Os abusos de direitos humanos dos palestinos e a violenta repressão a ativistas políticos e jornalistas não são levados a sério não só pela ONU, mas também pela Administração Biden. Foto: agentes de segurança da Autoridade Nacional Palestina (ANP) posicionados diante de manifestantes em Ramala em 3 de julho de 2021, em meio a protestos contra a ANP pela morte do ativista Nizar Banat quando se encontrava em custódia pelas forças de segurança da ANP. (Foto: Abbas Momani/AFP via Getty Images) |
A pedido da Autoridade Nacional Palestina (ANP), o Conselho de Segurança das Nações Unidas foi novamente convocado para realizar uma sessão para debater as "violações" e "agressões" dos israelenses contra os palestinos. A ANP também exigiu que o Conselho de Segurança debatesse o assim chamado contínuo "cerco" israelense à Faixa de Gaza governada pelo Hamas.
Estas sessões do Conselho de Segurança viraram rotina e quase sempre terminam com declarações condenando Israel diante das queixas de representantes da Autoridade Nacional Palestina sobre as alegadas "violações" e "agressões" de Israel.
Ainda assim, durante a reunião do Conselho de Segurança ocorrida na semana passada, não se ouviu nem um piu sobre as violações dos direitos humanos e agressões cometidas pela ANP na Cisjordânia e pelo Hamas na Faixa de Gaza.
O Conselho de Segurança não ouviu falar sobre os mais de 75 usuários palestinos de redes sociais, ativistas políticos e jornalistas que foram presos pelas forças de segurança da ANP na Cisjordânia, isso só de umas semanas para cá.
As prisões foram a resposta dada aos protestos generalizados pela morte do ativista anticorrupção Nizar Banat, que segundo consta, foi espancado até a morte pelos agentes de segurança palestinos que invadiram sua residência na cidade de Hebron.
O Conselho de Segurança não ouviu os testemunhos de muitos dos que foram presos pelas forças de segurança da Autoridade Nacional Palestina nem quaisquer detalhes das inúmeras formas de tortura a que eles foram submetidos durante o encarceramento. Mulheres foram arrastadas pelos cabelos, obrigadas a se submeterem a assédio sexual, espancamento com cassetetes pelos seguranças da Autoridade Nacional Palestina. Algumas das mulheres e jornalistas se queixaram que os policiais que os espancaram também roubaram seus celulares e câmeras para impedi-los de documentar os protestos contra a morte de Banat.
Banat, o ativista anticorrupção e crítico feroz da liderança da ANP, foi ao que consta espancado até a morte em 24 de junho por mais de 20 agentes de segurança palestinos.
Já se passou mais de um mês desde o brutal assassinato do ativista, contudo o Conselho de Segurança não conseguiu arrumar um tempinho para tratar deste grave incidente. Por que o Conselho de Segurança não realizou uma sessão de emergência até agora para condenar a liderança palestina? Porque Banat foi assassinado por agentes de segurança da ANP e não por soldados israelenses.
Na véspera da reunião do Conselho de Segurança, a ANP intensificou a violenta repressão às liberdades individuais e direitos fundamentais, entre elas as da mídia, obviamente como parte da investida de silenciar os críticos e evitar que o mundo fique sabendo das medidas repressivas das forças de segurança palestinas contra seu próprio povo.
Os agentes de segurança palestinos foram enviados com a tarefa de fechar os escritórios da J-Media, uma agência de notícias privada palestina localizada em Ramala, propriedade do jornalista Ala al-Rimawi. O caráter oficial apresentado para o fechamento foi a falta da documentação adequada para o funcionamento, licença esta emitida pelo Ministério da Informação Palestino. Rimawi, no entanto, foi preso há poucas semanas pelas forças de segurança da ANP sob suspeita de participar de protestos pelo assassinato de Banat e "insultar" altos funcionários palestinos.
E não para por aí, na véspera da reunião do Conselho de Segurança, o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, demitiu o diretor da Biblioteca Nacional Palestina, Ehab Bessaiso, por ele ter postado comentários nas redes sociais nos quais criticava o assassinato de Banat.
Bessaiso, ex-ministro da Cultura da ANP, havia escrito o seguinte em sua página do Facebook sobre o assassinato do ativista:
"nada justifica cometer um crime. Matar uma pessoa é crime, não interessa o quão vago, ambíguo e emocional o quadro possa parecer. A diferença de opinião é um espaço de interação, discussão, liberdade, raiva, reflexão, desenvolvimento e correção. Diferença de opinião não é uma epidemia, uma ocasião de emergência ou uma justificativa para derramamento de sangue e incitamento."
O fechamento da agência de notícias e a exoneração do diretor da Biblioteca Nacional Palestina obviamente não são do interesse do Conselho de Segurança ou das organizações internacionais de direitos humanos.
Jornalistas palestinos que vivem sob o regime da Autoridade Nacional Palestina na Cisjordânia continuam reclamando que são corriqueiramente visados e intimidados pelas forças de segurança palestinas. Esta acusação, no entanto, obviamente não é levada em consideração pelo Conselho de Segurança nem pela Assembleia Geral da ONU como violação dos direitos humanos ou uma agressão. Por quê? Os perpetradores são palestinos, não israelenses.
A Coligação para a Prestação de Contas e Integridade (AMAN) salientou que recebeu informações dos servidores públicos da ANP que falaram sobre ameaças e intimidações por expressarem suas opiniões em público.
"Vários órgãos públicos emitiram instruções verbais, segundo as quais vários membros do staff foram ameaçados de demissão do serviço público", ressaltou a AMAN. "Tais irregularidades atingem quaisquer funcionários públicos que tecem comentários nas redes sociais ou participam de assembleias pacíficas, condenando a morte do ativista político e social Nizar Banat".
O grupo salienta ter enviado uma carta ao primeiro-ministro da ANP, Mohammad Shtayyeh, ressaltando a importância de despolitizar o serviço público e torná-lo neutro. "Constava na carta que o direito de qualquer palestino à liberdade de opinião e expressão deve ser respeitado". "A AMAN e as organizações da sociedade civil estão monitorando os desdobramentos que afetam as liberdades públicas em toda a Palestina, particularmente nas esteira do assassinato do ativista político e social Nizar Banat".
Desnecessário dizer que o alerta da AMAN e de outros grupos palestinos de direitos humanos não chegou até o Conselho de Segurança nem às páginas dos principais jornais do Ocidente.
O Conselho de Segurança e o restante da comunidade internacional continuarão a ignorar não só o que a ANP está aprontando com seu povo na Cisjordânia, mas também as violações dos direitos humanos cometidas pelo Hamas na Faixa de Gaza.
As vítimas palestinas e grupos de direitos humanos podem se esgoelar de tanto gritar, suas vozes e reivindicações jamais chegarão aos salões ou aos corredores da ONU em Nova York.
O Conselho de Segurança, sem a menor sombra de dúvida, jamais ouviu falar do caso Emad Al-Tawil, um palestino de 27 anos que morreu em 25 de junho após ser espancado por agentes de segurança do Hamas. Tawil morava no campo de refugiados de Nuseirat, na Faixa de Gaza.
A Comissão Independente Palestina de Direitos Humanos (CIDH) vem pedindo ao Hamas para que investigue as circunstâncias de sua morte.
De acordo com a ICHR, em 25 de julho, aproximadamente às 16h00, uma força policial do Hamas estimada em 40 integrantes foi à casa de Hosni Al-Tawil no Campo Nuseirat.
"Cerca de 15 integrantes entraram na casa dele e começaram a inspecioná-la de fio a pavio, a busca continuou por cerca de uma hora", segundo depoimentos obtidos pelo ICHR. "Durante a busca, integrantes da família Al-Tawil chegaram e tentaram entrar, mas os policiais os impediram de entrar e ainda agrediram Emad Abdul Aziz Al-Tawil empurrando-o, esmurrando-o e espancando-o com pedaços de madeira por todo o corpo."
Mais ou menos 30 minutos mais tarde a força saiu, Al-Tawil começou a reclamar de dor no peito e dificuldade de respirar. Depois de vomitar, familiares o levaram a uma clínica próxima, onde foi declarado morto.
"A ICHR considera que o comportamento dos policiais e a injustificada violação em relação ao espancamento de cidadãos, requerem uma revisão a fundo no sentido de garantir a implementação e o respeito da lei e ordenamento das decisões necessárias para que os policiais respeitem os direitos humanos", salientou o grupo.
É altamente provável que o Conselho de Segurança, organizações internacionais de direitos humanos e jornalistas não ouviram nada sobre o caso Hassan Abu Zayed, um palestino de 27 anos da Faixa de Gaza, que foi morto a tiros pelos "guardas de fronteira" do Hamas em 23 de julho. Abu Zayed estava em um carro com dois amigos quando os milicianos do Hamas abriram fogo sob o pretexto de que não pararam em um posto de controle.
A ICHR pediu uma minuciosa investigação criminal sobre o caso. O grupo também exigiu que o Hamas permita que ativistas de direitos humanos visitem os amigos do falecido que foram detidos pelo Hamas, além de serem as principais testemunhas do incidente.
Analogamente, o Conselho de Segurança nunca foi convocado para realizar uma sessão de emergência para debater o caso de Shadi Nofal, 41, que morreu na prisão do Hamas em 5 de julho.
Segundo os registros da ICHR, a saúde de Nofal piorou e ele foi transferido para o Hospital Al-Aqsa Martyrs, onde foi ministrada a reanimação cardiorrespiratória antes de ser internado na unidade de terapia intensiva. Dois dias depois ele recebeu alta e permaneceu em observação. Ele foi levado para a prisão e na manhã de 5 de julho deu entrada novamente na unidade de terapia intensiva do Hospital Al-Aqsa Martyrs, onde foi declarado morto.
Os abusos de direitos humanos dos palestinos e a violenta repressão a ativistas políticos e jornalistas não são levados a sério não só pela ONU, mas também pela Administração Biden.
Em vez de pressionar os líderes palestinos a pararem de prender, torturar e matar seu povo, o governo Biden está, absurdamente, procurando maneiras de fortalecer a liderança da ANP.
Parece que, aos olhos da Administração Biden, fortalecer os líderes da ANP significa deixar que agentes de segurança palestinos espanquem ativistas políticos até a morte, arrastem mulheres pelos cabelos pelas ruas de Ramala e prendam e intimidem jornalistas. Concomitantemente, os membros do Conselho de Segurança, levam sua gratuita obsessão em relação a Israel a novos patamares, à medida que palestinos são arrastados para a prisão ou para o cemitério nas mãos da ANP e do Hamas.
Khaled Abu Toameh é um jornalista premiado radicado em Jerusalém.