O Dr. Li Wenliang que morreu em consequência do coronavírus em 7 de fevereiro, foi repreendido pelo governo chinês juntamente com sete outros médicos, por terem soado o alerta sobre o surto em dezembro. Ele foi acusado de "espalhar falsos rumores" e de "perturbar a ordem social" e por conta de suas corajosas iniciativas, foi detido e interrogado. Foto: vigília em memória de Wenliang em 7 de fevereiro em Hong Kong. (Foto: Anthony Kwan/Getty Images) |
Três ativistas chineses que atuavam na Internet desapareceram e tudo leva a crer que foram detidos pela polícia. Segundo consta, eles teriam sido acusados de guardar artigos que foram removidos pelos censores chineses da Internet. Chen Mei, Cai Wei e a namorada de Cai desapareceram em 19 de abril.
Poucos dias antes, o professor aposentado Chen Zhaozhi foi formalmente preso pela polícia de Pequim por "arrumar confusão e provocar distúrbios" ao proferir um discurso sobre a pandemia. O ex-professor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Pequim postou comentários na Internet entre os quais que "a pneumonia de Wuhan não é um vírus chinês e sim um vírus do Partido Comunista Chinês". Além disso, Wang Quanzhang, advogado chinês defensor dos direitos humanos, que cumpriu pena de prisão de mais de quatro anos por "subversão contra o Estado", foi imediatamente colocado em "quarentena", após deixar a penitenciária, leia-se preso.
Eles são apenas e tão somente os últimos dissidentes chineses que estavam apreensivos quanto ao vírus que se originou em Wuhan, marco zero da pandemia do Covid-19, que desapareceram. Eles evidentemente "foram desaparecidos" porque estavam pesquisando e dizendo a verdade sobre o que aconteceu, bem como sobre a investida do regime chinês de enterrá-la.
Frances Eve, diretora adjunta de pesquisas do grupo Chinese Human Rights Defenders com sede em Hong Kong, encarregada de defender os direitos dos cidadãos salientou:
"todo aquele que desapareceu corre altíssimo risco de ser torturado, provavelmente com o intuito de forçá-lo a confessar que suas atividades eram de cunho criminoso ou tinham a intensão de causar danos à sociedade. De modo que, a exemplo de casos anteriores, as pessoas desaparecidas serão apresentadas e forçadas a confessar perante as câmeras da TV estatal chinesa".
O jornalista amador chinês Li Zehua, reapareceu recentemente após ter desaparecido por dois meses enquanto investigava o acobertamento do coronavírus de Wuhan. O regime chinês o tornou dócil e o silenciou. Contrastando com o tom de suas reportagens de Wuhan, o novo vídeo de Zehua o mostra rasgando seda em relação ao regime que o deteve:
"ao longo de todo o processo, os policiais agiram civilizada e legalmente, deixando que eu repousasse e me alimentasse bem, eles realmente se importavam comigo, eu fazia três refeições por dia, me sentia seguro diante dos guardas e assistia ao noticiário todos os dias."
O vídeo mostra a trágica consequência da repressão chinesa.
Em seus relatos sobre Wuhan na véspera da sua prisão, Zehua tinha um tom muito mais agressivo em relação às autoridades:
"não quero continuar calado ou fazer vista grossa e não dar ouvidos. Não é que não possa ter uma vida tranquila, esposa e filhos. Posso. Estou nessa porque tenho a esperança que os mais jovens possam como eu se levantar, se posicionar contra isso."
Esses jornalistas chineses sabem que terão que pagar um preço terrível. Pequim acaba de condenar o jornalista Chen Jieren a 15 anos de prisão por "difamar o Partido Comunista Chinês", depois que a mídia estatal divulgou a "confissão" dele. China, a maior prisão de jornalistas do planeta, vem sendo acusada de ter iniciado a "era da censura total".
O "paciente zero" da repressão chinesa foi o Dr. Li Wenliang, oftalmologista, que soou o alerta do Covid-19 e que morreu aos 34 anos, aparentemente em virtude do vírus. Primeiro ele foi detido pela polícia em Wuhan por "espalhar falsos rumores" e, por dizer a verdade foi forçado a assinar um documento segundo o qual que ele havia "dito mentiras online." Horas após a mídia estatal reportar a morte do Dr. Li, os Médicos pelos Direitos Humanos, observaram que "censores do governo retiraram da Internet chinesa qualquer menção à sua morte sem mais nem menos".
Ai Fen, outra médica de Wuhan, chefe do Pronto Socorro do Hospital Central de Wuhan, parece que também era uma das denunciantes, que "soou o alarme" sobre o vírus em 30 de dezembro de 2019. "Desaparecem" com ela após ela ter criticado a censura à epidemia. "Se eu soubesse o que estava para acontecer, eu não teria me importado com a reprimenda. Eu teria mandado tudo às favas e conversado sobre isso com quem quer que fosse, onde quer que fosse", ressaltou Ai Fen. Desde o início de abril ela não foi mais vista e ninguém ouviu falar mais nada sobre ela.
Chen Qiushi, jornalista amador que reportava de Wuhan, também está desaparecido desde fevereiro. "Estou com medo, estou com o vírus na minha frente e atrás de mim está a polícia chinesa", assinalou Chen em um vídeo datado de 30 de janeiro. "Mas não esmorecerei enquanto eu estiver vivo e nesta cidade eu continuarei com os meus relatos. Não tenho medo de morrer. Por que eu deveria ter medo de você, Partido Comunista?"
Fang Bin, vendedor de roupas de Wuhan, aparentemente cometeu o crime de contar "muitos" mortos envoltos em sacos plásticos. "É além da conta, são tantos mortos", salientou Bin em um vídeo de 40 minutos sobre o surto do vírus. Logo ele também desapareceu. Bin gravou corpos empilhados em um crematório. Dois meses depois, o mundo descobriu que a China havia mentido sobre o número de vítimas em Wuhan. Bin estava certo e Pequim teve que aumentar o número oficial de mortes por coronavírus em Wuhan em 50%.
Zhang Wenbin, estudante universitário em Shandong, pediu ao presidente Xi para que ele renunciasse. "Quando vejo a coragem com que Hong Kong e Taiwan enfrentam o Partido Comunista, quero que minha voz também seja ouvida", salientou ele. "Peço a todos que olhem para as reais intenções do Partido Comunista e se unam no sentido de derrubar esse muro". Na sequência Zhang Wenbin desapareceu.
Ren Zhiqiang, magnata do setor imobiliário em Pequim, também desapareceu após escrever um ensaio no qual ele pinta o presidente chinês Xi Jinping como "palhaço" e sugere que o ataque do Partido Comunista à liberdade de expressão exacerbou a epidemia.
Wang Fang, natural de Wuhan, vencedora do prestigioso Prêmio Literário Lu Xun da China se vê às voltas com intimidações e ameaças de morte por ter publicado um diário no Ocidente sobre o que aconteceu em sua cidade natal. "Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé", escreveu Fang, citando a Bíblia. Ela esclareceu que a China de hoje a lembra da Revolução Cultural, quando Mao Tsetung impôs fanatismo e obediência ao país e quando dissidentes eram humilhados em público, mortos por uma espécie de esquadrão da morte ou forçados a cometer suicídio no meio da rua.
Xu Zhangrun, professor de direito chinês na Universidade de Tsinghua, também está sendo investigado depois de ter publicado um ensaio com críticas à repressão do regime do presidente Xi. "Eu não sei o que eles farão a seguir", assinalou o professor Xu. "Venho me preparando mentalmente para isso já faz um bom tempo. Na pior das hipóteses, acabarei na prisão". Xu também publicou um longo ensaio no qual ele tece duras críticas a Xi Jinping e ao Partido Comunista. "A epidemia do coronavírus revelou a podridão no núcleo da governança chinesa", escreveu o professor Xu. Ele ainda salientou que o sistema chinês agora "valoriza o medíocre, o lento e o tímido" e que a bagunça causada pelas autoridades que acobertaram os primeiros sinais do vírus em Wuhan "infectou todas as províncias e a podridão vai diretamente a Pequim".
Amigos dizem que a partir do momento que esses comentários foram publicados, a conta na rede social do professor Xu foi suspensa, seu nome foi retirado da Weibo, plataforma chinesa de blogs e que agora somente artigos de sites oficiais aparecem no maior mecanismo de busca do país, o Baidu.
O destacado autodidata, professor universitário e advogado de direitos humanos Xu Zhiyong, que pediu a Xi Jinping que renunciasse disse: "você não é inteligente o suficiente" salientou ele, também foi preso.
O ativista pró-democracia, Ren Ziyuan, foi enviado a uma prisão administrativa por criticar a gestão do governo em relação à epidemia, segundo a Freedom House. Tan Zuoren, ativista na Internet e ex-prisioneiro político, foi visitado inúmeras vezes pela polícia e teve a sua conta congelada na plataforma de rede social WeChat. O ex-professor Guo Quan, também foi preso depois de publicar artigos sobre o surto, por "incitar a subversão do poder do Estado".
Esses corajosos dissidentes mostraram o quão frágil, tola e perigosa é a casa do regime chinês. O Partido Comunista Chinês "é o maior e mais grave vírus de todos", ressaltou o ativista cego e dissidente Chen Guangcheng, agora refugiado nos EUA. "Já está na hora", salientou ele, "de reconhecer a ameaça que o Partido Comunista Chinês representa para toda a humanidade. O PCC reprime e manipula informações para se manter no poder com mais força ainda, independentemente do número de mortos". Ao que tudo indica, também, independentemente do número de vítimas mundo afora.
Uma carta aberta de parlamentares, do mundo acadêmico, advogados e líderes políticos declara:
"na qualidade de grupo internacional de personalidades públicas, analistas de políticas de segurança e observadores da China, nos solidarizamos com os corajosos e conscienciosos cidadãos chineses, incluindo Xu Zhangrun, Ai Fen, Li Wenliang, Ren Zhiqiang, Chen Qiushi, Fang Bin, Li Zehua, Xu Zhiyong. e Zhang Wenbin, só para citar alguns dos verdadeiros heróis e mártires que arriscam suas vidas e liberdade por uma China livre e aberta".
A carta foi assinada por Judith Abitan, Diretora Executiva do Centro de Direitos Humanos Raoul Wallenberg; Lord Alton, da Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha; o historiador francês Jean-Pierre Cabestan, da Universidade Batista de Hong Kong; Irwin Cotler, professor emérito de direito na Universidade McGill e ex-ministro da Justiça e procurador-geral do Canadá e Giulio Terzi di Sant'Agata, ex-ministro das Relações Exteriores da Itália, entre outros.
Ao passo que muitos no Ocidente achavam que a União Soviética era um paraíso, foram necessários apenas poucos heróis por detrás da Cortina de Ferro para nos informar sobre os gulags, a polícia secreta, a fome e a repressão, em suma, eles nos mostraram que o céu era um inferno. Entre esses heróis figuram o escritor tcheco Václav Havel, o cientista nuclear Andrei Sakharov e o autor Alexander Solzhenitsyn da União Soviética; o físico Robert Havemann da Alemanha Oriental, só para citar alguns. Eles pagaram com detenção, exílio, prisão e até com suas próprias vidas, como o filósofo tcheco Jan Patočka, que morreu após ser interrogado.
Analogamente, hoje também sabemos algumas coisas sobre a China, devemos isso aos heróis desaparecidos da China. Optamos atrozmente por abandoná-los. Pouquíssimos no Ocidente verdadeiramente livre, criticam abertamente as autoridades chinesas e pedem a libertação desses grandes homens e mulheres. Por sua aquiescência, o Ocidente pagará muito caro.
A Universidade de Queensland na Austrália, que tem relações estreitas com a China, está na realidade tentando tomar medidas disciplinares, incluindo a possível expulsão do estudante Drew Pavlou por ele tecer críticas a Pequim. Será que já estamos fazendo o jogo de Pequim de reprimir a dissidência?
Segundo consta a Bloomberg News censura artigos que porventura possam irritar a China e expor os bens pessoais de Xi. De uns tempos para cá a União Europeia vem colocando panos quentes em relação às críticas à China a exemplo de um relatório sobre a disseminação de informações sobre a pandemia. O Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, admitiu que a China havia "pressionado" Bruxelas.
"Estamos praticamente extintos" assinalou Liu Hu, jornalista detido por quase um ano por investigar políticos corruptos. "Não vai sobrar ninguém para contar a verdade".
Até parece que a liberdade de pensamento é mais valorizada entre os ousados dissidentes da China do que em muitos círculos do Ocidente.
Parafraseando Leon Trotsky: você pode não estar interessado na China, mas a China está interessada em você.
Giulio Meotti, Editor Cultural do diário Il Foglio, é jornalista e escritor italiano.