A encenação do julgamento na Faixa de Gaza do presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas pode parecer coisa banal ou então algum tipo de comédia grotesca. O "julgamento", no entanto, tem o objetivo de mandar um recado não só a Abbas, mas a qualquer palestino que ouse sonhar em fazer as pazes com Israel ou reconhecer seu direito de existir. Foto: Mahmoud Abbas na Assembleia Geral das Nações Unidas, 20 de setembro de 2017. (Foto: Kevin Hagen/Getty Images) |
O movimento islâmico palestino Hamas não faz segredo de sua ânsia em ver o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas, ser julgado por trair os palestinos por sua suposta "colaboração" com Israel e sanções contra a Faixa de Gaza.
No ano passado, Ahmed Bahr, funcionário do alto escalão do Hamas, sugeriu que Abbas fosse julgado por "alta traição", crime passível de condenação à pena de morte. Abbas não só se recusa em fazer as pazes com o Hamas como também quer que a facção entregue suas armas ao governo da AP, segundo Bahr. "Por isso ele deveria ser trazido perante um tribunal popular e constitucional sob a acusação de alta traição."
Mais cedo, Marwan Abu Ras, outra autoridade do Hamas, propôs que Abbas fosse executado por enforcamento de acordo com a Lei Islâmica (Sharia). Ao acusar Abbas de "colaboração" com Israel, Abu Ras afirmou que o presidente palestino estava privando a Faixa de Gaza de receber ajuda financeira internacional. "Abbas é o maior traidor que a causa palestina tem conhecimento", ressaltou ele. "Ele deveria ser julgado no centro da Faixa de Gaza e condenado à morte por enforcamento de acordo com a lei da sharia."
Os líderes do Hamas estão furiosos com Abbas: eles dizem que ele reconhece o direito de Israel de existir e ainda por cima está disposto a aceitar o plano da paz do presidente dos EUA de Donald Trump para o Oriente Médio, conhecido como o "Acordo do Século", ainda não oficializado.
Eles também dizem que querem enforcar Abbas porque suas forças de segurança sincronizam a coordenação da segurança com Israel na Cisjordânia e devido às sanções econômicas que ele impôs à Faixa de Gaza. Faz parte das sanções o corte de salários de milhares de funcionários palestinos da Faixa de Gaza.
Acima de tudo, os líderes do Hamas dizem que a organização não reconhece nem irá reconhecer o direito de Israel de existir.
Além disso, ao que tudo indica, eles acreditam que as chances de Abbas ser julgado por seus supostos "crimes" são tão quixotescas a ponto de serem quase impossíveis de alcançar. Abbas governa em Ramala, capital de fato dos palestinos, onde é protegido não apenas por suas forças de segurança, mas também pelas Forças de Defesa de Israel. Abbas, sem a menor sombra de dúvida sabe que, se não fosse a presença de Israel na Cisjordânia, o Hamas já teria derrubado seu regime, arrastando-o para o centro de Ramala e enforcando-o por sua suposta traição dos palestinos.
Os apoiadores do Hamas sabem que Abbas não irá aparecer na Faixa de Gaza, governada pelo Hamas, num futuro próximo. Abbas também não está disposto a se entregar ao Hamas ou a quaisquer que sejam os palestinos que indubitavelmente querem que ele seja julgado por traição.
Os inimigos políticos de Abbas estão tão afoitos, que decidiram realizar o julgamento à revelia do "traidor" e "colaborador".
Em 10 de março, o Movimento Popular de Salvação Nacional, grupo filiado ao Hamas, realizou uma encenação do julgamento de Abbas, de 83 anos, no Centro Cultural Rashad Shawa em Gaza City. Centenas de palestinos entre eles chefes de clãs, estudantes universitários e funcionários cujos salários foram cortados por Abbas, participaram do "julgamento." Muitos na plateia exibiam pequenos cartazes pedindo que Abbas "deixe o cargo".
O "promotor" do tribunal leu 17 acusações contra Abbas. Entre elas: "usurpar o poder desde 2009" (o mandato de Abbas chegou ao fim em janeiro de 2009), causar a morte de dezenas de palestinos privando-os de tratamento médico, cortes nos proventos de assistência social a órfãos e viúvas, corte no fornecimento de energia elétrica (para a Faixa de Gaza) e cumplicidade com Israel na imposição do bloqueio ao enclave costeiro governado pelo Hamas para impedir a importação de armamentos pelo Hamas.
Os que participaram do "julgamento" também acusaram Abbas de "incitar" Israel a lançar ataques contra a Faixa de Gaza violando a Lei Básica Palestina, obstruir o trabalho do parlamento palestino, cometer crimes de guerra contra o povo palestino e perpetrar centenas de atos de tortura contra detentos palestinos. Além disso, o documento de acusação contra Abbas o acusa de coordenar a segurança e promover a normalização de relações com Israel, bem como abusar de seu cargo de presidente por interesses pessoais e familiares.
No final do "julgamento", o "tribunal" anunciou o veredito: culpado. O tribunal considerou Abbas culpado de cometer deliberadamente todos os crimes a ele atribuídos, anunciando que ele deveria ser punido de modo exemplar, de acordo com o Código Penal Palestino, uma referência à condenação à morte.
Para alguns, a encenação do julgamento na Faixa de Gaza pode parecer coisa banal ou então algum tipo de comédia grotesca. O "julgamento", no entanto, é algo totalmente diferente: o objetivo é mandar um recado não só a Abbas, mas a qualquer palestino que ouse sonhar em fazer as pazes com Israel ou em reconhecer seu direito de existir. O "julgamento" visa mostrar o que aguarda qualquer palestino que ouse trabalhar com Israel, coordenar a segurança ou normalizar relações com o país. Veredito: todo e qualquer palestino que aceitar um plano de paz com Israel também será considerado culpado e estará assinando sua própria sentença de morte.
Khaled Abu Toameh é um jornalista premiado radicado em Jerusalém, também é Shillman Journalism Fellow do Gatestone Institute.