Policiais interditam uma rua perto do quartel-general da polícia de Paris depois que um terrorista matou quatro policiais no casarão em 3 de outubro de 2019 em Paris, França. (Foto: Marc Piasecki/Getty Images) |
Desta vez o terrorista não usou armas de fogo, as vítimas não eram crianças desarmadas, nem cartunistas, nem judeus, eram policiais.
O local onde ocorreu o ataque de 3 de outubro também salta aos olhos: "tem-se como certo que o quartel-general da polícia de Paris é uma espécie de fortaleza, afinal é o símbolo da ordem pública na França e da luta antijihadista e foi justamente esse baluarte que foi sacudido," salientou o conceituado intelectual francês Gilles Kepel ao Le Figaro.
"Ingressamos em um... terrorismo 'made in France'... com um misto de orações às sextas-feiras ministradas por imãs extremistas, redes sociais e a instrumentalização de pessoas vulneráveis. Tem tudo a ver com uma nova modalidade de pânico na sociedade visando lugares famosos, ícones... O ataque é um divisor de águas no terrorismo islamista."
O facínora Mickaël Harpon, nascido na ilha de Martinica, departamento ultramarino da França, foi alvejado e morto depois de esfaquear quatro pessoas que não resistiram aos ferimentos, com uma faca de cozinha de cerâmica. O ataque ocorreu na hora do almoço no quartel-general da polícia de Paris. Harpon, um civil, especialista em TI na divisão da inteligência com credenciais de acesso de alto nível e livre movimentação, trabalhou para a polícia durante 16 anos. Primeiro ele matou três homens na divisão de inteligência, na sequência esfaqueou duas policiais em uma escadaria (uma veio a óbito), antes dele finalmente ser alvejado e morto no pátio do edifício.
Harpon, convertido de longa data ao Islã e assíduo frequentador da mesquita local, participava das orações da manhã e da tarde. Um Imã radical que lá pregava por pouco não foi expulso da França.
De acordo com o Wall Street Journal:
"As autoridades descobriram inúmeros pen drives sobre a mesa dele, segundo as autoridades um desses pen drives continha informações pessoais de agentes e violenta propaganda islamista.
"A pergunta chave é se Harpon fez o download dos dados para o pen drive para o trabalho dele... ou para enviá-los aos contatos que tinha com extremistas que poderiam usá-los para atacar a polícia."
Em 2016 Patrick Calvar, diretor geral da inteligência interna da França, ao se referir a uma série de salafistas ativos na França, (15 mil naquela época) declarou: "a confrontação é inevitável". Agora, de dentro, um deles atingiu "o sistema".
"O ataque ao quartel-general da polícia pode ser considerado o mais grave em nosso solo desde 13 de novembro de 2015," salientou Thibault de Montbrial, presidente do Centro de Segurança Interna, um think tank francês.
"Por quatro anos a fio a França sofreu inúmeros ataques. Alguns provocaram altíssima perda em vidas humanas, como em Nice em 2016. Mas esse caso na chefia da polícia já é outra coisa, completamente diferente: é a primeira vez que ocorre um ataque de 'fogo amigo', no qual um membro da força policial ataca seus colegas."
No coração do programa extremista, está, ao que tudo indica, a separação. "De que maneira um amontoado de redes islamistas conseguiu criar enclaves ideológicos dentro de bairros populares?", pergunta o autor Bernard Rougier em Les territoires conquis de l'islamisme ("Os Territórios Conquistados pelo Islamismo"). O livro ainda inédito documenta o funcionamento das redes islamistas em inúmeros municípios, como Aubervilliers, Argenteuil, Tremblay-en-France e Mantes-la-Jolie.
De acordo com o jornalista francês Eric Zemmour:
"Nas ruas, mulheres usando véus e homens com jellabas (túnicas) são na realidade propaganda, a islamização das ruas, assim como os uniformes de um exército de ocupação lembram os derrotados sobre a sua submissão. O antigo tríptico da imigração, integração e assimilação foi substituído pela invasão, colonização e ocupação."
Em 2016, um memorando interno da polícia revelou que entre 2012 e 2015 não foram raras as ocasiões, em Paris, nas quais policiais agiram de forma truculenta e radical ou se comportaram de maneira a preocupar seus superiores. Certa vez, em 2016, um jihadista esfaqueou um comandante de polícia e sua companheira na casa deles em Magnanville, região oeste de Paris. Em outra ocasião a polícia francesa que investigava uma mulher suspeita de ligações com o ISIS descobriu um pen drive contendo dados pessoais, como endereços residenciais, de milhares de policiais franceses. Quem forneceu essas informações?
A impressão generalizada é que a França está sufocada com a multiplicação de habitantes radicalizados. O terrorista que abriu fogo em uma feira natalina em Estrasburgo em 2018 se encontrava na lista de suspeitos, bem como os terroristas que atacaram o supermercadoTrébes e também o homem que assassinou crianças judias em uma escola em Toulouse. As autoridades francesas sabiam da existência desses elementos e ainda assim não foram capazes de detê-los.
Parece que há uma estrondosa quebra de segurança. No caso da França, o buraco é mais embaixo. Segundo um levantamento conduzido pelo Pew Center, em 2050, de 12% a 18% da população da França será muçulmana. As conversões para o Islã estão em franco crescimento. O extremismo está se tornando de tal forma parte integral do país que, de acordo com o historiador Pierre-André Taguieff, para muitos cidadãos franceses o jihadismo virou uma "atração". Já há várias aldeias na zona rural francesa para onde convertidos e fundamentalistas se retiram com o objetivo de praticar a forma "pura" do Islã.
Ao prestar homenagem às vítimas do ataque terrorista contra o quartel-general da polícia de Paris, o presidente Emmanuel Macron declarou que a França precisa combater a "hidra" da militância islamista.
O problema é que faz anos que a França se encontra em estado de negação com respeito ao Islã radical. O autor argelino Boualem Sansal salienta que "em determinados distritos,"a "França anseia se tornar uma república islâmica."
Le Monde, o jornal mais conceituado da França, publicou um artigo opinativo após o recente atentado acusando o país de "Macarthismo Islamofóbico." Harpon, o terrorista que matou seus colegas no quartel-general da polícia com certeza iria concordar: ele compartilhou artigos chamando a França de "um dos países mais islamofóbicos da Europa", tão islamofóbico, que até Ahmed Hilali, o imã radical que mantinha contato com Harpon, recebeu uma ordem de deportação devido às suas ideias extremistas, a ordem, no entanto, nunca foi cumprida.
Alexis Brézet, editor do Le Figaro, cunhou o termo "dénislamisme" ("negação do islamismo"):
"Como isso é possível? Como é possível um terrorista islamista estar tão enfronhado no aparato estatal, no coração da estrutura policial, exatamente onde se deveria combater as práticas islamistas, conseguir cometer o massacre? A Dénislamisme coloca os franceses na linha de fogo. Ela tira do foco a percepção da ameaça e desarma o espírito. No momento em que a mobilização deveria estar no auge, ela paralisa a luta contra a infiltração islamista em nossas democracias. A Dénislamisme mata. Nós não venceremos a guerra que o Islã radical declarou contra nós se continuarmos a andar com os olhos fechados".
Giulio Meotti, Editor Cultural do diário Il Foglio, é jornalista e escritor italiano.