Saadawi ressaltou que o ISIS continua representando uma expressiva ameaça à segurança e estabilidade do mundo.
"O perigo do ISIS ainda está presente", observou ele. "A crença de que o ISIS acabou e a tomada de decisões em cima desta suposição equivocada são o maior presente que pode ser dado a esta organização terrorista."
De modo que, continuou Al-Saadawi, "há uma gigantesca responsabilidade da coalizão internacional de combater o ISIS e a continuidade desta aliança não deveria ser objeto de debate, sua missão não deveria ser comprometida pela mudança da administração americana."
Saadawi debochou das declarações do presidente Joe Biden de que os EUA alcançaram seus objetivos no combate à ameaça terrorista no Afeganistão.
"Como é possível o senhor afirmar que houve sucesso no combate ao terrorismo sem que fosse construída uma nação que incubasse uma ideologia moderada e que conferisse uma vida decente que evitasse que as pessoas se envolvam com extremistas?" perguntou ele.
"Embora Biden tenha expressado confiança na capacidade do exército afegão de enfrentar o Talibã, ele admitiu que o Talibã está tentando explorar a retirada americana para expandir o controle sobre o país. A volta do controle da situação nas mãos do Talibã significa a provável e indesejável volta da Al-Qaeda com terrorismo e ameaças para o mundo inteiro. Qualquer que seja o futuro governo do Afeganistão no qual o Talibã faça parte, poderá conter elementos da Al-Qaeda, o que dará um enorme impulso moral à organização terrorista ajudando-a a se reagrupar de novo. Ao que tudo indica o caos e a instabilidade estão prestes a desabar sobre o Afeganistão."
O escritor saudita Amal Abdel Aziz Al-Hazani salientou que há um crescente temor de que o Talibã e a Al-Qaeda estejam prestes a colocar o Afeganistão sob seu jugo após a retirada dos EUA.
Hazani ressaltou que a captura de muitas regiões pelo Talibã no Afeganistão mostra a iminência do país passar por "grandes transformações".
"As forças dos EUA estão prestes a sair de vez no final de agosto, deixando para trás o Talebã na crista da onda e um governo afegão resistindo ao retorno do grupo ao poder", assinalou Hazani. "Todos estão apavorados. Há múltiplos cenários, o pior dos quais é a eclosão de uma guerra civil entre o governo contra o Talibã e o ISIS e a volta da Al-Qaeda para ameaçar o mundo mais uma vez."
Bahaa Al-Awam, jornalista e analista político sírio teceu duras críticas ao governo dos Estados Unidos por este "almejar convencer o mundo de que é possível negociar com os terroristas contra os quais o país luta há anos e lidar com eles como grupos políticos dignos de serem alçados ao poder".
Awam enfatizou que os EUA estavam equivocados ao acreditarem que "a reconciliação com os incubadores do terrorismo dará um basta à criação de terroristas e que a paz prevalecerá no Oriente Médio e no mundo".
"Acontece que o problema é que grupos extremistas e terroristas e o islã político não sabem viver sem rivalidades e não gostam de viver em paz e sem inimigos. É verdade que a força militar dos EUA fez com que a Al-Qaeda encolhesse e destruiu o sonho do ISIS de ter um estado próprio, mas não eliminou a ideologia terrorista, nem erradicou o terrorismo de suas raízes. O que piora ainda mais a situação é que a retirada americana da região marcará uma vitória das organizações políticas islâmicas e o vencedor sempre atrai a atenção e se torna o foco da atenção pública."
Este é o soar dos alarmes que muitos árabes estão ecoando, em alto e bom som. Parece que eles têm a esperança na premente urgência de que o governo dos Estados Unidos desperte para o fato de que a guerra contra o terrorismo islamista está longe de acabar e que não acabará após a retirada do Afeganistão. Esses árabes estão dizendo ao governo Biden em termos inequívocos: as políticas e ações dos EUA estão minando sua credibilidade entre seus aliados, abrindo caminho para o retorno de grupos terroristas islâmicos.
Khaled Abu Toameh é um jornalista premiado radicado em Jerusalém.